O papel das mídias sociais na construção da comunicação eleitoral – tendo em vista o interesse das empresas no crescimento de seus negócios

Alexandre Arns Gonzales*

 

A eleição brasileira de 2022 coloca o papel das mídias digitais em evidência, não somente pela relevância que cada tipo de mídia tem na construção da comunicação eleitoral, mas também pelo fato de que essas mídias constituem uma infraestrutura de serviços de propriedade de empresas com interesses econômicos e políticos. Não são serviços isentos dos interesses de crescimento dos seus negócios.

A Justiça Eleitoral, ao firmar memorandos de cooperação com as empresas, reconhece a sua relevância, enquanto atores influentes no processo eleitoral do país. Neste ano, foram formalizados com oito empresas o compromisso delas com a integridade eleitoral: Google e Facebook (hoje rebatizado de Meta) e suas respectivas subsidiárias, Twitter, TikTok, Kwai, LinkedIn, Telegram e Spotify.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do TSE

Embora o serviço de cada empresa seja diferente em suas funcionalidades e especificidades, os chamados “Memorandos de Entendimentos” firmados têm um padrão comum em suas diretrizes. Esse padrão está estruturado em três eixos: 1) disseminar informações oficiais e confiáveis; 2) capacitar as equipes dos órgãos da Justiça Eleitoral e os eleitores para compreensão do fenômeno da desinformação e comportamento inautêntico; e, por fim, 3) adotar medidas preventivas e repressivas em casos de desinformação.

As medidas previstas nos documentos, bem como as descritas no Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformaçãorefletem o acúmulo obtido a partir das políticas ensaiadas desde 2018, primeiro ano em que houve esse tipo de cooperação.

O ineditismo, em 2018, da cooperação das empresas com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ocorre em um contexto em que a contradição da “promessa” está exposta: ao invés de assegurar os meios para aprimorar as eleições e a participação da cidadania, as mídias digitais e o modelo de negócios viabilizaram o emprego de técnicas para desestabilização dos processos eleitorais.

Quem firmou, em 2018, o compromisso de “combater a desinformação” foram Google e Facebook, mas o Twitter também participou dos diálogos iniciais com o TSE. O Twitter, junto com as outras duas empresas, apresentou ao  Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, criado pelo TSE, as medidas que a empresa pretendia implementar à época para tratar o fenômeno da desinformação. Contudo, a empresa não assinou o memorando, justificando mais tarde à imprensa que não considerou possível implementar suas políticas em tempo para as eleições.

Ainda assim, tanto Google, Facebook e Twitter participaram do Fórum Nacional da Propaganda Eleitoral nas Mídias Digitais, realizado no dia 1º de março daquele ano, gravado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Mato Grosso. Já naquela ocasião, o dilema da transparência era abordado pelas empresas e a justificativa apresentada era que a exposição de informações sobre o funcionamento de seus algoritmos e ferramentas poderiam ser abusadas pelos atores maliciosos. Em 2020, durante uma oficina do Google com servidores da Justiça Eleitoral, visando as eleições municipais, a justificativa pela falta de transparência.

Na perspectiva dos interesses privados das empresas, o argumento é coerente e, por isso, não se pode esperar que o avanço desta discussão ocorra de modo voluntário por parte delas. A cobrança por transparência sobre a tomada de decisão das empresas no que diz respeito à definição dos critérios para a moderação de conteúdo, bem como da remoção, suspensão ou sanção sobre determinado conteúdo ou conta, não diz respeito somente a garantir ao usuário acesso a informações sobre o serviço que ele está utilizando.

A transparência é necessária para orientar o debate público sobre o papel que essas empresas e seus serviços desempenham em processos políticos, como as eleições, e construir mecanismos de controle pelo interesse público sobre elas, sobretudo se optam por priorizar seus lucros em detrimento da integridade eleitoral.

Por exemplo, documentos tornados públicos por Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, informam que a empresa estimava que estava removendo menos de 5% do conteúdo identificado como discurso de ódio. Em depoimento ao congresso estadunidense, Haugen relatou que medidas para intervir nestes conteúdos foram apresentadas à presidência da empresa, mas a decisão foi por não implementá-las porque afetariam as métricas gerais de engajamento da empresa e, consequentemente, os rendimentos financeiros.

Esse caso exemplifica a importância de mecanismos que tragam informações acerca de como as medidas são tomadas, como atuam no trabalho humano e como funcionam as ferramentas de automação na moderação; mas destaca, também, a necessidade de mecanismos de auditoria dessas informações. A própria Justiça Eleitoral poderia exigir a instituição de mecanismos que avançassem na direção de tornar pública estas informações para as eleições no Brasil. Os acordos da Justiça Eleitoral com as empresas já são um avanço no tema da transparência das plataformas digitais nas eleições, mas são insuficientes para fiscalizar efetivamente o compromisso que elas assumiram.

 

**Alexandre Arns Gonzales – Doutor em Ciência Política, pesquisador colaborador do Instituto em Ciência Política (IPOL) da UnB e bolsista de pós-doutorado pelo CNPq