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Candidaturas de mulheres e de pessoas negras: há algo de novo em 2024?

Danusa Marques*



A cada eleição, diante dos desequilíbrios do sistema político brasileiro e da perenidade das desigualdades eleitorais, nos perguntamos: será que as mudanças serão aprofundamentos da crise política ou finalmente conseguiremos avançar a democratização? Não há muitas esperanças de que seja a segunda opção.


Ainda estamos no início da campanha eleitoral e os dados disponíveis tratam somente das candidaturas. Eles, assim, nos permitem apenas avaliar o trabalho preparatório dos partidos políticos para o pleito municipal de 2024. Em um regime de concorrência eleitoral, um dos trabalhos mais importantes de um partido é selecionar as candidaturas que concorrerão nas eleições, qualquer que seja a ideologia ou projeto político que mobilize. É o que em ciência política costumamos nomear de recrutamento político.


Apesar da análise das candidaturas pouco dizer sobre o que será o resultado das eleições, ela pode indicar quais foram algumas das prioridades dos partidos. Sabemos que cada um deles têm autonomia para organizar seus processos internos, as formas de escolha de candidaturas, como se dá a distribuição de recursos, os meios pelos quais as decisões são tomadas internamente. Sabemos também que os partidos não são iguais em projetos políticos, mas às vezes deixamos de lembrar que eles têm bases sociais distintas (com maior ou menor participação popular), que são organizados de formas variadas (mais ou menos verticalizadas) e que organizam o trabalho político de maneiras muito diferentes entre si.

 



Fonte: Estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nota: Em 2020, 279 pessoas preferiram não declarar gênero.

 

Quando analisamos os dados de candidaturas para 2024 pensando em gênero e raça, percebemos que pouco mudou nos dados agregados (apesar das mudanças no espectro ideológico, com o fortalecimento da extrema-direita na apresentação de candidaturas). Candidaturas de mulheres e de pessoas negras à vereança se mantiveram em patamar muito próximo ao de 2020. Há uma direção de estabilidade, ou seja, não se pode esperar muitas novidades positivas no sentido do aumento do número de mulheres e pessoas negras eleitas. É sempre preciso lembrar, ainda, que registro de candidatura não é indício de chance de eleição – ainda mais quando há um esforço evidente dos partidos em burlar as ações afirmativas.



Estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nota: Em 2020, 279 pessoas preferiram não declarar gênero ou cor/raça.

 



Estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nota: Em 2020, 279 pessoas preferiram não declarar gênero ou cor/raça.

 

Então, nos perguntamos, por que o tempo passa e pouco muda quando falamos de gênero e raça nas eleições brasileiras? Por que segue o descompasso entre o que vem sendo reivindicado há décadas pela sociedade civil organizada e as decisões que os partidos tomam? A resposta, embora triste, é que a visão exclusivista dos partidos sobre si continua a mesma. Neles, a norma cisheteropatriarcal racista orienta de forma estrutural suas decisões.


Quem controla as estruturas de poder no Brasil são homens brancos. Quem controla o acesso a estas posições tem também a primazia decisória dentro dos partidos. Pode-se dizer, sem chance de errar, que os homens brancos controlam o processo de seleção e investimento em carreiras políticas no Brasil, definindo suas chances de sucesso. Evidentemente, este processo é mais ou menos agudo em cada partido – porque eles carregam diferenças, não são todos iguais, o que é importante de se ressaltar. No entanto, quanto mais longe da norma “homens brancos controlam”, mais evidente fica a menor competitividade destes partidos.


Em 2024, os partidos que proporcionalmente mais recrutaram candidaturas não brancas, assim como os partidos que mais recrutaram candidaturas femininas, são pequenos, ou seja, até hoje tiveram baixa capacidade de ganhar eleições e conquistar bancadas grandes. Os perfis historicamente excluídos dos espaços de poder e decisão concorrem com maior presença em partidos que não têm grandes chances de vencer. Disputam as eleições, mas ganham poucas cadeiras. Já entre os partidos competitivos, que têm conseguido eleger um maior número de representantes, os dados de 2024 mostram que o viés de seleção favorece aos homens brancos.



Fonte: Estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nota: Em 2020, 279 pessoas preferiram não declarar gênero ou cor/raça.

 

A seleção de candidaturas em um partido representa um filtro que define quem pode ser selecionado. Antes que se oferte determinado perfil ao eleitorado (cuja participação é que confere legitimidade ao processo eleitoral), os partidos têm a importante tarefa de selecionar quem deve competir, guiados pela decisão sobre quem é interessante para a organização e quem expressa as estratégias do grupo que o controla. As prioridades do partido são refletidas na lista de candidaturas selecionadas.


Para 2024, percebemos pouca mudança do cenário que já conhecemos desde as eleições anteriores, o que nos indica que os partidos seguem funcionando do mesmo jeito: olhando só para dentro, para quem os dirige, e fechados às demandas por democratização e garantia de presença popular nos espaços de poder e decisão. Quais partidos são dirigidos por mulheres e pessoas não brancas? Quais partidos têm mulheres e pessoas não brancas nas suas comissões executivas, nos diversos níveis? Quais têm paridade de gênero e racial? Quais têm setoriais de grupos historicamente sub-representados? Quais lidam com estes dilemas internamente? E quais sufocam as reivindicações por justiça na representação política?


Por último, é preciso se perguntar: a quinta anistia costurada pelos partidos no Congresso Nacional ao descumprimento das ações afirmativas serve a qual propósito, senão a manter o poder nas mãos de quem sempre controlou este país desigual?


(Imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil)


*Danusa Marques é professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília e pesquisadora do Observatório das Eleições 2024. Este artigo foi publicado originalmente em O Globo.

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