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Ideologia partidária, gênero e raça nas eleições de 2024



Carlos Machado e Danusa Marques*


Em 2024, há uma impressão generalizada de que os partidos de direita estão lançando mais candidaturas de pessoas negras e de mulheres. Considerando que o ativismo por mais mulheres e pessoas negras na política é historicamente associado a pautas progressistas, esta impressão tem gerado alguma cobrança em relação a partidos de esquerda. Teriam eles deixado de recrutar? Partidos de esquerda perderam candidaturas para a direita? A partir deste problema, buscamos avaliar os dados sobre as candidaturas nas últimas três eleições, a fim de que seja possível compreender como este quadro tem se organizado, por ideologia partidária.


Fonte: TSE (Tribunal Superior Eleitoral).


Os partidos de direita são maioria quantitativamente, inclusive em sua capacidade de lançar candidaturas. Como se vê acima, entre 2016 e 2024, observa-se uma ampliação de candidaturas municipais à direita, o que nitidamente está relacionado à redução dos partidos de centro, algo muito forte em 2024.


Observando-se isoladamente os dados de candidaturas de pessoas negras, abaixo apresentados, vê-se que a impressão de que a direita teria registrado mais destas candidaturas negras em 2024 é um reflexo do peso da direita nesta eleição: percentualmente, considerando apenas pessoas negras, há um crescimento da contribuição da direita a este conjunto de candidaturas, saindo de 48% em 2016, passando a 52% em 2020 e alcançando 61% em 2024 - ou seja, realmente houve um crescimento notável destas candidaturas na direita. Já os valores percentuais das candidaturas de esquerda permaneceram estáveis, variando entre 24% e 21%. O que se observa é que a direita brasileira cresceu em relação aos partidos de centro, que, desidratados nestes últimos pleitos, apresentavam 27% das candidaturas negras em 2016 e apenas 15% em 2024.

 

Fonte: TSE (Tribunal Superior Eleitoral).


Em grande medida, essas variações correspondem às variações ideológicas entre as eleições. Quando observamos conjuntamente o impacto de raça e gênero, como no gráfico abaixo, a hipótese de ampliação da direita perde força.

Fonte: TSE (Tribunal Superior Eleitoral).


Controlando-se por gênero e raça, em meio a cada campo ideológico, homens negros variaram de 33% na direita para 34%. Por outro lado, homens negros em partidos de esquerda constituíram 33% das candidaturas em 2016 e chegaram a 36% em 2024. Mulheres negras, por sua vez, saíram de 15% para 17% na direita, enquanto na esquerda a mesma variação foi de 15% para 20%.


Voltando à nossa questão inicial, se partidos de direita têm lançado mais candidaturas de mulheres[1] e de pessoas negras, vemos que a grande quantidade absoluta destas candidaturas decorre do fato de que temos uma maior quantidade de partidos de direita do que esquerda no Brasil, sendo que as agremiações de direita têm uma estrutura partidária mais dispersa no território, assim como mais interiorizada. São, portanto, mais presentes e institucionalizadas em um maior número de municípios. Mesmo que se observe uma queda da sua presença em eleições municipais ao longo dos anos, os partidos de direita ainda são os que têm maior capacidade de apresentar candidaturas às Câmaras de Vereadores.

Fonte: autores, a partir da dissertação de Luiza Aikawa (2023).

 

As mudanças atuais, portanto, não são uma diferença quantitativa na apresentação de candidaturas. Contudo, talvez hoje percebamos uma mudança qualitativa, quando partidos de direita evocam pautas relacionadas a mulheres e pessoas negras, um tema que era praticamente ausente da sua agenda em eleições anteriores, mas que hoje parecem ganhar mais espaço nas campanhas eleitorais. Trata-se de uma estratégia retórica, em uma apresentação pública menos excludente para o mercado eleitoral? Uma apropriação do discurso tradicionalmente situado na militância das esquerdas? Ou, quem sabe, o reconhecimento de que estes são conflitos cada vez mais agudos nas sociedades contemporâneas, e que  incorporar minimamente o problema seria uma forma eficaz de neutralizar a sua potência transformadora?


* Carlos Machado e Danusa Marques são docentes do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília e pesquisadores do Observatório das Eleições 2024, iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT IDDC).


(Crédito da imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil)


[1] Para avaliar a situação eleitoral das mulheres, nunca podemos deixar de considerar que há ações afirmativas, desde os anos 1990, que determinam um mínimo de 30% de candidaturas femininas nas eleições proporcionais, percentual atingido pelos partidos em 2012. Isso não significa, é claro, que todas estas candidaturas selecionadas pelos partidos têm igual chance de vencer (afinal, amargamos somente 16% de mulheres nas Câmaras de Vereadores em 2020, nosso número historicamente mais alto). A competitividade depende de vários fatores, como o investimento recebido, e acontece em todos os partidos, independentemente da sua ideologia.

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