Ao focar no “golpe”, Bolsonaro deixa Lula dominar quase todos os temas nas plataformas

Publicado no Viomundo

 

As eleições de 2022 têm se caracterizado pela velocidade vertiginosa de mudança nos temas dos debates. Graças às plataformas de mídia digital, quem não está grudado nas telas corre o risco de ficar rapidamente desatualizado com relação ao que está pegando fogo no momento. O monitoramento de mídias sociais feito pela equipe de Redes e Desinformação Observatório das Eleições mostra, no entanto, que há alguns padrões e tendências quando observados mais à distância. 

O Observatório monitora os principais apoiadores de Bolsonaro e Lula no Twitter e Youtube desde o início do processo eleitoral. No caso do Twitter, é possível ver uma maior capacidade de engajamento do campo lulista entre o primeiro e o segundo turno, em comparação com o campo bolsonarista, em quase todos os temas (gráfico 01). Esse dado confirma o que o monitoramento do Observatório das Eleições está detectando desde o início das eleições: o fortalecimento do campo de apoio a Lula nessa plataforma e sua capacidade de disputar as narrativas.  As publicações sobre os temas aborto, drogas e ideologia de gênero foram as únicas que superaram o engajamento lulista durante o segundo turno. Como podemos ver, o campo lulista “virou” nos temas de economia, religião e mesmo sobre o poder judiciário, demonstrando uma melhor coordenação de conteúdo neste segundo turno. 

No YouTube, a mudança também ocorreu. O  campo lulista, que antes conseguia menos engajamento em todos os temas exceto economia, passa a ser majoritário em tópicos como gênero, armamento, drogas, pandemia e mesmo religião (gráfico 02). A melhor performance de Lula não é por acaso. Explica-se pela estratégia de ampliação da audiência do candidato, mas também pelo foco cada vez mais restrito do campo bolsonarista no processo eleitoral.

O grupo lulista aproveitou o segundo turno para alterar o público-alvo de seu discurso. Enquanto o primeiro turno teve foco significativo em mulheres e no voto em Lula pela defesa da democracia, o segundo turno foi para uma direção bastante distinta. Em primeiro lugar, o campo tentou atingir grupos que são normalmente refratários à imagem do presidente. Por exemplo, o tema de religião, que antes ocupava um espaço pequeno, apenas com 9.7% das postagens, quase duplica, chegando a 16.9% das publicações no Twitter (gráfico 03). No YouTube não é diferente. Nesta plataforma, a porcentagem de publicações do campo lulista com essa temática saltou de 6% para 13.5% (gráfico 04). O tema foi centralizado com o objetivo de tentar atingir o público de maior apoio de seu oponente: cristãos, em especial evangélicos que em sua maioria são apoiadores do atual presidente. A mesma lógica foi feita com a temática da corrupção: no campo lulista passa de 4.7% das postagens para 8.5% no Twitter e de 1 para 4% no YouTube. 

Mesmo com essa mudança de estratégia do primeiro para o segundo turno, Lula também foca nas bases que lhe dão apoio, ampliando a presença em temas sobre economia, mudança que, novamente, ocorre em ambas as plataformas. Postagens de Lula, André Janones e Guilherme Boulos foram centrais para trazer o tópico à tona, em especial relacionado com a proposta de Paulo Guedes de associar o salário mínimo à inflação esperada e focando mais na apresentação de propostas como Bolsa Família expandido e combate na remodelação de impostos. 

Por outro lado, o campo bolsonarista apostou, no segundo turno, na  centralização do seu discurso em grande medida na crítica ao sistema eleitoral. A temática, que já era explorada desde o início da campanha, ganha um destaque ainda maior . No primeiro turno as principais bandeiras temáticas  eram o  processo democrático, a religião e a economia. Já no segundo, o campo passa a ter como principal tópico o sistema eleitoral, compondo 23.4% das postagens (antes representava 7.6%). As postagens crescem radicalmente desde a penúltima semana antes do segundo turno, chamando de “censura” a ação do TSE de retirar conteúdos mentirosos das redes sociais, como da suposta eliminação de minutos de rádio da propaganda eleitoral em cidades do interior. No YouTube, algo muito similar ocorre, com um gigante aumento de menções ao sistema eleitoral, porém, acompanhado de um crescimento nas pautas de “costume” como aborto e gênero.

Há, portanto, uma grande diferença entre as campanhas sobre como abordar os temas no segundo turno. Enquanto o campo lulista foca em acenar para determinados grupos de apoio que já encontram maior ou menor proximidade com o ex-presidente, Bolsonaro redobra seu foco nas críticas que faz ao processo eleitoral. Ou seja, o debate eleitoral se torna menos equilibrado, os campos políticos não discutem mais as mesmas temáticas, mas Lula passa a ser responsável por gerar mais conteúdo sobre praticamente todos os temas. Essa escolha também se deu pela redução significativa do discurso sobre um “valor democrático” no voto ao presidente, se ausentando das disputas onde Bolsonaro deposita sua energia.

 

Os dados do Observatório mostram que os campos políticos em disputa utilizaram temas distintos para mobilizar suas bases durante a campanha. Enquanto no segundo turno o campo lulista  se concentrou em temas como religião, economia e corrupção, em busca de ampliar sua base de eleitores, o campo bolsonarista concentrou-se ainda mais no questionamento da integridade do processo eleitoral. Essa tendência fez com que o campo de Jair Bolsonaro focasse menos na construção de uma base de apoio mais sólida para desvalidar o resultado eleitoral. Isso permitiu que Lula fosse responsável pela maior parte dos debates tanto no Twitter que já era uma base com uma tendência maior à vitória do ex-presidente, como no YouTube, onde o campo bolsonarista costumava dominar radicalmente.

Em outras palavras, a escolha de Bolsonaro de focar-se nas críticas ao sistema eleitoral fez com que Lula ganhasse um grande espaço para emplacar sua narrativa sobre todos os outros temas, como também, apresentou um bolsonarismo mais alinhado com uma base já conquistada que tentando ampliar seu eleitorado como um todo. A disputa política nas redes se tornaram uma “não-disputa”. Enquanto que a campanha de Lula continua apostando nas discussões sobre temas relevantes para o eleitorado, a campanha de Bolsonaro vê o próprio processo eleitoral como seu principal adversário.

 

Maria Alice S. Ferreira é pesquisadora do INCT IDDC. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Francisco W. Kerche é mestrando em sociologia na UFRJ e consultor em análise de dados no Greenpeace Brasil.