A resistência vem aí: candidaturas indígenas nas eleições de 2022

A resistência vem aí: candidaturas indígenas nas eleições de 2022

Ana Carolina Vaz da Silva e Leonardo Barros Soares

Publicado no Congresso em Foco

          Terras indígenas se constituem, hoje, no Brasil, como uma das últimas fronteiras de contenção para a sanha destruidora do meio ambiente que ganhou impulso durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro. Povos indígenas não apenas aqui, mas em todo o mundo, estão na linha de frente da luta pela preservação dos biomas e desenvolvem um papel crucial – muitas vezes, às custas de suas próprias vidas – na manutenção da regulação climática do planeta. Além da atuação política nos territórios, os povos indígenas brasileiros estão se organizando para aumentar sua representação nas instituições políticas tradicionais em âmbito estadual e federal.
Em 2022, vimos o maior número de candidaturas indígenas lançadas para as eleições brasileiras. Este é um crescimento que se apresenta de forma paulatina, mas, esse ano, observamos que a estratégia prioritária publicizada por organizações do movimento indígena tem sido a luta pela eleição de representantes de suas comunidades, na busca pelo “aldeamento da política”. Com isso em mente, o presente texto apresenta o mapeamento das candidaturas indígenas lançadas ao pleito deste ano e, ao mesmo tempo, aponta reflexões acerca do papel dos partidos políticos nessas candidaturas.
Para a realização do levantamento a partir da classificação étnica, utilizamos a autodeclaração dos candidatos. Os dados foram retirados do Portal Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral. Foram solicitadas ao TSE o registro de 183 candidaturas indígenas. Destas solicitações, três candidatos foram declarados inaptos e 180 indígenas tiveram seus registros aceitos. Realizando-se o mapeamento somente com os considerados aptos ou cadastrados, encontramos candidatos disputando cargos nos pleitos estaduais ou nacional. Com exceção do cargo à Presidência, todos os outros têm, ao menos, um candidato indígena.
São 111 candidaturas para deputado estadual ou distrital, 56 para deputado federal, duas para governador e três para senador. Também foi registrada a primeira candidatura à vice-presidência, quatro para vice-governador e três para suplentes de senador. Há um aumento significativo na comparação com as eleições de 2018, quando 124 indígenas foram apresentados ao eleitorado, e de 2014, com apenas 74 candidaturas .
Um fator interessante pode ser destacado: todos os estados brasileiros lançaram ao menos um candidato indígena nas eleições de 2022. Em 2018, Goiás era o único estado que não contava com nenhum candidato indígena. Em 2022, um indígena apresentou-se ao pleito para deputado estadual. Já Roraima é o estado com o maior número de indígenas lançados ao pleito, 29 candidatos. No estado, quase todos os cargos tiveram uma candidatura indígena. No recorte regional, a região Norte é a que possui o maior número de candidaturas, 41% do total de candidaturas indígenas dessas eleições, seguida pela região Nordeste (19%), Sudeste (18%), Centro-Oeste (10,5%) e Sul (10%).
Das candidaturas lançadas, quase 93% são direcionadas ao pleito proporcional, sendo que 61% dos candidatos indígenas estão disputando as assembleias estaduais e 31% a Câmara Federal. Apenas 7% dos candidatos concorrem nas eleições majoritárias. A literatura da Ciência Política aponta que esse valor tão díspar é justificado pelos muitos custos que os partidos têm ao lançamento de jogos majoritários ou em arenas nacionais (como, no caso, os deputados federais). Logo, o lançamento de candidaturas passa a ser seletivo. As organizações partidárias têm como prática atribuir uma maior prioridade, recursos financeiros e humanos aos candidatos considerados com “capital político”. A mesma literatura aponta que as arenas estaduais e proporcionais costumam ser as disputas consideradas menos custosas aos partidos.
Já para os candidatos indígenas, em virtude do entrave partidário, as arenas estaduais costumam ser um meio de entrada para a arena política, onde podem contar com o poder de mobilização de suas organizações como agitadores políticos – pois, em geral, não podem contar com os recursos partidários.
Cabe-nos, de antemão, questionar as razões que levam as lideranças políticas a não priorizar o lançamento de candidaturas indígenas ao majoritário. Já é sabido que as populações indígenas, mais do que falar sobre os seus, detém conhecimento e capital político para o acesso a cargos majoritários. A quem interessa o lançamento de apenas candidaturas brancas para esses espaços?
No cenário observado em 2022, apenas o PT, PSOL, PSTU e UP lançaram indígenas para cargos majoritários. A exceção está na candidatura para senador lançada pelo Republicanos, do vice-presidente Hamilton Mourão, que se autodeclarou indígena ao TSE. Já para as eleições proporcionais, seja para a Câmara Federal ou para as assembleias estaduais, observamos o lançamento de uma variedade de partidos. Foram 29 partidos lançando ao menos um candidato indígena para o pleito proporcional. Entre os cinco partidos com o maior número de candidaturas indígenas estão Rede (19), Psol (18), PT (17), PDT (14) e PL (13), partido do presidente Jair Bolsonaro.
Sobre a variedade partidária para essa disputa, dois pontos devem ser analisados com cautela. Por um lado, a partir do sistema de auto-declaração, a presença de candidaturas indígenas em partidos de direita demonstra que nem sempre os candidatos estão alinhados com as pautas do movimento indígena, como é o caso de Mourão. De outro, é necessário avaliar – a partir de pesquisas futuras – a capilaridade que os partidos possuem nos estados. A força partidária das agremiações altera-se a partir do território em que estão presentes e isso faz com que, mesmo candidaturas alinhadas ao movimento, tenham que se lançar em partidos de centro ou de direita. Um exemplo disso é a candidatura de Marquinhos Xukuru, pelo Republicanos, em 2020, para a Prefeitura do município de Pesqueira (PB).
Na comparação temporal, é possível verificar que as candidaturas indígenas têm ganhado cada vez mais espaço nos partidos. Esse cenário é resultado direto das mobilizações realizadas pelas organizações sociais indígenas em torno da ocupação de cargos públicos. Em 2022, essas organizações nos convidam para o “aldeamento da política”, elegendo estes parlamentares. Enquanto a mobilização desses atores políticos deve ser saudada, a abertura dos partidos políticos para o acesso desses e dessas sujeitas deve ser repensada. É preciso que haja maiores incentivos partidários para que essas candidaturas consigam se tornar viáveis eleitoralmente.
Devemos estar atentos para a possibilidade de ampliação da representação indígena nos espaços tradicionais de poder. A constituição de uma “bancada do cocar” não apenas na arena federal, mas também nas arenas estaduais, pode trazer novas perspectivas para a luta contra o desmantelamento normativo e institucional em torno do meio ambiente que tem vigorado nos últimos anos no país.

Gráfico 1. Número de candidatos indígenas nas eleições de 2022, recorte por cargo e unidade federativa.


Fonte: Dados Abertos TSE. Elaboração: Ana Carolina Vaz da Silva
Ana Carolina Vaz da Silva é professora substituta na Universidade Federal de Viçosa. Doutoranda, mestra e bacharel em Ciência Política pela UnB. Participa do Grupo de Pesquisa Relações entre Sociedade e Estado (Resocie) e do Grupo Política e Povos Indígenas nas Américas (Popiam).

Leonardo Barros Soares é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Mestre e doutor em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Université de Montréal. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas.

Os indígenas bolsonaristas e as eleições de 2022

Os indígenas bolsonaristas e as eleições de 2022

Leonardo Barros Soares

Um vídeo com imagens de indígenas segurando uma faixa de apoio ao atual presidente durante o ritual Quarup, no Xingu, foi divulgado por Jair Bolsonaro, pelo seu filho Carlos Bolsonaro e por bolsonaristas como Carla Zambelli . Com o título de “indiociata” – referência às já famosas “motociatas”- o vídeo quer transmitir uma mensagem simples: os indígenas (sim, todos eles) “estão com Bolsonaro”. Outro vídeo mostra uma indígena – “a dona da festa”- indo retirar a faixa das mãos de seus parentes e pedindo respeito. A altercação parece ter findado aí, mas é fato que a situação revela algo importante a ser dito: sim, existem indígenas bolsonaristas e é sobre eles que gostaria de discutir brevemente.
Comecemos, portanto, com o óbvio que, como sói acontecer, precisa ser afirmado e nunca presumido como de conhecimento geral: a população indígena brasileira é um segmento demográfico diverso, que compreende mais de trezentos grupos culturalmente e linguisticamente distintos, espalhados por um território de dimensões continentais. Assumir que populações racializadas pensam, agem e se articulam politicamente de forma homogênea é, para ficarmos numa palavra, racismo. Uma pessoa branca não fala por todas, certo? Por que uma pessoa negra ou indígena falaria? A ilusão – que é simétrica entre direita e esquerda – de que “todo indígena é de esquerda” deve ser desfeita de imediato, a bem do melhor conhecimento do que está em jogo em processos eleitorais como o em curso.
Isso não quer dizer, em absoluto, que não existam representantes políticos dos povos indígenas. É claro que existem e são cada vez em maior número. Uma vez que indígenas interagem com as forças políticas locais, regionais e nacionais, é razoável supor que eles se filiem a visões de mundo distintas e, por vezes, até mesmo antagônicas. Joênia Wapichana, candidata à reeleição como deputada federal, é uma grande liderança da Rede Sustentabilidade. Mário Juruna foi eleito deputado federal pelo PDT, que também abriga, hoje, o escritor e militante Daniel Munduruku, candidato ao mesmo cargo. Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, é candidata à Câmara Federal por São Paulo pelo PSOL. Em que pese serem todos membros de partidos situados no amplo espectro político da esquerda, não é possível afirmar que eles articulem visões políticas unificadas, nem que façam a mesma leitura da conjuntura política do país.
Um dado que talvez surpreenda o leitor/ a leitora é de que, conforme o levantamento relativo às eleições municipais de 2020, feito pelo professor da Universidade Federal do ABC, Luís Roberto de Paula, em que pese o fato do PT ser o partido que lançou o maior número de candidaturas indígenas, são os partidos de direita que, quantitativamente, em seu conjunto, superam os de esquerda. Em outras palavras, para as eleições municipais – que é o nível federativo em que o maior número de representantes indígenas consegue se eleger – um contingente considerável de indígenas está filiado a partidos de direita e centro-direita. Assim, se tomarmos a filiação partidária como um indicativo da ideologia do postulante, o mito do “todo indígena é de esquerda” não encontra amparo nos dados disponíveis.
É sabido que algumas lideranças indígenas se beneficiaram durante os quatro anos do governo Bolsonaro, até mesmo galgando cargos de relevância em algumas autarquias, secretarias e ministérios. Outros endossam a política da “nova Funai” de focar em processos de facilitação de algumas atividades econômicas no interior das terras indígenas. O “choque” de alguns analistas diante dessa realidade deriva, provavelmente, do fato de o governo Bolsonaro – e o presidente em particular – ser o mais antiindígena de toda a história republicana do país, com repercussões trágicas em áreas tais como a demarcação de terras indígenas e no combate à pandemia. Parafraseando o psicanalista Wilhelm Reich, em seu estudo sobre as massas e o fascismo, creio que a pergunta que não quer calar é: como podem alguns indígenas desejarem sua própria repressão?
Sem querer enveredar por esse caminho, penso que o fenômeno dos indígenas bolsonaristas ainda deve ser investigado de forma mais aprofundada. Parece-me que uma parte da explicação está no processo denominado por Paulo Freire de “aderência ao opressor”: a tendência de oprimidos adquirirem a mentalidade dos seus exploradores, especialmente em contextos coloniais, na ausência de uma educação libertadora. Mais que isso, não sou capaz de afirmar. Não me sinto à vontade para dizer que alguns indígenas estão sendo “manipulados” ou “cooptados”, embora muitos estejam, de fato. Nesse particular, é preciso atentar para o papel que alguns grupos missionários evangélicos estão desempenhando junto às populações indígenas de recente contato. Ao fim e ao cabo, no entanto, não é possível escapar do truísmo que vale para todos: escolhas políticas têm consequências. Minorizar essa população, alegando que “não entendem” o jogo político é, mais uma vez, uma postulação racista, que perpetua o desejo de tutela para com esses grupos.
Resultados de estudos preliminares que estou conduzindo sobre fatores que concorrem para a conclusão de processos demarcatórios indicam que o que chamamos de “coesão grupal” das lideranças indígenas é elemento central para o sucesso dos procedimentos. Grupos com lideranças fragmentadas, que estão em constante desentendimento, tendem a ter mais dificuldade de verem seus territórios tradicionais demarcados. Assim, tenho argumentado que é possível que o legado bolsonarista – na eventualidade de Bolsonaro não ser reeleito – será particularmente perverso para as populações tradicionais porque o radicalismo que suscita terá o condão de aprofundar divergências políticas internas. A tessitura comunitária politicamente fraturada pela cizânia, por sua vez, tornará menos provável que aquele grupo possa trabalhar em conjunto para obter, do Estado brasileiro, o reconhecimento de seu direito constitucional ao usufruto exclusivo de seus territórios tradicionais.
Estamos há menos de trinta dias para as eleições presidenciais. Afirmamos, em outro texto, que se trata do pleito mais importante para o país e, em particular, para o meio ambiente, desde a constituição de 1988. É igualmente crucial para as populações originárias do país. Portanto, compreender a extensão da influência do bolsonarismo sobre os povos indígenas se impõe como um desafio de grande relevância para todos aqueles interessados em entender o Brasil do presente e do futuro.

 

*Leonardo Soares Barros é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Mestre e doutor em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Université de Montréal. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas.

Eleições estaduais e desmatamento na Amazônia Legal: o que esperar?

Leonardo Barros Soares

Publicado no JOTA

A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma forte federalização do debate em torno do desenho e implementação das políticas públicas relativas ao meio ambiente. Por óbvio, pelasua extensão, estonteante biodiversidade e papel central na regulação climática nacional e internacional, o bioma amazônico é, não raro, objeto de atenção dos e das presidenciáveis, tornando-se uma pauta incontornável dos candidatos a chefiar a República. 

A essa altura do campeonato já está muito claro o que Jair Bolsonaro (PL) pensa sobre a Região Amazônica, assim como suas consequências catastróficas. Menos óbvio, no entanto, é saber qual será o lugar dessa discussão em um provável novo governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT). Também cumpre perguntar como o candidato Ciro Gomes (PDT) enxerga esse tema e como o articula no interior de sua compreensão da política neodesenvolvimentista que advoga em seu programa de governo. 

Essas agendas serão objeto de análise da editoria de meio ambiente do Observatório das Eleições em um momento oportuno. No presente texto, no entanto, tomaremos um caminho menos usual e nos dedicaremos a fazer um debate inicial sobre o papel dos governos estaduais na proteção ambiental, com especial foco para o processo de desmatamento em curso nos estados que fazem parte da chamada Amazônia Legal: Maranhão, Pará, Amapá, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia, Tocantins e Mato Grosso. A pergunta que fazemos é a seguinte: o que podemos esperar, em termos de repercussões para o desmatamento amazônico, diante do atual cenário eleitoral para os governos estaduais?  

O fio condutor de nossa breve análise é um artigo da cientista política estadunidense Alice Xu, da Escola de Governo da Harvard University, intitulado,em tradução livre, “As origens políticas do desmatamento na Amazônia brasileira entre 2000 e 2012” (disponível, em inglês, aqui). Nesse trabalho premiado, Xu demonstra que há uma correlação entre eleições competitivas em nível municipal e o aumento do desmatamento nessas localidades. Seu argumento é o de que eleições competitivas fornecem incentivos para que os candidatos se aproximem de financiadores de campanha envolvidos com atividades florestais predatórias. A autora sugere que após um ano da eleição é possível perceber um processo de intensa nomeação de agentes de confiança do prefeito que agem para afrouxar as regulações ambientais locais e, assim, favorecer o desmatamento.    

Suponhamos que os achados de Xu para o nível municipal na Região Amazônica sejam similares para o contexto da competição estadual, tendo em mente as mediações metodológicas necessárias. O que poderíamos imaginar a partir do cenário que as pesquisas de intenções de voto começam a delinear?

Segundo as primeiras sondagens, o panorama é o seguinte: dos nove governantes da região, as eleições só parecem estar próximas a serem decididas no primeiro turno em dois casos: no Pará, com Helder Barbalho (MDB) apresentando sólidos 63% frente aos 10% de Zequinha Marinho (PL); e no Mato Grosso, em que Mauro Mendes (União Brasil) apresenta 43% das intenções de voto, com enorme folga para o segundo colocado, Procurador Mauro (PSOL), que aparece com apenas 9%. Barbalho e Mendes são bem avaliados em seus governos e, a menos que alguma reviravolta aconteça, devem ser reeleitos com tranquilidade.

O panorama é bem distinto nos demais sete estados amazônicos. Em todos eles a eleição aparece de forma bastante competitiva, sem definição clara dos favoritos. No estado do Amazonas, o bolsonarista Wilson Lima (União Brasil) apresenta igual intenção de voto à de Amazonino Mendes (Cidadania), 28%. Igualmente, em Tocantins, o atual governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) apresenta empate técnico com Ronaldo Lima (PL), com 24% de intenções de voto. Cenário ainda indefinido também no Acre, que tem a dianteira do atual ocupante do cargo, Gladson Camelli (PP), com 38%, mas sem vantagem confortável em relação aos concorrentes. Em Rondônia, o governador Coronel Marcos Rocha (União Brasil) apresenta cerca de 32% das intenções de voto, seguido de perto por seus concorrentes. No Maranhão, o incumbente Carlos Brandão (PSB) está tecnicamente empatado com Weverton Rocha (PDT), com 22%, e no Amapá, o vice-governador Jaime Nunes (PSD) amealha 37,7% das intenções de voto frente aos 29,7% de Clécio Luís (Solidariedade). Por fim, em Roraima, o incumbente, Antônio Denarium (PP), está atrás da desafiante Teresa Surita (MDB), por 47 a 36%. 

Ou seja, no Pará – segundo colocado no ranking de desmatamento monitorado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(INPE) até maio de 2022 – a aparente tranquila reeleição de Barbalho sancionará o intenso desmatamento em áreas de conservação do estado. Por sua vez, no Mato Grosso – que tem o menor percentual de território designado como de proteção ambiental dentre todos os estados da Amazônia Legal – a popularidade de Mauro Mendes poderá conduzir o estado a mais quatro anos de incentivos à expansão da fronteira do agronegócio. Vale lembrar que o estado já perdeu, entre 1985 e 2020, impressionantes 29,4% de suas florestas. 

Além disso, o cenário não é mais animador nos demais estados. Rondônia, por exemplo, não apenas é o estado da região que mais perdeu cobertura florestal nativa, como também é aquele que mais desmatamento sofreu em Unidades de Conservação estaduais, seguido de perto pelo Maranhão e Tocantins. Roraima e Amazonas não devem alterar seu histórico de governos com fortes articulações com setores ruralistas interessados na expansão de terras agricultáveis, pecuária extensiva, exportação de madeira e, consequentemente, promotores de desmatamento ilegal.   

É fato que os estados amazônicos se movimentaram para não perderem o acesso ao bilionário Fundo Amazônia já nos primeiros meses do governo Bolsonaro, mas com repercussões pouco significativas. Os últimos quatro anos foram de baixo investimento em proteção ambiental não somente em nível federal, mas também estadual, com as consequências conhecidas traduzidas em recordes anuais de desmatamento e queimadas na região. No horizonte das eleições estaduais, pelo menos até o momento, não é possível discernir nenhuma agenda política forte no sentido contrário à tendência que se estabeleceu nos últimos anos no país. 

Em suma, se o argumento de Alice Xu se mantiver verdadeiro, pelo menos em suas linhas gerais, para o cenário eleitoral estadual não podemos esperar que uma grande reversão do intenso processo de desmatamento em curso na Amazônia Legal venha a acontecer a partir de 2023. Não apenas os atuais governos já apresentam fortes propensões ao desmantelamento das proteções normativas e das políticas públicas para o meio ambiente, como a competição pode acirrar ainda mais esse quadro. Ou seja, o que já está ruim, pode piorar ainda mais.  

 

* Leonardo Barros Soares é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Mestre e doutor em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Université de Montréal. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas. 

 

 

O meio ambiente na encruzilhada: o que está em jogo nas eleições em 2022?

O meio ambiente na encruzilhada: o que está em jogo nas eleições em 2022?

O meio ambiente na encruzilhada: o que está em jogo nas eleições em 2022?

Leonardo Barros Soares *

Fabiano Santos **

Publicado no Congresso Em Foco

As políticas públicas voltadas para o meio ambiente – mais especificamente, seu rápido e profundo desmantelamento – foram temas centrais do governo Bolsonaro desde seu início. É de conhecimento público que o presidente da República se apresenta como um adversário frontal do que considera um “excesso regulatório” no campo ambiental que travaria investimentos, inibiria atividades econômicas e, no limite, condenaria o país ao subdesenvolvimento. 

Assim, sua administração agiu de forma deliberada para suspender multas ambientais, bloquear ações de fiscalização por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e fazer vista grossa para atividades de madeireiros e garimpeiros em áreas de proteção ambiental. Tornou-se tristemente célebre a reunião ministerial (22/04/2020) em que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, argumentava que seria importante aproveitar a oportunidade já que a imprensa estava com os holofotes voltados para a escalada da pandemia de Covid-19 no país para, em suas palavras, “passar a boiada”, isto é, um amplo conjunto de desregulações legislativas infraconstitucionais que visava, em última instância, desconstruir o sistema de proteções ambientais erigido no país após a Constituição de 1988. Não surpreende, portanto, que os últimos quatro anos tenham sido testemunhas de níveis sem precedentes de desmatamento ilegal e queimadas na Amazônia e no Pantanal, da contaminação em larga escala de rios devido ao garimpo predatório e do desprezo absoluto pela institucionalidade em torno dos direitos ambientais.

Em outras palavras, o tema do meio ambiente se politizou enormemente em anos recentes e envolveu um conjunto impressionante de atores nacionais e internacionais em debates sobre as soluções para a emergência climática global e o papel estratégico do Brasil. Nesse sentido, sua importância para o já histórico ciclo eleitoral de 2022 não pode passar despercebida pelas análises de conjunturas políticas mais amplas.  

A partir de agosto, o Observatório das Eleições, uma iniciativa desenvolvida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT/IDDC), ofertará à sociedade brasileira um conjunto de análises críticas relativas ao processo eleitoral de 2022. Para tal, reúne um time de peso de cientistas políticos oriundos de importantes universidades públicas e institutos de pesquisa que se debruçarão sobre um conjunto variado de assuntos, desde os  campos tradicionais de análise tais como as articulações para os legislativos federal e estadual e os desafios enfrentados pela Justiça Eleitoral até a importância da mobilização de novos atores coletivos, passando por discussões acerca de gênero, raça, a desinformação nas redes e seus impactos na esfera pública nacional. O tema do meio ambiente, como não poderia deixar de ser, aparece com destaque no rol de temas que serão abordados.

Nesse texto inicial buscamos sintetizar, ainda que de forma incipiente, o que entendemos que está em jogo nos próximos meses no que se refere ao meio ambiente em toda a sua complexidade. Artigos semanais, em parceria com colaboradores e colaboradoras, abarcarão um variado conjunto de temas conjunturais e estruturais, dentre os quais gostaríamos de destacar apenas alguns, sem a pretensão de esgotarmos a lista do que será debatido nas semanas seguintes.      

Em primeiro lugar, parece central buscar respostas para a seguinte pergunta: os candidatos e candidatas aos cargos proporcionais e majoritários encampam agendas que aprofundarão ou, ao contrário, tentarão reverter o profundo desmantelamento e desinstitucionalização sofridos pelas políticas públicas para o meio ambiente durante o governo Bolsonaro? Nesse sentido, o monitoramento das principais plataformas políticas apresentadas pelas candidaturas fornecerá um material de análise precioso para melhor compreendermos o que esperar dos mandatários e das mandatárias para os anos vindouros.    

Outro ponto é o das articulações e agendas legislativas e de políticas públicas de candidatos e candidatas tradicionalmente afiliados às bancadas – formais ou informais – que se organizam no Congresso Nacional e nos legislativos estaduais. Falamos aqui não apenas da já conhecida Frente Parlamentar da Agropecuária, mas também das bancadas financiadas por mineradoras e empresas de fertilizantes e agrotóxicos, para ficarmos em apenas alguns exemplos. Como madeireiros, grileiros e garimpeiros estão se organizando para ocuparem os cargos em disputa?  

(Foto: Paulo Whitaker/Reuters)

Também pretendemos lançar luz para as disputas que se darão em nível estadual. Em que pese o tema do meio ambiente ser fortemente federalizado, as políticas estaduais de preservação ou degradação ambiental também contribuem para a composição do quadro analítico mais amplo. Com especial destaque devem figurar as análises relativas aos estados mais conflagrados na questão ambiental, notadamente aqueles que compõem a Amazônia Legal e a Região Centro-Oeste, bastião político do setor do agronegócio no país. 

Por fim, mas não menos importante, numa lista que não se esgota aqui, destacamos como de especial relevância para essas eleições a discussão sobre as candidaturas de atores políticos que se apresentam – muitas vezes, pela primeira vez – à arena eleitoral como contrapontos à agenda antiambiental. Indígenas, quilombolas, ativistas, cientistas e mesmo agentes oriundos dos quadros do Ibama e da Polícia Federal deverão se lançar candidatos em número significativo. O que podemos esperar, em termos eleitorais, desse movimento de reação à atual conjuntura de ataque aos direitos ambientais?  

O conjunto de temas abordados acima é apenas uma amostra da complexidade política que certamente estará envolvida no debate sobre o meio ambiente durante o próximo ciclo eleitoral. Dizer que as eleições de 2022 são as mais importantes para o Brasil pós-Constituição de 1988 não é mero exagero de retórica. De  um lado está a possibilidade de uma intensificação catastrófica da agenda radicalmente antiambiental desenvolvida com afinco durante os anos do governo Bolsonaro. De outro, há a possibilidade real e inédita da conformação de grandes coalizões ambientalistas no Congresso Nacional e nos legislativos estaduais que possam reverter o desmonte legislativo e político enfrentado pelas políticas públicas de meio ambiente. 

O meio ambiente está em uma encruzilhada decisiva nestas eleições: haverá um impulso definitivo para a desconstitucionalização dos direitos ambientais ou, ao contrário, estamos diante de uma janela de oportunidade que pode alterar a relação do país com seus biomas, rios, oceanos, fauna e flora? 

 

* Leonardo Barros Soares é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Mestre e doutor em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Université de Montréal. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas. 

** Fabiano Santos é doutor em Ciência Política pelo IUPERJ. Professor e pesquisador do IESP-UERJ. Vice-coordenador do INCT IDDC. Especialista em poder legislativo e instituições políticas brasileiras.