Eleitores do exterior dão a Lula sete pontos de vantagem sobre Bolsonaro, mas são esquecidos pelos analistas

Eleitores do exterior dão a Lula sete pontos de vantagem sobre Bolsonaro, mas são esquecidos pelos analistas

Álvaro Lima e Mariana Dutra

Publicado na Midia Ninja

 

Muito se comentou sobre a possibilidade da vitória do ex-presidente Lula no primeiro turno das eleições deste ano. Pesquisas internas e externas apontavam para tal possibilidade. Estratégias políticas foram traçadas e esforços eleitorais redobrados de forma que esta possibilidade se materializasse. Urnas contabilizadas, o candidato do Partido dos Trabalhadores teve 1,8 milhão de votos a menos do necessário para uma vitória no primeiro turno.

 

Análises pós-pleito mostraram que o ex-presidente obteve maior votação no Nordeste enquanto sua performance no Sul e Sudeste deixou a desejar. Conclusão: é necessário consolidar e ampliar os votos no Nordeste do país e avançar em estados como São Paulo, Rio e Minas no segundo turno. Assim foram os comentários de estrategistas e apoiadores. Fora de qualquer consideração ficou o eleitorado brasileiro no exterior. 

 

Votar não é uma tarefa simples para os mais de quatro milhões de brasileiros que moram no exterior. Seguindo o mesmo modelo que acontece no território nacional, o voto é presencial, feito em urna eletrônica.  Para alguns eleitores, isto pode requerer viagens de horas (ou até dias) até uma seção eleitoral.  As longas filas, de até  quatro horas, costumam ser notícia na cobertura jornalística sobre as eleições no exterior. Na cidade de Boston, no Nordeste dos Estados Unidos,  há relatos de que os primeiros eleitores começaram a formar filas às 4 da madrugada. 

 

Diferente da norma para o território brasileiro, no exterior, a partir de 100 metros de distância das seções, as manifestações políticas em som alto são permitidas. Antevendo casos de violência política, autoridades brasileiras orientaram às repartições consulares a aumentarem o esquema de segurança em parceria com os governos locais. Mesmo assim, carreatas e manifestações  foram vistas. Em algumas localidades, o clima era hostil para quem usava vermelho. O jornalista Jamil Chade relata em sua coluna no UOL que, na Suiça , a polícia teve que intervir para parar a distribuição de camisas de Bolsonaro nos arredores de uma seção eleitoral.

 

Entretanto, apesar da coloração verde e amarela das fotos de brasileiros votando ao redor do mundo, o resultado das urnas no exterior foi vermelho.Desde a redemocratização brasileiros no exterior podem votar, e desde então, sempre votaram em candidatos do campo conservador. 

 

No entanto, Lula teve a maioria dos votos e com uma diferença maior do que no Brasil. Foram  47,13% para Lula contra 41,63% dos votos para Bolsonaro. A margem de diferença um pouco maior do que a nacional mostra um potencial de voto deste grupo. 

 

A comunidade brasileira emigrada mais do que dobrou de tamanho nos últimos cinco anos, assim como o registro das pessoas para votar. Representando quase 2% dos cidadãos em idade de votar, são mais de quatro milhões de brasileiros no exterior, dos quais quase 700 mil estão registrados para votar. Um aumento de 39% em relação às eleições passadas. Se este eleitorado  multiterritorial estivesse concentrado em um estado brasileiro, ocuparia a 16° posição em grandeza.  Este crescimento tem chamado a atenção da Justiça Eleitoral, que inclusive sinalizou a necessidade de se repensar e modernizar o modelo de voto para os emigrados, com a possibilidade de se realizar a votação no exterior pela internet.

 

Nestas eleições,  o comparecimento foi de 43,76% do total.  Apesar da grande abstenção, ela diminuiu em relação ao pleito de 2018 quando foi de 59,24%. A questão que se coloca é quais são as razões para a baixa participação diante de um eleitorado expoente?

 

As razões são muitas, mas vamos aqui nos deter a três delas.  Primeiro, a pouca importância dada pelo Estado brasileiro aos seus cidadãos residentes no exterior, vide baixo investimento realizado pelo TSE durante todas as eleições passadas e a presente, tanto na educação cívica quanto na infraestrutura eleitoral. Segundo, o pouco interesse dos partidos políticos evidente, entre outros aspectos, na filiação partidária de cerca de onze mil filiados em toda a diáspora brasileira. E, por fim, a falta de uma agenda assentada na realidade concreta da vida dos brasileiros emigrantes – nossa própria falta, como Álvaro Lima argumenta em livro recentemente lançado chamado Ausente & Presente: O Voto do Brasileiro no Exterior e a Necessidade de uma Reforma Eleitoral.

 

Para Lula, conseguir 1,8 milhão de votos no exterior para ganhar no primeiro turno não seria fácil mas seria possível se este eleitorado fosse visível aos partidos. O candidato Jair Bolsonaro teria mais dificuldades, pois precisaria de cerca de oito milhões de votos para ganhar no primeiro turno.  

 

Ainda que esses cálculos sejam abstratos, eles deveriam ser considerados tanto pelas campanhas políticas quanto pelo Estado brasileiro de forma a aumentar o registro e eliminar as barreiras existentes. Da nossa parte, emigrantes brasileiros, deveríamos considerar como, pelo voto, poderíamos impactar a vida real dos nossas vidas, principalmente a daqueles que chegam indocumentados, passam necessidades, humilhação e voltam, com a anuência do governo brasileiro, algemados para o Brasil. 

 

Conjecturas vãs? Talvez. O fato é que precisamos registrar cerca de quatro milhões de pessoas, trazê-las às urnas e impulsionar reformas eleitorais e partidárias que atendam as nossas necessidades. Passadas as eleições, estas conjecturas precisam ser transformadas em programa de trabalho das organizações e lideranças brasileiras no exterior e no Brasil.

 

Álvaro Lima é é diretor de Pesquisa da Boston Planning and Development Agency (BPDA),  Doutor em Economia Política pela New School for Social Research, e fundador do Instituto Diáspora Brasil.

 

Mariana Dutra é bolsista do INCT/ IDDC,  diretora do Instituto Diáspora Brasil, socióloga pela UFPR e  mestra em Políticas Públicas pela FLACSO.