Eliara Santana

Leonardo Avritzer

Publicado na Carta Capital

Entre os muitos fenômenos atípicos das eleições de 2022, um tem sido pouco analisado até o momento em relação à campanha do presidente Jair Bolsonaro: a sua dificuldade em manter, neste momento, uma vantagem significativa, nas redes sociais, em relação à campanha do ex-presidente Lula. Em 2018, a campanha de Jair Bolsonaro surpreendeu por dois motivos principais: primeiro, por romper completamente uma dinâmica de campanha que estava em vigor no Brasil desde meados do século 20, já com o advento da televisão, que tinha como base o tempo livre na TV aberta; segundo, por estabelecer vantagens significativas nas redes sociais em relação às outras campanhas. A maior parte dos analistas considerou que esse desempenho se manteria ao longo na campanha de 2022. 

 

No entanto, não é isso o que temos observado no desenrolar desta eleição. Vamos considerar os dados coletados em monitoramento das redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram) nas últimas duas semanas de agosto, feito pelo Observatório das Eleições e o Manchetômetro. Em um período de um mês, considerando-se agosto, o ex-presidente Lula ganhou quase 72 mil seguidores no Facebook; no Instagram, o ganho foi de 738.978 seguidores.  Portanto, o ex-presidente Lula está crescendo mais nas redes e demonstrando força competitiva em relação a Bolsonaro – Lula cresce mais tanto em quantidade total quanto em percentual.

Ainda que o engajamento da campanha de Jair Bolsonaro ou de suas redes e de seus filhos seja significativamente superior ao engajamento das redes do ex-presidente Lula, quando verificamos o engajamento total na plataforma, já podemos constatar uma melhoria significativa no desempenho da campanha do ex-presidente Lula – e uma piora no desempenho das redes do presidente Bolsonaro.

O mesmo se observa em algumas situações de interação no Facebook. A que devemos essa mudança no perfil de engajamento da campanha bolsonarista? Neste artigo, trabalhamos com duas hipóteses.  

A primeira é o efeito que as ações do ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, têm tido em relação às redes de desinformação bolsonaristas. Essas redes se constituíram como formas de ampliação das agendas do presidente Jair Bolsonaro, seja em suas lives semanais, seja em postagens nas redes sociais.   

A outra hipótese com a qual trabalhamos é a de uma enorme ampliação do engajamento nas redes do ex-presidente feita fundamentalmente pelo avanço em perfis nas redes sociais de atores distintos – especialmente artistas e influenciadores. 

 

Alexandre de Moraes e o combate ao financiamento da desinformação

 

Desde 2018, o Brasil observou se estruturar um verdadeiro ecossistema de desinformação, caracterizado por uma bem montada estrutura, com diversas ramificações, vários atores envolvidos, um esquema profissional de produção e disseminação de conteúdo falso e falseado, aporte do poder público e forte financiamento para manter a estrutura em funcionamento. Esse ecossistema foi e continua a ser responsável por uma verdadeira avalanche de fake news que confunde a população e impacta as instituições. Nesse ecossistema, a atuação das milícias digitais garantia o sucesso das agendas bolsonaristas e também a consolidação dos ataques às instituições, como o STF e o TSE.

Em julho de 2021, o ministro Alexandre de Moraes abriu o inquérito das milícias digitais antidemocráticas, com investigações centradas nos núcleos de produção, publicação e financiamento de fake news. À época, o ministro ressaltou que as investigações “apontaram fortes indícios da existência de uma organização criminosa voltada a promover diversas condutas para desestabilizar e, por que não, destruir os Poderes Legislativo e Judiciário a partir de uma insana lógica de prevalência absoluta de um único poder nas decisões do Estado”.

Naquele mês, levantamento da Polícia Federal no inquérito dos atos antidemocráticos mostrou que o Youtube pagou quase 7 milhões de reais – no período de 2018 a 2020 – a 12 canais de apoio a Bolsonaro, canais esses que eram suspeitos de envolvimento nos protestos contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso em 2021. É um valor bastante considerável, tendo sido apurado apenas para uma plataforma. 

Em agosto deste ano, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a PF a fazer busca e apreensão contra sete empresários que, num grupo de rede social, defendiam golpe de Estado caso o candidato Lula vença as eleições. Essas ações do ministro têm grande impacto, portanto, em um dos braços desse ecossistema, qual seja, o financiamento do esquema de produção e disseminação de fake news. Pois, nessa estrutura de desinformação que se consolida com o bolsonarismo, a produção profissional de fake news e a disseminação eficaz do conteúdo sempre demandaram grande aporte financeiro. 

 

O efeito dos novos atores

 

A segunda hipótese que levantamos para o arrefecimento do engajamento das redes bolsonaristas refere-se ao papel de atores específicos, como artistas e influenciadores. Além dos artistas badalados que estão declarando apoio a Lula – como a cantora Anitta, que recentemente recebeu o VMA pela melhor música latina –, um ator importante que queremos destacar é o deputado André Janones, recentemente incorporado à campanha lulista. 

Para termos um pouco mais clara a dimensão desse ator, vamos trazer alguns dados de coletas feitas pelo Observatório das Eleições na plataforma Facebook. Na primeira quinzena de agosto, as publicações de André Janones tiveram 11 milhões de visualizações. Em comparação, o ex-presidente Lula teve 5 milhões, o que mostra que Janones tem mais expressão que Lula nas redes em termos da capacidade de alcance de internautas. Em interações, a dupla Janones + Lula somou 5,6 milhões e se aproxima do resultado de Jair Bolsonaro (com 7,8 milhões).

 

Portanto, a partir desses levantamentos, podemos afirmar que, se Jair Bolsonaro estiver contando com as redes sociais para reverter a vantagem de aproximadamente 12% dos votos que o ex-presidente Lula mantém em relação a ele, dificilmente terá novamente, nas redes, um local para desequilibrar a produção de informação e de notícias, tal como fez em 2018.