Períodos de eleições gerais tendem a reduzir protestos, porém, podemos estar presenciando uma mudança de padrão no Brasil.

Priscila Delgado de Carvalho, Luciana Tatagiba, Larissa Melo*

Publicado no Jota

Protestos estão na ordem do dia das campanhas eleitorais desde 2018, com o levante das mulheres no #Elenão. A campanha de 2022 já teve cartas em defesa da democracia e verá hoje, no 7 de setembro, um desfile militar que é também local para mobilização e ato de campanha do candidato à reeleição. Com tantos eventos simultâneos, o Dia da Independência traz um bom exemplo de como estão tênues as fronteiras entre formas de ação contenciosa e a institucionalização das disputas que caracteriza as eleições, principalmente em contextos nos quais as próprias regras do jogo são o alvo dos manifestantes.

Eleições são processos rotineiros para seleção das elites políticas, estruturados por regras bem definidas. Já os protestos são a eclosão de demandas por vias extra institucionais, frequentemente protagonizados por grupos que, sem acesso direto ao poder, buscam influenciá-lo a partir da expressão pública de demandas. A literatura de movimentos sociais tem sustentado a hipótese de que protestos em época eleitoral são mais comuns em períodos de transições para a democracia do que no andamento de democracias consolidadas. Nesse segundo caso, a literatura aponta uma tendência de diminuição dos protestos em anos eleitorais, seja porque os movimentos sociais estão eles próprios envolvidos, desde dentro do sistema representativo, com a defesa de candidaturas próprias ou apoio aos seus aliados, seja porque temem que eventuais protestos, ao incorrer em algum tipo de desordem, possam ser usados por seus adversários na disputa. A tendência seria um crescimento dos protestos no primeiro ano de governo, tanto por parte dos que venceram a disputa e vão cobrar a fatura, quanto daqueles que foram derrotados e buscam meios para fazer sua voz ser ouvida.

A pesquisa inédita La Protesta/Brasil – realizada pelo Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva (Nepac-Unicamp) e pelo INCT – Instituto da Democracia –, sistematizou notícias sobre protestos publicadas na Folha de S.Paulo entre 2011 e 2020 (estamos agora ampliando a base para 2022) e traz elementos interessantes para essa discussão, embora ainda com um recuo temporal que não é suficiente para afirmações definitivas.

Em 2014, houve um terço dos protestos verificados ao longo de 2013, que foi um ano atípico, de todo modo. Em 2018, a redução foi em torno de 10%, quando comparado com o total do ano de 2017. Nos anos posteriores ao pleito, tivemos um alto nível de conflitividade social. Em 2015, os perdedores foram às ruas exigindo o impeachment da presidenta recém eleita. Em 2019, as ruas explodiram com os protestos contra os cortes na educação e a reforma da previdência.

A princípio, esses dados confirmam a tendência geral indicada pela literatura que é de redução de protestos em anos de eleições nacionais. Mas, há elementos novos que podem estar apontando para uma mudança de padrão, precipitada pela ascensão da extrema direita e sua natureza de um governo em campanha permanente. Quando olhamos para as demandas que são levadas para as ruas, vemos que a partir de 2018 as usuais pautas dos movimentos sociais – voltadas a demandas de emprego, saúde, educação, moradia, segurança etc – cedem espaço para reivindicações que miram o próprio sistema político e o jogo eleitoral.

Os registros de 2014 mostram conexão com o padrão de ativismo estabelecido desde a democratização. Entre agosto e outubro, no período eleitoral, sem-teto ocuparam prédios e protestaram por moradias, vizinhos se uniram por saneamento, trabalhadores foram às ruas pelo aumento de salários, mulheres defenderam igualdade de gênero e indígenas pediram melhoria de estradas. O tradicional Grito dos Excluídos, protagonizado por setores católicos e de esquerda, marcou as notícias do 7 de setembro.

Entre 2014 e 2018, há uma visível mudança no perfil dos protestos nos meses de campanha. A eleição de 2018, é bom lembrar, teve elementos inusitados: primeira após um conturbado impeachment, foi marcada pelo afastamento de um dos principais candidatos, com a inviabilização da candidatura de Lula, e pelo atentado à faca ao candidato Bolsonaro, que acabou afastado de boa parte dos debates.

Em 2018, no primeiro dia de agosto registaram-se mobilizações encabeçadas pelos sem-terra, defendendo a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Seguem os atores clássicos na nova república, porém, a demanda é diretamente ligada à disputa eleitoral. Ao longo dos três meses de campanha, em 2018, mulheres defenderam seus direitos reprodutivos, estudantes pediram verbas para a educação, negros questionaram desigualdades raciais no serviço público: questões e formas de protestos clássicas. Porém, no conjunto dos protestos registrados, o apoio ou a rejeição à candidatura de Lula marcou a agenda de agosto. Em setembro, ganham visibilidade as manifestações protagonizadas por mulheres contra a candidatura de Jair Bolsonaro – no movimento #Elenão – e, em paralelo, outras manifestações de mulheres em apoio ao candidato. Em outubro, a tônica foi de manifestações contra e a favor de Jair Bolsonaro.

Já em agosto de 2022, nota-se reduzido registro de protestos não relacionados às eleições, tais como manifestações por reajuste salarial e paradas LGBT+. A cobertura concentrou-se nas diversas cartas a favor da democracia – assinadas por organizações empresariais, profissionais, mas também por intelectuais, artistas e cidadãos em geral. Além dos abaixo-assinados, ganharam visibilidade os atos de leitura dos textos, combinados a protestos em diversas capitais. Vê-se também movimentos contrários, a exemplo de uma carta de advogados em apoio ao governo Bolsonaro, mas sem a visibilidade obtida pelas anteriores.

Setembro começa com convocações de apoiadores de Bolsonaro para as ruas, no dia 7. Agora é acompanhar se os protestos irão se traduzir em força social capaz de empurrar ainda mais o sistema político para a crise, desacreditando as eleições e, portanto, as possibilidades de saída mediada e não violenta para os conflitos que cortam nossa sociedade, ou se serão paradas patrióticas incorporadas ao repertório do confronto eleitoral das direitas em movimento.
Priscila D. de Carvalho é pós-doutoranda no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Doutora em Ciência Política pela UFMG.

Luciana Tatagiba, professora do Departamento de Ciência Política, da Unicamp.

Larissa Melo é doutoranda na Unicamp e pesquisadora do tema movimentos sociais e crise da democracia na América Latina.