Priscila Zanandrez e Priscila D. Carvalho

Publicado no Jota

 

Brasileiros estão mais propensos a ir às ruas contra a corrupção do que para defender a democracia. Também percebem que nem todo uso político das ruas é positivo para candidatos, pois a maioria da população avalia que não foi adequada a participação do presidente Jair Bolsonaro nas manifestações em Brasília e no Rio de Janeiro, em 7 de setembro. E uma maioria expressiva da população, 71,7%, considera que eventuais fortes protestos não seriam justificativa para um golpe de estado. Os dados são da nova pesquisa “A Cara da Democracia”, conduzida pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT) com 1.535 entrevistas presenciais em 101 cidades de todas as regiões do país realizada entre 9 e 14 de setembro.

 

As informações ajudam a traçar um perfil da opinião pública sobre a relação entre protestos e política no país. Indicam uma percepção consolidada de que protestos são parte integrante da democracia. Também mostram que as pessoas são capazes de avaliar criticamente o significado de protestos, mas, sobretudo, que sabem bem por quais motivos poderiam ir –  ou não iriam – às ruas, e que a pauta da corrupção continua sendo relevante para a opinião pública, mesmo que tenha perdido espaço para outros temas nesta campanha.

 

Protestos e democracia

 

Quase 72% dos brasileiros e brasileiras não concordam com a afirmação de que muitos protestos poderiam justificar um golpe militar. A cifra repete pesquisa anterior, realizada em junho deste ano, e também aponta queda (de 22% para 17%) entre aqueles que defendem uma ruptura democrática em casos de muitos protestos.

 

O dado mostra a percepção de que protestos são forma legítima de expressar demandas, e que mesmo em situação de muitos protestos isso não deve afetar a democracia.

 

Historicamente, este dado varia menos do que a questão sobre aceitação de golpe militar em caso de instabilidade política: aqueles que não aceitariam passaram de 61% para 66%, e caiu  de 31% para 23% a porcentagem de pessoas que dizem ser justificável um golpe em situações de instabilidade.

 

Em uma eleição marcada por manifestações pela democracia, em agosto, e pelas manifestações de apoio a Jair Bolsonaro, no início de setembro, a percepção de que protestos são parte do jogo democrático traz boas perspectivas para o futuro, no que depender da opinião pública, ao menos. 

 

Disposição para protestos

 

No entanto, ao olhar para os temas capazes de mobilizar a sociedade brasileira, observa-se que a defesa de direitos democráticos mobiliza menos do que a luta contra a corrupção. Ainda que a rejeição a uma ruptura militar tenha crescido entre os brasileiros, é a corrupção que parece instigar a maioria a se manifestar.

 

Ao comparar a disposição para ir à rua  com a intenção de voto, observa-se que tanto os eleitores de Lula quanto de Bolsonaro estão muito mais dispostos a ir para a rua lutar contra a corrupção do que em defesa dos direitos democráticos. Quando o caso é o combate à corrupção, 61% dos eleitores do Bolsonaro estão completamente dispostos a se manifestar, enquanto entre os eleitores do Lula o número chega a 53%. O mesmo não acontece em torno do tema da defesa da democracia: apenas 30% dos eleitores tanto do Lula quanto do Bolsonaro estariam plenamente dispostos a ir às ruas para defenderem seus direitos democráticos. 

 

Destaca-se ainda que dentre aqueles que disseram votar em ninguém, branco ou nulo, mais de 50% não estão nem um pouco dispostos a se manifestarem em defesa da democracia.

 

No cruzamento entre disposição em ir para a rua por sexo, fica evidente que os homens, independentemente da temática que os mobilize, estão mais dispostos a se manifestar do que as mulheres. Quando o assunto é defender seus direitos democráticos, apenas 23% das mulheres (contra 32% dos homens) estão dispostas a participar de manifestações. No entanto, quando se fala em lutar contra os abusos da corrupção o número chega a 58% entre os homens e a 49% entre as mulheres.

A menor propensão pela mobilização entre mulheres contrasta com o papel que tiveram na campanha presidencial anterior em 2018, marcada pelos protestos do #Elenão.

Já a importância da corrupção como mote para mobilizações mostra uma permanência. O tema, que esteve muito presente nas grandes manifestações em junho de 2013 e durante o processo de impedimento da presidenta Dilma, continua encontrando fôlego entre os eleitores brasileiros. 

Protestar contra a corrupção é legítimo. No entanto, o debate da corrupção não pode ser desvinculado do debate sobre democracia, pois o combate efetivo e duradouro à corrupção se faz através de ações de instituições democráticas fortes.

 

 

 

Priscila Delgado de Carvalho é pesquisadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (pós-doutorado) e pesquisadora associada do INCT Instituto da Democracia. Investiga a atuação de atores coletivos em processos democráticos, com ênfase na transnacionalização de movimentos sociais e sindicatos rurais, e percepções de cidadão

Priscila Zanandrez Martins Morgado é pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT IDDC. Doutora e mestre em Ciência Política pela UFMG. Investiga temas sobre participação, cultura democrática e associativismo.