Helena Martins, Eduardo Barbabela, Thayla Souza, Alexandre Arns Gonzales*

Publicado no Congresso em Foco

O relato de Jair Bolsonaro de que “pintou um clima” entre ele e garotas venezuelanas, as quais o presidente associou à prostituição, repercutiu em diversas esferas. A situação fez Bolsonaro gravar uma live na madrugada de domingo, depois um vídeo, ao lado de Michele Bolsonaro, sobre o tema. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão polêmica por vetar menção à fala do presidente por parte da campanha de Lula, o que impediu o candidato de trazer a polêmica à tona no debate da Band abertamente. Nas redes, André Janones comemorou a repercussão, que pareceu conter ataques bolsonaristas. O Observatório das Eleições monitorou as menções ao caso no Twitter, Facebook, Instagram e YouTube, bem como em grupos bolsonaristas no WhatsApp, a fim de averiguar se o tema furou a bolha, o que poderia ampliar a rejeição de Bolsonaro nesta apertada reta final. 

Foram monitoradas as conversas sobre o tema entre os dias 14 (sexta-feira) e 18 (terça-feira). Para tanto, buscamos menções a: “pedofilia”, “pedófilo”, “meninas venezuelanas”, “pintou um clima” e “assédio”. Os dados apontam que o tema gerou repercussão. A discussão foi bem mais frequente nas redes do campo lulista, mas também alcançou o bolsonarista, forçando-o a responder. O campo bolsonarista tende a não replicar conteúdos críticos ao candidato, como é evidente no caso dos grupos de WhatsApp, mas, neste caso, não foi possível silenciar nas redes abertas.

No Twitter, foram 1.048.576 mensagens sobre o tema, entre postagens únicas e replicações. Os maiores números de reações e compartilhamento foram registrados nas postagens de Felipe Neto, Jones Manoel, Janja Lula, Marina Silva, Maurício Ricardo e Levi Kaique, todos críticos à fala de Bolsonaro. O único comentarista de direita que ganhou destaque foi o próprio filho Carlos Bolsonaro, com o compartilhamento de um vídeo, acompanhado da frase “Meninas venezuelanas: compartilhe e restabeleça a verdade diante da simples verdade!”, o que mostra que o bolsonarismo teve que ser reativo em relação ao tema.

No Instagram, o campo que está apoiando o ex-presidente Lula predominou com larga vantagem. Das dez postagens que mais repercutiram, oito foram associadas a críticas a Bolsonaro (das páginas e perfis Quebrando Tabu, Mídia Ninja, Guilherme Boulos, Seremos Resistência e Manuela D’Ávila), uma jornalística (Folha de S. Paulo) e uma bolsonarista (Pedro Delfino). Quando somadas, as interações das páginas monitoradas, foram 943.078 lulistas, 88.103 bolsonaristas e 81.442 em veículos noticiosos. A diferença dos números indica que o campo lulista falou bem mais sobre o assunto, mas que ele teve repercussão, ainda que menos expressiva, fora dessa bolha.

Outra rede em que o bolsonarismo não levou vantagem foi o YouTube, no qual 268 contas trataram sobre o tema. O número de visualizações foi de quase vinte milhões. O total de engajamento ultrapassou 1,3 milhões de interações. Canais jornalísticos tiveram maior projeção, como mostra a tabela abaixo:

Das dez publicações com maior engajamento, temos vídeos veiculados pelo Portal do José, TV 247, Rádio Band News (com comentário crítico de Reinaldo Azevedo) e UOL. Houve, portanto, prevalência de conteúdos vinculados ao campo lulista ou de grupos de comunicação que criticaram a fala do presidente. Dos associados ao bolsonarismo, os canais pertencentes ao youtuber OiLuiz TV e ao programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan, tiveram ampla repercussão.

Confirmando a presença maior da direita no Facebook, o que este Observatório já demonstrou em outros momentos da eleição, foi nessa única rede que o bolsonarismo teve protagonismo. Foram registradas 1,4 milhão de menções. A página “Desmascarando” teve o maior número de interações: 99.360. Crítica a Bolsonaro, ela se apresenta como de comentário político, tendo linguagem simples, de tom exagerado e com recursos de edição típicos da internet. O político bolsonarista Vagner Nagelstein aparece em segundo lugar, com 97.917 interações em postagens que buscam mostrar que a fala de Bolsonaro teria sido editada. A projeção e a diferença das duas contas expressam a polarização em torno do tema no Facebook. Considerando as dez principais páginas, foram 578.423 interações, sendo que o campo lulista interagiu menos (178.032) que o bolsonarista (274.578), porém mais do que as páginas de sites noticiosos (125.813). Se nos determos às dez publicações com maior número de interações no Facebook sobre o tema, a distância se torna ainda maior: são três páginas lulistas (156.773) contra sete bolsonaristas (298.449).

Outro espaço de projeção do bolsonarismo foi o buscador do Google. No domingo, às vésperas do debate, as tendências de busca no YouTube associadas ao Lula foram “Lula beija criança” e “Lula pedófilo”. Ao Bolsonaro são “vídeo Bolsonaro pintando um clima” e “Bolsonaro falando que pintou um clima”. Como o gráfico abaixo mostra, as buscas associando Lula a problemas tiveram picos maiores, no domingo, do que as que trataram do fato informado pelo próprio Bolsonaro, mas o volume geral de buscas associando ambos foi equivalente.

As pesquisas mais frequentes sobre a Lula e a Bolsonaro são expostas a seguir.

 

 

O que vemos é que houve uma tentativa de relacionar Lula ao que na verdade estava posto para Bolsonaro, uma estratégia que teve sucesso, dada a presença de temas que não estavam na pauta nas buscas. Não obstante, as buscas sobre Lulas foram mais diversas, ao passo que Bolsonaro foi completamente vinculado ao possível caso de pedofilia.

Quase impenetráveis, os grupos bolsonaristas no WhatsApp não deram destaque ao tema, ao contrário. Monitoramento do Farol Digital, grupo da UFC parceiro do Observatório das Eleições, revela que, entre 00:00 do dia 14 e 11:00 do dia 18, 183 mensagens de um universo de 17.774 mensagens contendo texto trataram do assunto. Não são consideradas aqui as mensagens apenas com mídia (vídeo, áudio). Elas foram enviadas por 107 números distintos, sendo distribuídas em 72 grupos. O pico das menções foi no domingo, 17, depois o assunto foi praticamente inexistente nos grupos.

Essa situação é indicativa de como os grupos de WhatsApp, por serem mais fechados, são importantes para manter a circulação de informações mais controlada, mantendo os adeptos encerrados em discursos que reiteram seus posicionamentos. Isso ocorre nas redes sociais, por força da mediação algorítmica que resulta na conformação de bolhas, mas nelas há zonas de intersecção ou, como no caso de Jair Bolsonaro e Carlos Bolsonaro, a necessidade de tratar de um tema que inegavelmente ganhou merecida dimensão pública. 

Importa ter em vista que furar a bolha não significa ganhar votos. O levantamento mais recente do Datafolha já capta o debate da Band e o episódio da pedofilia, bem como outros casos que ganharam repercussão, como a participação de Bolsonaro e seus apoiadores em Aparecida e no Círio de Nazaré. Como a pesquisa mostra, apesar de tudo isso, não houve variações significativas nas intenções de votos. As poucas mudanças levaram à ampliação da margem de Bolsonaro, que tem mobilizado recursos públicos em prol de sua eleição, por meio de diversas políticas. Assim, a mobilização em torno do tema parece funcionar como uma barreira de contenção para mais ações de desinformação por parte do bolsonarismo, que teve que suspender a artilharia para dar respostas.

*Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

Eduardo Barbabela é pesquisador do Manchetômetro e do Observatório das Eleições 2022. Doutor em Ciência Política pelo IESP UERJ.

Thayla Souza  é graduada em Ciência Política pela UnB e pesquisadora bolsista do Observatório das Eleições 2022 em parceria com o Instituto de Ciência Política (IPOL-UnB).

Alexandre Arns Gonzales é bolsista de pós-doutorado pesquisador colaborador do Instituto de Ciência Política (IPOL) da Universidade de Brasília.