Um Ministério dos Povos Originários: algumas reflexões sobre a proposta de Lula

Um Ministério dos Povos Originários: algumas reflexões sobre a proposta de Lula

Leonardo Barros Soares

Publicado nos Ninjas

 

Em meio ao debate presidencial ocorrido no último dia 16, o candidato Lula afirmou: “vou criar um Ministério para os povos originários nesse país”. Numa campanha eleitoral marcada mais por debates sobre o passado – os legados dos dois governos Lula e do governo Bolsonaro – do que perspectivas de futuro, essa é uma proposta, de fato, novedosa. Trata-se de um aceno importante para os povos indígenas do Brasil, um segmento social historicamente vulnerável, em especial durante os governos Temer e sobretudo nos últimos quatro anos. A ideia já havia sido anunciada para os próprios indígenas durante o Acampamento Terra Livre, a reunião anual do movimento indígena em Brasília, em abril. Dado seu caráter de inovação institucional, neste artigo gostaria de examinar, brevemente, a proposta do candidato Lula, de modo a aprofundar o entendimento sobre as possíveis repercussões de tal sugestão na eventualidade de sua eleição no domingo.

Para começar, vale a pena entender a institucionalidade destinada ao atendimento dos povos indígenas que já existe. É possível que a maioria dos brasileiros conheça ou já tenha ouvido falar da Fundação Nacional do Índio (Funai). Trata-se da agência brasileira responsável pelo desenho, implementação e avaliação da política indigenista do Estado brasileiro desde 1968, quando substituiu o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), cujas origens remontam a 1917. Por política indigenista designamos, grosso modo, uma forma organizada de contato político entre povos indígenas e não-indígenas no âmbito das atividades desenvolvidas pelo Estado, sobretudo aquela que se refere ao reconhecimento administrativo de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas do país. Esse é o “carro chefe” da política destinada a esse segmento populacional por motivos óbvios: a terra é o lastro material fundamental para a existência desses grupos enquanto tal. 

Há uma série de decretos, portarias e leis que regulamentam o rito demarcatório no país cujas tecnicalidades não vem ao caso agora. O importante, para o argumento que desenvolvo aqui, é sabermos que a média de tempo para a conclusão do processo desde sua fase inicial – o estabelecimento de um grupo de peritos para a identificação do território – até o seu final, quando da inscrição da terra indígena no Serviço de Patrimônio da União,  é de 15 anos. São vários os casos de demarcações que chegam até a 20 ou 30anos para serem concluídas. Isso é razoável? Claro que não. Isso não quer dizer que o processo demarcatório não seja eficaz – contar com 13% do território nacional como de ocupação tradicional indígena não deixa de ser um feito sui generis num país marcado pela extrema concentração fundiária e violência no campo. Mas, quer dizer, sim, que o processo é altamente ineficiente. E, para alterar isso, certamente são necessárias mudanças institucionais.

A criação de um Ministério resolveria a questão? Tenho minhas dúvidas. Em que pese o fato de que existem poucos estudos comparativos disponíveis abordando os diferentes desenhos institucionais das burocracias indigenistas em diversos países, a evidência disponível nos sugere cautela na análise. 

Por um lado, parece-me que pouco importa o modelo institucional. Pode seja uma fundação, secretaria ou instituto voltados para a questão indígena, como nos casos do Brasil, Chile e Argentina, respectivamente. Pode ser também um (ou mais) ministério (s), como são os casos canadense, australiano e neozelandês. O que importa parece ser, no fim do dia, o peso político de suas burocracias e lideranças. Lembremos que, no Canadá, pelo menos dois primeiros-ministros atuaram, em suas carreiras políticas, nos órgãos indigenistas do país. Algo nem remotamente parecido já aconteceu por aqui. Presumindo-se que, no Brasil, o ministro/a ministra da pasta fosse um/uma indígena, a questão que se coloca é a seguinte: quem teria a força política para fazer frente à coalizão de interesses anti indígenas no Congresso?

Por outro lado, se a proposta significar a eliminação da instituição intermediária entre a Funai e a Presidência – hoje, no caso, o Ministério da Justiça – então é possível aventar a hipótese de que o tempo de demarcação possa, sim, diminuir. Pouco se sabe, de fato, em termos acadêmicos, do que se passa nos corredores da pasta quando se trata de decisões relativas aos povos indígenas e, consequentemente, temos pouca capacidade de sugerir melhorias no fluxo administrativo que poderiam impactar a eficiência do processo em tela. No entanto, do ponto de vista meramente formal, é presumível que, quantos menos forem os gargalos burocráticos, melhor.

É evidente que, do ponto de vista simbólico, a proposta tem peso. Alçar a questão indígena a um status ministerial significaria, de forma inédita, o reconhecimento de que os povos originários não se extinguiram nem se “integraram à comunhão nacional” – como pensavam muitos policymakers e intérpretes do Brasil durante o século XX. Eles demonstraram uma capacidade de resiliência, mobilização e articulação política impressionante. No entanto, é forçoso lembrar que só o simbolismo não basta para concretizar os anseios de justiça dessa população. Seria preciso dotar o Ministério de orçamento vigoroso, burocracia especializada, articulação política e capacidade de execução de seus objetivos. Caso contrário, os riscos de inação e ampliação da desconfiança para com a já desgastada política indigenista podem ser consideráveis e, talvez, inescapáveis. 

Pessoalmente, penso que a proposta poderia ganhar mais peso se o eventual Ministério não se destinasse apenas aos povos indígenas, mas a todos os povos tradicionais do país, com especial destaque para os quilombolas. A atual divisão do processo de reconhecimento de comunidades entre o Incra e a Fundação Palmares parece ser simultaneamente ineficaz e ineficiente e sua centralização numa única instituição poderia fazê-lo avançar de forma significativa. Quatro anos de ampliação do direito dos quilombolas à ocupação tradicional de seus territórios reforçaria o estoque de terras coletivamente habitadas com foco na reprodução social e cultural desses grupos e na preservação ambiental.  

Concluo apontando para o forte contraste entre as duas candidaturas presidenciais no que se refere aos povos indígenas. Se a proposta de Lula pode e deve ser debatida, ela não é, todavia, trivial. Trata-se de uma proposta construtiva, digna e respeitosa, que consagra a crescente relevância política dos povos indígenas no Brasil nas últimas décadas. Caso eleito, Lula poderá marcar de forma definitiva o presente e o futuro dos povos originários.

O futuro climático do planeta: o que o projeto autocrático de Bolsonaro tem a ver com isso?

O futuro climático do planeta: o que o projeto autocrático de Bolsonaro tem a ver com isso?

Helena Dolabela Pereira

Publicado no JOTA

 

 

Entramos na última semana que antecede o segundo turno da eleição presidencial de 2022 no Brasil. É preciso recuperar o foco sobre uma das questões atuais mais complexas e urgentes que a humanidade enfrenta: a crise climática. O que o pleito tem a ver com isso?

Noam Choamsky, reconhecido professor de linguística do MIT e ativista político, concedeu uma entrevista há dois dias do primeiro turno para o programa Democracy Now no qual foi perguntado sobre o significado da eleição brasileira. Ele disse: “é muito significativo não apenas para o Brasil mas para todo o mundo. No Brasil, por vários aspectos, mas um deles é o fato de que a maior parte da Região Amazônica está no Brasil. São dois candidatos. Um deles é o presidente em curso, Bolsonaro, que é, basicamente, comprometido com a destruição da Amazônia. (…) É sabido há algum tempo que, cedo ou tarde, se a destruição da Amazônia continuar, não existirão mais nutrientes para a sua reprodução e deixará de ser um sumidouro de carbono e passará a produzir carbono transformando-se em uma savana. Isso é uma catástrofe para o Brasil e, de fato, para todo o mundo”.

A política anti-ambientalista do presidente Bolsonaro ao longo de todo o governo já foi analisada em textos publicados pelo Observatório das Eleições. Uma forma de entender esse direcionamento governamental é utilizando a chave dualista das diferentes concepções de desenvolvimento: de um lado, o crescimento econômico; de outro, o conservacionismo ambientalista. Estas linhas foram borradas pela narrativa do desenvolvimento sustentável aceita pela esquerda e pela direita, mas não resolve os conflitos nos casos concretos já com forte propensão a ceder ao poder dos grupos econômicos. 

No caso do governo Bolsonaro, o pêndulo direcionou-se fortemente para os grupos econômicos que se beneficiam da exploração irrefreada dos recursos naturais, algumas vezes de forma irregular. Contudo, não se trata somente da defesa pelo lado econômico (e lucrativo) do desenvolvimento, mas de uma ideologia populista de extrema direita que têm fundamentado várias políticas e ações nos últimos quatro anos. É assim que a questão climático-ambiental no atual contexto brasileiro precisa ser decifrada para que possamos dimensionar o alcance do resultado das eleições de 2022 no Brasil.

O projeto populista de Jair Bolsonaro é baseado na figura de um líder messiânico que representa diretamente a vontade do povo, rejeita as instituições de mediação (como os partidos e a mídia tradicional) e o arranjo constitucional de freios e contrapesos. Este último aspecto ganhou maior destaque na semana que passou pela declaração do presidente a favor do aumento do número de ministros do STF com vistas a conseguir um alinhamento com o seu projeto de poder. Alguns estudiosos também têm apontado como característica de governos populistas a sua faceta negacionista relacionada ao anti-intelectualismo, a inferiorização do saber científico e a afeição a teorias da conspiração. Os cientistas políticos Leonardo Avritzer, Lucio Rennó e Priscila Delgado , em estudo sobre a o populismo e a pandemia da Covid-19 no Brasil, defendem que a conduta do presidente brasileiro neste período não foi uma ação irracional, mas o posicionamento de um líder populista que escolheu o distanciamento da ciência na medida em que esta se alinhava com o sistema político tradicional.

O negacionismo governamental também afetou a política ambiental por meio, entre outras ações, das constantes críticas às metodologias empregadas para aferir os números sobre queimadas e desmatamentos na Amazônia e outros biomas, publicados por instituições oficiais reconhecidas internacionalmente como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Neste cenário de uma atuação governamental anti-constitucionalista e negacionista, cresceu a importância das instituições de justiça, especialmente a atuação do Judiciário brasileiro para fazer frente aos retrocessos em matéria climático-ambiental. Houve um aumento expressivo da chamada litigância climática nos últimos quatro anos, com a propositura de ações judiciais por parte do Ministério Público, partidos políticos e associações civis – com destaque para a atuação de associações indígenas – em defesa dos direitos socioambientais e climáticos.

A clara inclinação autocrática do governo Bolsonaro mostra o risco de uma sua eventual reeleição. Não se trata, contudo, de um fenômeno local. O mundo todo vive um processo de autocratização, ainda que a natureza deste tenha se alterado, como mostra o volume da Revista V-Dem – The Democracy Report 2022: The Autocratizachion Changing Nature?. Este relatório nos ajuda a justificar, com base em dados científicos, quais são os dividendos da relação entre democracia e mudança climática. Compilando estudos sobre a relação entre governos democráticos e cooperação para o clima, identificou-se que: democracias de alta qualidade têm um compromisso político quase 20% maior com a mitigação das mudanças climáticas do que autocracias fechadas como a China. Também equivale a uma diferença nas metas da política de redução do Acordo de Paris de 1,6%. Isto é, democracias se comprometem objetivamente mais com medidas para a redução da emissão de gases de efeito estufa. E, ainda, aponta-se que um aumento de 1% nas liberdades civis gera uma redução de 0,05% nas emissões nacionais de CO2.

A conclusão é clara: são as democracias que fornecem a arena para sociedade civil defender as questões relacionadas às mudanças climáticas e, assim, poder pressionar internamente os sistemas políticos. Por outro lado, o tratamento de um problema que não respeita fronteiras depende de comportamentos governamentais cooperativos no âmbito das relações exteriores. O Brasil é um ator político fundamental e fiel da balança na discussão sobre o clima. A sua posição geopolítica em relação às mudanças climáticas é de interesse de todo o planeta. As expectativas mundo afora em relação ao resultado das eleições são opostas. 

Se Bolsonaro ganhar, a capacidade de construção de consensos e compromissos em torno de uma pauta climático-ambiental avançada será fortemente prejudicada, colocando em xeque qualquer esforço diplomático global. O Brasil continuará sendo um pária internacional nos organismos multilaterais. Por outro lado, a vitória de Lula é vista como uma retomada mais do que urgente das negociações diplomáticas na questão climática, já prenunciada durante a campanha eleitoral pelo encontro do candidato com parlamentares da União Européia para a construção de um diálogo e o compartilhamento de um termo de cooperação envolvendo a proteção da floresta amazônica.  

A nós, eleitoras e eleitores do Brasil, no dia 30 de outubro, será dado o direito de decidir o futuro da presente e das próximas gerações, não apenas do Brasil, mas de todo o planeta.

 Helena Dolabela é pesquisadora de pos-doutorado no INCT IDDC. Doutora em Antropologia e mestre em Ciência Politica pela UFMG. Pesquisa temas como conflitos socioambientais e litigância climática.

Meio ambiente sob disputa: um balanço do resultado do primeiro turno das eleições em 2022

Meio ambiente sob disputa: um balanço do resultado do primeiro turno das eleições em 2022

Leonardo Barros Soares e Helena Dolabela

Publicado no Jota

 

Passado pouco mais de uma semana depois dos resultados do primeiro turno das eleições 2022, já é possível fazermos um balanço de seu significado para a pauta do meio ambiente. E aqui já adiantamos nosso diagnóstico: não é possível dourar a pílula – a nova composição do Congresso, das assembleias estaduais e o perfil político dos governadores eleitos, especialmente nos estados da Amazônia, não nos permite otimismo. As políticas públicas e todo o arcabouço legal e institucional em torno do meio ambiente no país saem severamente vulnerabilizadas do pleito. 

Comecemos pela expressiva votação de Jair Bolsonaro. Na hora da verdade, quase metade dos votantes optou por apoiar um projeto político que atuou fortemente para o desmantelamento das salvaguardas constitucionais em torno do meio ambiente. Desmatamento recorde, monstruosas queimadas, expansão irrefreada do garimpo ilegal em terras indígenas, inação criminosa no episódio do derramamento de petróleo na costa do Nordeste não foram suficientes, aparentemente, para reduzir o apoio eleitoral ao atual presidente. 

O voto para presidente tornou-se uma espécie de plebiscito sobre a vigência ou não da democracia no país. A temática ambiental ficou “escanteada” ao longo da campanha e, embora algumas pesquisas de opinião apontem a ampla adesão da população à proteção da floresta amazônica e a rejeição da exploração desenfreada dos bens naturais, estes elementos não parecem ter pesado na escolha dos cidadãos. Será uma tarefa futura da ciência política construir hipóteses para explicar esse fenômeno. 

A nova composição da Câmara dos Deputados continuou falseando o chamado “teorema de Tiririca”, que vaticinava que “pior que está não fica”. Ficou, e muito. Uma avalanche conservadora, fruto da maior bancada que o dinheiro pode comprar, tem condições de se tornar ainda mais efetiva em seus desígnios de desregulamentação da política ambiental brasileira do que a legislatura 2019-2022. Destaque para a expressiva votação que o ex-ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, recebeu em São Paulo. Dada sua identificação radical com o projeto de terra arrasada do governo Bolsonaro, talvez não seja exagero dizer que essa forma de ver o mundo foi chancelada por boa parte do eleitorado nacional. Além disso, chamamos a atenção para a eleição de Silvia Waiãpi, a primeira indígena bolsonarista eleita pelo Amapá, que pode ser uma ferrenha defensora de projetos que visem desmontar o que ainda resta de proteção para as terras indígenas.

O Senado, por sua vez, tradicionalmente uma casa revisora mais restritiva e que exerce um importante papel de contenção em algumas propostas mais agressivas da Câmara dos Deputados, será composta por um perfil majoritariamente conservador, alinhado com a proposta anti ambiental de Bolsonaro. Isso significa dizer que, mesmo na hipótese de vitória de Lula, estão abertas as portas para a passagem de projetos de lei e emendas constitucionais que podem desfigurar, de forma irreversível, os direitos ambientais presentes na Carta Magna. 

O panorama estadual tampouco é promissor. Em Minas Gerais, Zema, notório aliado de mineradoras no estado, foi reeleito já em primeiro turno. Em Roraima, Antonio Denarium, também reeleito em primeiro turno, continuará com sua política de incentivo ao garimpo ilegal em território Yanômami. A exceção ao combo direitista dos governadores eleitos nos estados da Amazônia é a reeleição de Helder Barbalho (MDB) no Pará que contempla um plano de governo com diretrizes e ações para a proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.

As assembleias legislativas, que devem decidir sobre questões ambientais estaduais, espelham, em larga medida, a divisão entre esquerda e direita do nível federal. A ver, em cada região, como ficará essa disputa já reconhecidamente desequilibrada em matéria ambiental e que prenuncia dias difíceis para as reservas naturais e os biomas sob responsabilidade dos estados. 

É bem verdade que a eleição de uma representante do porte de Marina Silva para a Câmara Federal em São Paulo e de duas lideranças indígenas expressivas – Sônia Guajajara e Celia Xacriabá – deve ser comemorada por todos aqueles que desejam a reversão do atual quadro de descalabro ambiental em que nos encontramos. No entanto, não devemos nos enganar – a bancada pró-meio ambiente no Congresso é minoritária e deverá enfrentar dificuldades nos embates legislativos. O mais provável é que o alinhamento entre Arthur Lyra e as bancadas conservadoras seja reeditada, com efeitos potencialmente devastadores para o meio ambiente.  

  Reza a lenda que, certa feita, o presidente Fernando Henrique Cardoso teria respondido à pergunta de um repórter sobre como estava o Brasil dizendo que o país ia “de mal a menos mal”. Essa tirada sociológica, infelizmente, não é possível de ser repetida quando estamos falando do futuro da política ambiental, pois tudo parece estar indo de mal a pior. Só vamos ter certeza após o próximo dia 30 de outubro.

Agora é esperar pelo segundo turno presidencial. Se Bolsonaro ganhar, conforme já escrevemos em outros espaços, é difícil imaginar o grau de destruição do meio ambiente a que poderemos chegar. Não por acaso, a eleição presidencial de 2022 no Brasil é vista como decisiva para a questão climática por vários especialistas de todo o mundo, especialmente em função da aproximação acelerada do ponto de não retorno da devastação amazônica. 

A agenda ambiental dos candidatos ao governo do Maranhão em 2022

A agenda ambiental dos candidatos ao governo do Maranhão em 2022

Arleth Santos Borges

 

 

Nove candidatos disputam o governo do Maranhão, embora apenas quatro sejam de fato competitivos: Carlos Brandão (PSB), Edvaldo Holanda Jr., Lahesio Bonfim (PSC) e Weverton Rocha (PDT). Há um nítido favoritismo de Brandão, seguido de Weverton, os quais assumem posições bem distintas em relação às candidaturas presidenciais: Brandão apoia Lula; Weverton diz que o seu grupo tem apoiadores de Ciro, Bolsonaro e Lula;  Lahesio apoia Bolsonaro.  

Carlos Brandão é o atual governador. Ele é médico veterinário e empresário ruralista, é do PSB, já foi deputado federal e vice-governador durante os sete anos do governo Flávio Dino e tem como vice o ex-secretário de educação, Felipe Camarão, do PT. Sua  coligação tem 10 partidos, incluindo duas federações: PSB, MDB, PP, PATRIOTA, PODEMOS, Federação PT/PCdoB PV e Federação PSDB CIDADANIA, uma composição de espectro ideológico bem heterogêneo. 

Lahesio Bonfim é médico e fazendeiro, prefeito do município de São Pedro dos Crentes e tem como vice o médico e vereador de São Luís, Dr. Gutemberg, do PSC. Sua coligação tem o PSC e PMN. Ele se declara de direita e, durante a pandemia, adotou o negacionismo bolsonarista, posição que ainda defende. 

Weverton Rocha é senador e empresário. É do PDT, já foi deputado federal, tem como vice o deputado estadual Hélio Soares, do PL, e uma coligação de seis partidos: PDT, PL, PTB, REPUBLICANOS, PROS e AGIR, de amplo arco ideológico. Sua chapa PDT/PL traz um dilema em relação ao palanque presidencial, pois o PDT, de Weverton, tem o candidato Ciro Gomes, e o partido do vice tem Bolsonaro; não bastasse isso, Weverton assume mais Lula do que Ciro em sua campanha. 

Dado o histórico favoritismo de Lula no Maranhão e a polarização do pleito presidencial, a nacionalização da campanha local é fato inarredável, de modo que algumas tentativas de neutralidade em relação aos presidenciáveis e de enclausuramento da disputa no plano local, ensaiadas por Weverton e Laehesio, têm se revelado improdutivas.

 

Programas e Agenda Ambiental 

Os programas de Brandão, Lahesio e Weverton são parecidos em conteúdos e abrangência. Para o Maranhão seguir avançando é o lema do programa de Brandão, com sete eixos de intervenção, um deles sobre meio ambiente. O de Lahesio, Maranhão na rota do desenvolvimento, constata uma “dura realidade do Maranhão” e critica o “equivocado modelo de desenvolvimento econômico experimentado ao longo da história, que legou à população os piores indicadores sociais e econômicos do Brasil”, sendo organizado em 12 seções, uma delas sobre o meio ambiente. O programa de Weverton sintetiza um Projeto de Desenvolvimento do Maranhão,  tem como um dos eixos temáticos Maranhão Ambiental e advoga um “pacto pela superação da pobreza” e um “desenvolvimento de concertação” entre Estado, sociedade e setor produtivo.

Há temas e propostas que, resguardadas as diferenças, são comuns aos três candidatos: fontes alternativas de energia – eólica, solar, gás natural e hidrogênio verde; políticas de proteção/recuperação/uso sustentável e revisão do plano estadual de recursos hídricos, incluindo retomada do projeto de águas perenes na Baixada Maranhense e revitalização da bacia hidrográfica do Itapecuru – PROITA; também há propostas em comum sobre resíduos sólidos – erradicação de lixões, coleta seletiva, reciclagem e consórcios municipais para viabilizar aterros sanitários, usinas de compostagem e incineração do lixo perigoso.

Alguns temas tiveram propostas de dois candidatos: acesso ao saneamento básico (Weverton e Lahesio); recuperação de áreas degradas, plantio de mudas nativas e arborização (Brandão e Lahesio); Zoneamento ecológico-econômico e/ou zoneamento agroecológico, monitoramentos e plataforma com informações e bases cartográficas (Brandão e Weverton). 

Outras propostas são específicas de cada candidato: Brandão propõe implementar plano de desenvolvimento socioeconômico sustentável de Alcântara e área de influência do Centro Aeroespacial, Projeto Amazônico de Gestão Ambiental e Social Sustentável – PAGES/FIDA, plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) e programa estadual de crédito de carbono para pequenos e médios produtores; ele também propõe elaboração de plano estadual de desenvolvimento rural sustentável com foco na agricultura familiar, educação ambiental e cidadania sustentável,  prevenção e controle do desmatamento e queimadas, criação do Comitê de prevenção e coordenação de combate às enchentes e inundações, a defesa dos recursos naturais – fauna, flora e pesca –  e Programa de Bolsa para famílias cadastradas em projetos que aliem produção e preservação ambiental.

Lahesio, por sua vez,  propõe orientar agricultores e pecuaristas para a preservação ambiental e o uso correto dos recursos naturais, indústrias a partir das cadeias do agro e babaçu e aceleração dos licenciamentos ambientais, mediante carta compromisso do beneficiário com vistas a “diminuir a tutela do estado, de forma cuidadosa e criteriosa, liberando ao cidadão a responsabilidade pelo cumprimento de determinações legais de cada área, sem precisar de autorizações desnecessárias, vistorias e liberações que só atrasam e impedem o desenvolvimento econômico”.

Weverton propõe capacitar equipe maranhense em gestão territorial estratégica e trazer, do Instituto Emílio Goeldi (Belém-PA) para o Maranhão, o núcleo de inteligência territorial da Amazônia Maranhense. Taamém propõe microzoneamento da carcinicultura marinha para a Baixada, atualização dos planos diretores municipais e leis de zoneamento, uso e ocupação do solo e organização de banco de dados sobre a Amazônia Maranhense.

Todos têm sua agenda mais ampla focada na intensiva exploração dos recursos naturais. Brandão silencia sobre as condições atuais, Lahesio acusa os baixos indicadores sociais e Weverton fala de “desenvolvimento por concertação”, mas nenhum deles questiona as causas ou os fatores de agravamento dos problemas ambientais existentes, não  examinam as conexões entre esse quadro e o “desenvolvimento” que, desde os anos 1960, tem sido peça-chave do discurso de todos os governantes do estado. Eles também são indiferentes ao fato de que, após 40 anos de grandes projetos minero-metalúrgicos e uma década de MATOPIBA, mais da metade dos maranhenses vive em pobreza extrema, e se multiplicam problemas como o desmatamento, as investidas contra territórios indígenas e reservas,  poluição por minerais pesados;  contaminação de solo, água e até de pessoas, por agrotóxicos, a não balneabilidade das praias da capital, entre outros.

As abordagens não partem de um diagnóstico da situação atual e são pouco convincentes os projetos para superar a pobreza e a degradação ambiental com, praticamente, os mesmos empreendimentos e métodos que vêm produzido um Maranhão de riquezas concentradas ao lado de pobreza e de prejuízos socioambientais difusos. 

 

Arleth Santos Borges é doutora em Ciência Política (IUPERJ)  e professora associada da Universidade Federal do Maranhão – UFMA.

Mudando de arena:  burocratas da política de meio ambiente se lançam nas eleições de 2022

Mudando de arena: burocratas da política de meio ambiente se lançam nas eleições de 2022

Icaro Engler

 

A questão do meio-ambiente é um tema que vem ganhando centralidade no debate público brasileiro, principalmente pelas últimas notícias envolvendo o desmatamento e as ameaças e mortes de ativistas. Este descaso, tanto com o meio-ambiente, quanto com a vida dos ativistas no Brasil, vem sendo atribuído ao atual governo, ora devido a inação frente a problemas sociais e ambientais, ou seja, uma espécie de inércia visando a não resolução, ora agindo de forma ativa, através do sucateamento e desmantelamento de órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização e acompanhamento do meio-ambiente, como o Ibama e o ICMBio.

Durante o mandato deste governo, também foi possível identificar uma série de exonerações de servidores públicos que vinham atuando no combate a crimes ambientais, perdendo cargos de chefias e sendo alocados para funções menos prestigiosas. É possível identificar quatro casos exemplares de servidores que atuavam em defesa do meio-ambiente e que, devido a desavenças com o governo, acabaram perdendo os seus cargos. Esse fato acabou dando uma certa projeção política para esses nomes, tanto que hoje são candidatos a deputado federal.

O primeiro deles é Ricardo Galvão, que foi exonerado enquanto era diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2019, após o instituto divulgar dados sobre o aumento do desmatamento na Amazônia, que foram criticados pelo presidente Jair Bolsonaro. O diretor do Inpe, por sua vez, saiu em defesa do órgão respondendo ao presidente, mesmo sabendo que isso custaria o seu cargo. 

Ricardo Galvão é doutor em física pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts e professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Possui uma longa trajetória acadêmica e de pesquisas dentro das ciências brasileiras, ocupando cargos de diretor no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, presidente da Sociedade Brasileira de Física e membro da Academia Brasileira de Ciências.

A própria nomeação de Ricardo Galvão ao cargo de diretor do Inpe, em 2016, já trazia algumas questões à tona. Primeiro, houve uma demora de quatro meses até que ele tomasse posse, deixando o órgão sem diretor e causando uma certa insegurança nos demais servidores. Além disso, o órgão estava passando por uma defasagem de técnicos causada por falta de reposição dos servidores aposentados, dificultando o seu bom desempenho. 

O INPE, além de outras atribuições, é o órgão responsável pelos sistemas de monitoramento da Amazônia e divulgação dos seus relatórios. Ou seja, ao estar cumprindo o seu dever, Ricardo Galvão foi arrastado para o centro de uma polêmica com o presidente da República. Ricardo acabou ganhando fama na ocasião, inclusive internacional, tornando-se uma referência no combate ao negacionismo e defesa da ciência.

Outro caso é o do delegado da Polícia Federal, Alexandre Saraiva, que, em 2021, apresentou uma notícia-crime ao Superior Tribunal Federal (STF) contra o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alegando o crime de “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais.”

Alexandre Saraiva é graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e possui doutorado em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). É policial federal desde 2003 e já havia ocupado chefias de delegacias desde 2007, assumindo a sua primeira Superintendência em 2011, no estado de Roraima, em seguida no Maranhão, até chegar ao Amazonas. Isso aponta uma carreira em ascensão dentro da corporação, dificultada pelos últimos acontecimentos políticos.

Na ocasião, Alexandre Saraiva ocupava o cargo de superintendente da Polícia Federal do Amazonas, que, no ano de 2020, realizou a apreensão de uma carga de madeira avaliada em aproximadamente R$ 130 milhões de reais. O caso gerou uma reação contrária de Ricardo Salles que defendeu a legalidade do produto, chegando a realizar uma visita à região, onde se reuniu com os madeireiros. Essas desavenças com o Governo Federal custaram o cargo de Alexandre, que foi exonerado e alocado na Delegacia de Volta Redonda (RJ), não ocupando mais nenhum cargo de chefia.

Os últimos dois casos são de fiscais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Roberto Cabral e José Augusto Morelli, também removidos dos cargos que desempenhavam, juntando-se a uma lista de exonerações de fiscais com perfil técnico desde que Bolsonaro assumiu a Presidência.

Cabral foi retirado da Coordenação de Operações de Fiscalização (COFIS), onde atuava na condução de operações em campo, sendo transferido para serviços burocráticos internos, em Brasília. Isso após realizar uma investigação de maus tratos a 18 girafas que foram importadas para o Brasil. Apesar desse episódio, ele já era conhecido pela sua atuação em outras operações contra crimes ambientais de modo geral.

Ele é formado em Biologia e mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Brasília (UNB) e ingressou no Ibama em 2002, como analista ambiental, e em 2004 passou a atuar como agente ambiental federal. Em carta contra a sua remoção do cargo, os demais servidores afirmaram se tratar de uma retaliação devido ao grande desempenho de Cabral em fazer o seu trabalho, sendo também um ataque ao órgão como um todo.

No caso de José Augusto Morelli, o mesmo afirma que após aplicar uma multa ao então deputado federal Jair Bolsonaro em 2012, nunca mais teria participado de nada relevante no Ibama, alegando perseguição que teria resultado na perda de dois cargos de chefia e uma série de boicotes ao seu nome dentro do órgão.

Em 2012, Morelli ocupava o cargo comissionado de chefe do Centro de Operações Aéreas do Ibama. Enquanto realizava uma patrulha na estação ecológica de Tamoios, uma área protegida em Angra dos Reis (RJ), encontrou Jair Bolsonaro pescando em um local proibido. Bolsonaro se recusou a sair do local, recebendo por isso uma multa de R$10 mil reais. A própria multa depois foi anulada, não havendo nenhum desdobramento legal do caso.

Nestas eleições os quatro envolvidossão candidatos a deputado federal – Ricardo Galvão pela REDE-SP, Alexandre Saraiva pelo PSB-RJ, Roberto Cabral e José Augusto Morelli pela REDE-DF.

Além das candidaturas, o que esses quatro casos têm em comum é a não atuação na política institucional, ou seja, nunca ocuparam cargos partidários ou eletivos anteriormente. Mesmo assim, possuem um grande prestígio nas atividades desenvolvidas em suas carreiras profissionais e técnicas como servidores públicos. Soma-se a isso a atuação em defesa do meio ambiente, uma pauta central para se discutir no Brasil.

Em uma eleição onde há uma grande rejeição ao governo, candidatos notoriamente contrários à sua pauta anti ambiental e, ainda, com casos midiáticos de embate direto com Bolsonaro, podem captar um ganho político, obtendo sucesso eleitoral. Tratam-se de quatro nomes com grande conhecimento em suas áreas e que, caso eleitos, certamente atuarão para defender as pautas ligadas ao meio ambiente no Congresso Nacional.

 

Icaro Engler é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atualmente é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa.

Mineração e demarcação de terras indígenas nas eleições em 2022

Mineração e demarcação de terras indígenas nas eleições em 2022

Helena Dolabela e Leonardo Barros Soares

Publicado no Jota

 

A pauta indígena tem tido maior espaço na esfera pública junto a organismos multilaterais e a sociedade civil pela sua relação com a preservação da Amazônia. Lideranças indígenas têm mostrado ao mundo que efetivar os direitos territoriais de povos originários é condição necessária para conter o avanço do desmatamento e das queimadas na Região Amazônica. Um lado reforça o outro. A floresta de pé garante aos povos indígenas a manutenção dos seus modos de vida e existência, e ao mesmo tempo ajuda na regulação do clima na região e no planeta. 

No entanto, a questão indígena não tem tido centralidade na disputa eleitoral para a Presidência da República. De certo, na última semana o assunto ganhou maior espaço com o “reencontro” entre Lula e Marina Silva. A retomada da demarcação de terras indígenas está dentro das propostas de avanço na política climático-ambiental trazidas pela recém aliada e que foi acolhida pelo grupo político do candidato petista. No mesmo dia, à noite, Lula foi perguntado pelo jornalista Willian Waack sobre a “reconciliação” e o que ele chamou de “exigências” como a “demarcação de terras indígenas” e “a demarcação de terras quilombolas” para ter o apoio, ainda em primeiro turno, da ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente no Governo Lula. Lula respondeu que no seu governo foi criado o maior número de reservas ambientais e realizadas demarcações de terras indígenas. Logo foi interrompido pelo entrevistador que afirmou ser esse posicionamento que levava o agronegócio a ser um apoiador político-eleitoral de Bolsonaro. 

Seria este “bate-bola”, que relaciona demarcação de terras indígenas e apoio eleitoral, uma chave analítica para explicar o porquê de a pauta indígena não ter centralidade nas campanhas eleitorais dos presidenciáveis? Poderíamos aventar a hipótese da existência de um entendimento partidário/ideológico de que a questão indígena é controversa no seio do eleitorado brasileiro, e que, portanto, um posicionamento a respeito poderia ter algum impacto eleitoral? 

Pesquisa realizada pelo INCT-IDDC nos dias 4 a 16 de junho de 2022 intitulada “A Cara da Democracia”, com 2.538 entrevistas presenciais, em 201 cidades de todas as regiões do país veio contribuir para este debate. No conjunto de questões, duas estão relacionadas com meio ambiente e uma delas diretamente com a questão indígena. Mais especificamente, perguntava-se se o entrevistado era a favor ou contra a permissão para mineração nas terras indígenas. De um total de 2.538 entrevistas preseciais, 76,2% dos entrevistados afirmaram-se contra, 22,1% a favor e 1,6% responderam que depende. Dentre os contrários, o público feminino é superior ao masculino, respectivamente, 79,0% e 73,3%. Em relação à faixa etária, os entrevistados mais jovens (entre 16-17 anos) são aqueles que mais rejeitam a mineração em terras indígenas (83,3%); enquanto aqueles com idade mais avançada (acima de 60 anos) alcançam o percentual mais baixo (71,7%).

  O nível de escolaridade apresenta uma tendência que vai de uma menor para uma maior rejeição à mineração em terras indígenas. Assim, entre os que se declaram analfabetos ou com primário incompleto/completo 27,6% são a favor da mineração. Já entre os que têm ensino superior incompleto/completo, o percentual é o mais baixo – 18,8%. Em relação ao nível de renda, os dois extremos, que vão de 0-2 salários mínimos a mais de 10 salários mínimos são aqueles que menos rejeitam a permissão de mineração em terras indígenas, respectivamente, 25,4% e 28,2%. Entre as outras faixas de renda intermediárias esses percentuais são menos variáveis e vão de 19% a 22%.

Há uma significativa diferença entre os entrevistados que declaram votos nos dois candidatos que estão à frente nas pesquisas, Lula e Bolsonaro. Embora nos dois casos a maioria seja contra a permissão de mineração em terras indígenas, entre os eleitores de Lula este percentual atinge 78,8% contra 66,2% no caso dos eleitores do Bolsonaro. Estes percentuais aumentam entre os de Ciro e Simone Tebet, respectivamente, 82,2 e 91,3 – este último sendo o maior índice de rejeição entre todo o conjunto de entrevistados. Em pergunta que considera o espectro político, verifica-se que a maior rejeição vai da esquerda para direita, sendo que os que se dizem de centro se aproximam de forma expressiva da esquerda. Na outra ponta, com uma distância bem mais significativa, estão aqueles que se dizem de direita. Assim, entre os entrevistados que se declaram de esquerda, são contra a mineração 82%, entre os de centro 79,7% e entre os de direita 65,9%.

Assim, os dados aqui apresentados nos levam a afirmar que a posição majoritária do eleitorado brasileiro é contrária a propostas de exploração em territórios indígenas. Note-se que, em pesquisa recente sobre o tema, o Instituto Socioambiental verificou percentuais semelhantes de rejeição.  Mas, por quê, ainda assim, o tema parece ser controverso? 

Uma outra chave explicativa, que tem relação com a primeira, mas aponta uma perspectiva mais histórica do que conjuntural, pode ser a questão fundiáriaHerança, bem entendida, de um passado colonialista, que ainda subsiste como uma visão econômica-hegemônica que entende a terra como mercadoria e bem explorável com finalidade lucrativa. Esta é a visão que tem dominado a política tradicional devido ao poder econômico daqueles que usufruem da exploração dos bens naturais. A criação de reservas ambientais e a demarcação de terras indígenas retira este ativo do “mercado” na medida em que protege e valoriza o seu uso ecológico e social, garantindo também a reprodução física, cultural e espiritual dos povos indígenas e tradicionais. 

Por isso, os setores extrativistas são os beneficiários do desmantelamento da política indigenista do país levado a cabo sob o governo Bolsonaro e dispõem de recursos para fazer sua mensagem ecoar forte nos meios políticos-institucionais e na grande mídia. A dinâmica fundiária nacional sempre foi extremamente concentradora de terras nas mãos de poucos proprietários, que hoje se vendem como “salvadores” não apenas da pátria, mas do planeta, em termos de segurança alimentar. Esses atores, com influência política secular, querem nos fazer crer que a maioria da população brasileira é contrária à demarcação de terras indígenas ou a favor da exploração econômica de seus territórios, o que simplesmente não encontra respaldo nos dados disponíveis.

Assim, será interessante acompanhar, no caso da eleição de Lula, como o ex-presidente irá equacionar os interesses do agronegócio e das mineradoras – que estão em peso com Bolsonaro – com os compromissos políticos assumidos junto a lideranças indígenas e a opinião da maioria da população brasileira contrária à mineração em terras indígenas. Em suma, a batalha pela efetivação cotidiana dos direitos dos povos indígenas brasileiros deverá ter maior ressonância e visibilidade político-institucional, mas continuará dramática nos próximos anos.   

 

Helena Dolabela é pesquisadora de pós-doutorado no INCT IDDC. Graduada em Direito. Mestre em Ciência Política e Doutora em Antropologia pela UFMG. 

Leonardo Barros Soares é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Mestre e doutor em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Université de Montréal. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas.