Icaro Engler

 

A questão do meio-ambiente é um tema que vem ganhando centralidade no debate público brasileiro, principalmente pelas últimas notícias envolvendo o desmatamento e as ameaças e mortes de ativistas. Este descaso, tanto com o meio-ambiente, quanto com a vida dos ativistas no Brasil, vem sendo atribuído ao atual governo, ora devido a inação frente a problemas sociais e ambientais, ou seja, uma espécie de inércia visando a não resolução, ora agindo de forma ativa, através do sucateamento e desmantelamento de órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização e acompanhamento do meio-ambiente, como o Ibama e o ICMBio.

Durante o mandato deste governo, também foi possível identificar uma série de exonerações de servidores públicos que vinham atuando no combate a crimes ambientais, perdendo cargos de chefias e sendo alocados para funções menos prestigiosas. É possível identificar quatro casos exemplares de servidores que atuavam em defesa do meio-ambiente e que, devido a desavenças com o governo, acabaram perdendo os seus cargos. Esse fato acabou dando uma certa projeção política para esses nomes, tanto que hoje são candidatos a deputado federal.

O primeiro deles é Ricardo Galvão, que foi exonerado enquanto era diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2019, após o instituto divulgar dados sobre o aumento do desmatamento na Amazônia, que foram criticados pelo presidente Jair Bolsonaro. O diretor do Inpe, por sua vez, saiu em defesa do órgão respondendo ao presidente, mesmo sabendo que isso custaria o seu cargo. 

Ricardo Galvão é doutor em física pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts e professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Possui uma longa trajetória acadêmica e de pesquisas dentro das ciências brasileiras, ocupando cargos de diretor no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, presidente da Sociedade Brasileira de Física e membro da Academia Brasileira de Ciências.

A própria nomeação de Ricardo Galvão ao cargo de diretor do Inpe, em 2016, já trazia algumas questões à tona. Primeiro, houve uma demora de quatro meses até que ele tomasse posse, deixando o órgão sem diretor e causando uma certa insegurança nos demais servidores. Além disso, o órgão estava passando por uma defasagem de técnicos causada por falta de reposição dos servidores aposentados, dificultando o seu bom desempenho. 

O INPE, além de outras atribuições, é o órgão responsável pelos sistemas de monitoramento da Amazônia e divulgação dos seus relatórios. Ou seja, ao estar cumprindo o seu dever, Ricardo Galvão foi arrastado para o centro de uma polêmica com o presidente da República. Ricardo acabou ganhando fama na ocasião, inclusive internacional, tornando-se uma referência no combate ao negacionismo e defesa da ciência.

Outro caso é o do delegado da Polícia Federal, Alexandre Saraiva, que, em 2021, apresentou uma notícia-crime ao Superior Tribunal Federal (STF) contra o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alegando o crime de “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais.”

Alexandre Saraiva é graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e possui doutorado em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). É policial federal desde 2003 e já havia ocupado chefias de delegacias desde 2007, assumindo a sua primeira Superintendência em 2011, no estado de Roraima, em seguida no Maranhão, até chegar ao Amazonas. Isso aponta uma carreira em ascensão dentro da corporação, dificultada pelos últimos acontecimentos políticos.

Na ocasião, Alexandre Saraiva ocupava o cargo de superintendente da Polícia Federal do Amazonas, que, no ano de 2020, realizou a apreensão de uma carga de madeira avaliada em aproximadamente R$ 130 milhões de reais. O caso gerou uma reação contrária de Ricardo Salles que defendeu a legalidade do produto, chegando a realizar uma visita à região, onde se reuniu com os madeireiros. Essas desavenças com o Governo Federal custaram o cargo de Alexandre, que foi exonerado e alocado na Delegacia de Volta Redonda (RJ), não ocupando mais nenhum cargo de chefia.

Os últimos dois casos são de fiscais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Roberto Cabral e José Augusto Morelli, também removidos dos cargos que desempenhavam, juntando-se a uma lista de exonerações de fiscais com perfil técnico desde que Bolsonaro assumiu a Presidência.

Cabral foi retirado da Coordenação de Operações de Fiscalização (COFIS), onde atuava na condução de operações em campo, sendo transferido para serviços burocráticos internos, em Brasília. Isso após realizar uma investigação de maus tratos a 18 girafas que foram importadas para o Brasil. Apesar desse episódio, ele já era conhecido pela sua atuação em outras operações contra crimes ambientais de modo geral.

Ele é formado em Biologia e mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Brasília (UNB) e ingressou no Ibama em 2002, como analista ambiental, e em 2004 passou a atuar como agente ambiental federal. Em carta contra a sua remoção do cargo, os demais servidores afirmaram se tratar de uma retaliação devido ao grande desempenho de Cabral em fazer o seu trabalho, sendo também um ataque ao órgão como um todo.

No caso de José Augusto Morelli, o mesmo afirma que após aplicar uma multa ao então deputado federal Jair Bolsonaro em 2012, nunca mais teria participado de nada relevante no Ibama, alegando perseguição que teria resultado na perda de dois cargos de chefia e uma série de boicotes ao seu nome dentro do órgão.

Em 2012, Morelli ocupava o cargo comissionado de chefe do Centro de Operações Aéreas do Ibama. Enquanto realizava uma patrulha na estação ecológica de Tamoios, uma área protegida em Angra dos Reis (RJ), encontrou Jair Bolsonaro pescando em um local proibido. Bolsonaro se recusou a sair do local, recebendo por isso uma multa de R$10 mil reais. A própria multa depois foi anulada, não havendo nenhum desdobramento legal do caso.

Nestas eleições os quatro envolvidossão candidatos a deputado federal – Ricardo Galvão pela REDE-SP, Alexandre Saraiva pelo PSB-RJ, Roberto Cabral e José Augusto Morelli pela REDE-DF.

Além das candidaturas, o que esses quatro casos têm em comum é a não atuação na política institucional, ou seja, nunca ocuparam cargos partidários ou eletivos anteriormente. Mesmo assim, possuem um grande prestígio nas atividades desenvolvidas em suas carreiras profissionais e técnicas como servidores públicos. Soma-se a isso a atuação em defesa do meio ambiente, uma pauta central para se discutir no Brasil.

Em uma eleição onde há uma grande rejeição ao governo, candidatos notoriamente contrários à sua pauta anti ambiental e, ainda, com casos midiáticos de embate direto com Bolsonaro, podem captar um ganho político, obtendo sucesso eleitoral. Tratam-se de quatro nomes com grande conhecimento em suas áreas e que, caso eleitos, certamente atuarão para defender as pautas ligadas ao meio ambiente no Congresso Nacional.

 

Icaro Engler é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atualmente é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa.