O peso que os partidos MDB, PSDB, PSD e União Brasil terão no jogo político a partir de 2023 ainda é uma incógnita 

Carlos Ranulfo Melo*

Vamos aos fatos: uma eventual coligação PSDB (em federação com o Cidadania), MDB, PSD e União, dotada de ramificação em todo o território nacional, contando com vultosos recursos do Fundo Eleitoral e um enorme tempo para a propaganda gratuita, poderia ter impacto eleitoral. Partindo desse pressuposto, a questão é saber por que a centro-direita brasileira não conseguiu se articular e apresentar uma candidatura competitiva para as eleições.

A resposta passa, em boa parte, pela situação do sistema partidário brasileiro, que se encontra em estado de fluxo – não é mais o que era até 2014 e não se pode afirmar com certeza como será. A crise emitiu seus primeiros sinais nas manifestações de 2013, quando o veto à participação dos partidos nos protestos sinalizou para uma demanda não satisfeita pela representação política vigente. 

A isso seguiram-se a recessão do biênio 2015/2016, a Operação Lava Jato e as manifestações contra o governo eleito em 2014 que, somadas à ação estratégica de lideranças do Congresso, de setores do Judiciário e da sociedade civil, “autorizaram” a transformação das chamadas pedaladas fiscais em crime de responsabilidade e forneceram a cobertura legal ao impeachment de Dilma Rousseff. 

O resultado eleitoral de 2018 agravou a crise. Tucanos e emedebistas, atingidos por desdobramentos da Lava Jato, foram engolidos pela maré antipolítica. Carente de base social, o PSDB perdeu seu mais valioso ativo nos últimos anos, o antipetismo, e ficou sem ter onde se apoiar. A “fórmula mágica” do MDB, sucesso nas disputas para os governos estaduais como caminho para alcançar bancadas fortes em Brasília, deixou de funcionar. A legenda perdeu o lugar de ator pivotal no Congresso, que passou a ser ocupado pelo bloco impropriamente chamado de Centrão que, por sua vez, foi “alugado” por Bolsonaro. Tentando manter-se à tona, lideranças do DEM encaminharam uma fusão com o PSL. O ajuntamento pragmático daí criado, o União Brasil, foi parcialmente desidratado pelo bolsonarismo.

Um sistema partidário se define pela interação entre seus principais membros, em especial, no que se refere à disputa do governo central. A chegada de Bolsonaro à Presidência da República interrompeu o padrão de alternância existente até então – entre coalizões de centro-esquerda e centro-direita – e teve profunda repercussão sobre os partidos e suas interações.

Como resultado, o sistema partidário que orbitava em torno de PT, PSDB, MDB e, em menor grau, do DEM, deixou de existir. Somente o PT resistiu ao “tsunami” graças a seu enraizamento em parcela do eleitorado e, especialmente, ao prestígio de Lula. A centro-direita, por sua vez, foi fortemente atingida e se desorganizou por completo. Essa foi a principal consequência da crise.

Na ausência de um partido capaz de assumir protagonismo a partir do centro, a eleição de 2022, como seria de se esperar, mantém o padrão de 2018. O país já havia experimentado, em 1989, uma eleição em que o centro político – à época representado pelo PMDB – não se revelara minimamente competitivo. A diferença é que em 2022, ao contrário do que ocorreu em 1994, o centro não teve forças para se reapresentar e atrair parte da direita.

Esta é a razão pela qual a chamada terceira via nunca passou de uma ilusão. Os partidos que poderiam lhe conferir musculatura – MDB, PSDB, União Brasil e PSD, simplesmente não tinham capacidade e unidade para tanto. O atual quadro torna isso claro.

O PSDB sequer conseguiu manter sua candidatura. Seu apoio à candidata do MDB não revela qualquer entusiasmo e o mais provável é que seus candidatos nas distintas seções estaduais tratem de cuidar de sua sobrevivência, em muitos casos sem se preocupar em demarcar com o bolsonarismo, como é o caso da disputa pelo governo de São Paulo. O MDB, por sua vez, está notoriamente polarizado pela candidatura do Lula. O PSD, definido desde o berço como uma legenda que não é “de direita, de esquerda, nem de centro”, confirmou que não é mesmo nada além de um aglomerado de forças regionais de olho em algum espaço na esfera federal. Incapaz de se definir, divide-se entre Lula e Bolsonaro, a depender das circunstâncias. O mesmo vale para o União Brasil: em Goiás e no Mato Grosso seus candidatos a governador apoiam Bolsonaro; no Piauí e na Bahia não querem o atual presidente no palanque e no Ceará o capitão Wagner não diz nem sim nem não. Sacramentando a “união”, Bivar, o presidente do partido decidiu apoiar Lula e ainda especulou com a possibilidade, de resto inexistente, de levar a sigla para o mesmo caminho.

O que acontecerá com o sistema partidário a partir do ano que vem depende de vários fatores, entre os quais o desfecho da disputa pela Presidência da República. O que parece certo é que PP, PL e Republicanos irão crescer; afinal contam com vultosos recursos governamentais, verba das emendas de relator e uma candidatura competitiva à Presidência. O mesmo deve ocorrer, ainda que em menor proporção, com a esquerda, pela força das federações e devido ao “efeito arraste” de Lula. O peso de MDB, PSDB, PSD e União Brasil no jogo político a partir de 2023, no entanto, é uma incógnita; depende da sorte de seus candidatos a governador – mas isso é outra história.

*Carlos Ranulfo Melo é doutor em ciência política, professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos. Autor de “Retirando as Cadeiras do Lugar: Migração Partidária na Câmara dos Deputados”, coautor de “Governabilidade e Representação Política na América do Sul” e coeditor de “La Democracia Brasileña: Balance y Perspectivas para el Siglo XXI”. Tem artigos publicados sobre partidos, estudos legislativos e instituições comparadas com foco no Brasil e nos países da América do Sul.Carlos Ranulfo Melo