Humberto Dantas 

Bruno Souza da Silva

Publicado no Congresso em Foco

 

As chaves analíticas mais recentes para as eleições paulistas podem ser divididas em dois blocos de questões que tendem a se misturar. No primeiro deles, temos a conjuntura das eleições de 2022 que aponta para algo inédito no estado. Já no segundo bloco, temos uma lógica nacionalizada, que entre 2002 e 2010 foi caracterizada por um embate entre PT e PSDB com predomínio dos tucanos e forte impacto do antipetismo antes e depois desse período. Neste ponto, vale fazer um resgate do papel dos tucanos na construção das disputas políticas majoritárias no estado a fim de se compreender as características fundamentais da competição política paulista.  

O PSDB domina eleitoralmente o estado desde o pleito de 1994, uma hegemonia que não encontra semelhança em qualquer outra unidade federativa do país. Em 1994 e 1998, o embate central ficou entre o grupo que nascia com a ascensão nacional e estadual do PSDB. Este grupo se dirigia contra, predominantemente, duas elites: por um lado, o conservadorismo de Paulo Maluf e, por outro, o governo do PMDB que nasceu no combate ao regime militar com Franco Montoro – governador eleito em 1982 – e posteriormente elegeu Orestes Quércia em 1986 e Antônio Fleury Filho, em 1990. O pleito de 2002 marca o protagonismo do PT em nível federal e estadual. O segundo turno da eleição para governador daquele ano ocorreu entre José Genoíno (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) em uma disputa na qual o PT ficou mais próximo de conquistar o estado. No entanto, a vitória acabou sendo de Alckmin por 59% a 41%.

Nas disputas seguintes, até 2014, o PSDB conquistou a vitória sempre no primeiro turno: José Serra em 2006, Alckmin em 2010 e 2014 (nesse ano, o segundo colocado havia sido Paulo Skaf do PMDB à época). O ponto mais alto da resistência a um partido de esquerda no estado se verificou em 2018, quando João Dória (PSDB) manteve o partido no comando das eleições, derrotando o Partido Socialista Brasileiro de Márcio França, o qual havia herdado o governo de Geraldo Alckmin, candidato a presidente na ocasião pelo PSDB. Márcio França saiu derrotado das eleições estaduais em 2018 e seu correligionário, Alckmin, recebeu fortes críticas devido ao fato de França pertencer ao PSB.

Sob esse recorte histórico, o pleito de 2022 se desenha a partir de alguns contornos inéditos. Existem espaços a serem ocupados na política estadual e também para a ressignificação da esquerda. A eleição para governador começa, ainda antes do início oficial das campanhas, com quatro candidatos competitivos: Fernando Haddad (PT), Márcio França (PSB), Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia, vice-governador eleito em 2018 pelo DEM e tucano novo. Até certo ponto do primeiro semestre deste ano, as pesquisas mostravam a esquerda liderando com seus dois candidatos (Haddad e França), em um cenário absolutamente improvável de se concretizar. 

São Paulo é um estado conservador que em 2014 teve o segundo maior percentual de votos pró-Aécio no segundo turno e, em 2018, entregou mais de dois terços dos votos a Bolsonaro. França governou o estado e foi candidato majoritário derrotado em 2018 e na capital em 2020 nas eleições municipais – apesar de ter sido prefeito de São Vicente, na Baixada Santista, seu principal reduto. Haddad foi candidato ao Planalto em 2018 e prefeito eleito da capital em 2012. Ambos tinham um recall considerável. Mas também era esperada a subida de Garcia, pela força extrema da máquina estadual paulista, e/ou de Freitas, pela potência da máquina federal e do bolsonarismo. Isso levava à percepção de que uma eleição dividida em quatro seria disputada na forma de semifinais. De um lado, os candidatos de esquerda tentando levar Haddad ou França à segunda rodada, e à direita, a disputa entre Freitas e Garcia. O embate da esquerda se resolveu nos bastidores: França será candidato ao Senado, deixando o caminho para Haddad disputar a preferência do eleitor paulista pela esquerda. 

França, que conduziu o governo paulista entre abril e dezembro de 2018, lidera as pesquisas mais recentes ao Senado. Mas é importante considerar que ele tem menos de 30% dos votos, seus adversários mais conservadores aparecem com algo na casa de 15 pontos e o volume de indecisos ainda é grande. Seus adversários mais competitivos são a deputada estadual Janaína Paschoal, eleita pelo PSL e hoje no PRTB, e o ex-ministro de Bolsonaro e astronauta Marcos Pontes (PL). Ambos não conseguiram reunir o conservadorismo bolsonarista numa mesma chapa e parecem enfraquecidos. A chapa de Rodrigo Garcia lança, pelo MDB, o ex-PSDB e ex-deputado, secretário de vários governos tucanos, Edson Aparecido – sendo que aqui parece haver um “acordo de cavalheiros” que teria levado a um apoio velado à França, o qual ao retirar a candidatura ao governo do estado teria ajudado Haddad, mas também Rodrigo Garcia, que o retribuiria com o apoio a uma candidatura menos forte ao Senado. Além disso, a esposa de França será vice de Haddad, que conta com a maior rejeição entre todos os nomes que disputam o governo, mas consegue vencer simulações de segundo turno por margens estreitas – na última pesquisa da Genial Quaest, por exemplo, 49% não votariam nele de forma alguma. Já na pesquisa do Ipec a rejeição é de 32% e no Datafolha 30%. 

Na outra semifinal, algo bastante desafiador aparece no horizonte eleitoral: o novo e antigo conservadorismo paulista em choque. O tradicional PSDB tentando se desvincular da imagem e do estrago promovido por Dória no ninho tucano, que afugentou Márcio França e Geraldo Alckmin para o guarda-chuva de Lula, contra a intensidade de um bolsonarismo que, na voz do ex-ministro Tarcísio de Freitas, tenta ser um pouco mais ameno. Um deles deve disputar o segundo turno contra o PT, sendo improvável nesse instante que os dois o ultrapassem. Tarcísio é neófito e precisará superar o antibolsonarismo, também expressivo no estado, enquanto Garcia tem às costas a fadiga tucana e a resistência à Dória, que ele tenta esconder. Rodrigo Garcia tem um governo visto como regular por mais de 40% dos paulistas, segundo a Quaest, e por estar mais ao centro pode ser mais competitivo contra Haddad, sobretudo considerando um segundo turno estadual que poderá estar imerso em um eventual segundo turno nacional entre Lula e Bolsonaro. 

Contribui para essa análise, e para testar o que seria um novo momento de uma esquerda mais competitiva no estado, a eleição presidencial. Pesquisa do Ipec finalizada em 14 de agosto mostra Lula (PT) com 43% dos votos no estado e Bolsonaro com 31%. A rodada da Quaest do começo de agosto tinha 37% para o petista e 35% para o atual presidente. A última pesquisa do Datafolha mostra o petista com 44% e o presidente com 31%.

Por fim, um comentário sobre as disputas proporcionais. A onda de votos no PSL em 2018 foi avassaladora. O partido teve 21% das posições válidas para a Câmara dos Deputados e 19% para a Assembleia no estado. Nominalmente, Janaína Paschoal superou dois milhões de votos, com 10% do total, para a Alesp. Ademais, a dupla Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann fez mais de um milhão de votos cada para a conquista de vagas para a Câmara dos Deputados. Devido às regras vigentes e à exigência de 10% do quociente eleitoral em votos nominais, diversos candidatos do PSL ficaram de fora da lista de eleitos, o que levou o partido, sem sucesso, ao Supremo Tribunal Federal, para questionar a constitucionalidade da lei. 

Esse resultado extremo não deve se repetir, sendo esperado, diante das novas regras de nominatas mais enxutas e do fim de alianças para os pleitos proporcionais, uma distribuição menos desequilibrada de votos entre partidos e postulantes. Também contribui para isso um ambiente menos hostil em relação à política em comparação com 2018. Até o momento, segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral, 1.510 candidatos a deputado federal buscam as setenta cadeiras em disputa no estado e 2.028 disputam as 94 cadeiras da ALESP. 

 

Humberto Dantas é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e diretor do Movimento Voto Consciente.

Bruno Souza da Silva é mestre em Ciências Sociais, doutorando em Ciência Política pela Universidade de Campinas e diretor do Movimento Voto Consciente.