As disputas para os governos estaduais na reta final do 2º turno

As disputas para os governos estaduais na reta final do 2º turno

Luciana Santana e Marta Mendes da Rocha

Publicado no JOTA

Nas eleições para os governos estaduais, 15 dos 27 estados definiram a eleição no primeiro turno. Em outros 12 estados a decisão será conhecida neste domingo (30). É o caso de Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. Neste artigo, analisamos a possibilidade de vitória dos candidatos(as) a partir das pesquisas mais recentes realizadas pelo Ipec, divulgadas entre 11 e 28 de outubro.

Disputas nacionalizadas no Sudeste

No Sudeste, dois estados decidirão seus governadores neste domingo e em ambos a disputa segue nacionalizada. No Espírito Santo, contrariando as pesquisas que indicavam a reeleição de Renato Casagrande (PSB) no primeiro turno, a decisão foi adiada e o governador enfrenta o ex-deputado federal Carlos Manato (PL).

A última pesquisa Ipec, do dia 21 de outubro, dava uma vantagem de 9 pontos para Casagrande (49 x 40 nas intenções de voto, correspondendo a 55 x 45 dos votos válidos). Apesar da dianteira do aliado de Lula, Bolsonaro está na frente no estado, com 51% das intenções de voto contra 41% do petista. No primeiro turno, o governador ofereceu um apoio apenas discreto a Lula porque sabia que poderia precisar dos votos dos eleitores de Bolsonaro. No segundo turno, contudo, o cenário tendeu a se nacionalizar com a presença de um desafiante claramente alinhado ao presidente.

Em São Paulo, a disputa entre Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) reproduz com força a polarização da eleição presidencial. Haddad terminou o primeiro turno com 35,7% dos votos válidos, atrás de Tarcísio de Freitas com 42,3%, contrariando o que indicavam todas as principais pesquisas. Segundo pesquisa Ipec do dia 25 de outubro, na reta final da campanha, os candidatos aparecem empatados tecnicamente, com 46% de Tarcísio contra 43% de Haddad, equivalente a 52% x 48% em votos válidos. Na pesquisa espontânea, na qual não são lidos os nomes dos candidatos, eles também estão muito próximos, com Tarcísio à frente com 35% contra 32% de Haddad.

O ex-ministro de Bolsonaro busca colar cada vez mais sua imagem à do presidente e conta com apoio do atual governador Rodrigo Garcia (PSDB), que terminou o 1º turno em terceiro lugar. Haddad, por sua vez, tenta explorar a seu favor a ideia de que Tarcísio não conhece São Paulo e o acontecimento recente envolvendo a equipe de campanha de Tarcísio em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Há indícios de que a equipe possa ter tentado forjar um atentado em evento que resultou na morte de Felipe Silva e Lima, de 28 anos. Um dos seguranças de Tarcísio teria sido o responsável pela morte. Além disso, a campanha foi acusada de tentar destruir provas. A pesquisa a ser divulgada pelo Ipec às vésperas da eleição dirá se este fato impactou o eleitorado contra Tarcísio e a favor de Haddad. Contudo, não se pode subestimar a força do antipetismo no estado: segundo a última pesquisa Ipec, Haddad apresenta 43% de rejeição contra 31% de Tarcísio. Esta pesquisa também mostrou empate técnico entre Bolsonaro (47% das intenções de voto) e Lula (44%).

Entre o bolsonarismo e a neutralidade em disputas nos estados do Sul

No Sul do país, em dois estados a disputa será decidida no segundo turno. Em Santa Catarina o cenário não traz muitas surpresas. O senador Jorginho Mello (PL), que terminou o primeiro turno à frente com 38,6% dos votos válidos, lidera as pesquisas na segunda rodada. Ele aparece na última pesquisa Ipec (18 de outubro) com 59% das intenções de voto contra 26% do ex-deputado federal e ex-prefeito de Blumenau, Décio Lima (PT). Em votos válidos Jorginho tem 69% contra 31% do petista.

O cenário não surpreende devido à força da direita e de Bolsonaro no estado. No primeiro turno, Bolsonaro venceu em 263 cidades catarinenses ante 32 de Lula, e teve 62,2% dos votos válidos contra 29,5% do ex-presidente. O candidato alinhado a Bolsonaro recebeu o apoio dos candidatos derrotados no primeiro turno (com exceção do PDT) e das principais forças políticas do estado. Assim, embalado no fortalecimento de uma direita mais ideológica e na força de Bolsonaro, Jorginho não deve encontrar problemas para confirmar seu favoritismo no próximo domingo.

No Rio Grande do Sul, depois da surpresa do primeiro turno quando o ex-ministro de Bolsonaro Onyx Lorenzoni (PL) terminou à frente com 37,5% dos votos contra 26,81% de Eduardo Leite (PSDB), alguns analistas esperavam o alinhamento de Leite com a candidatura de Lula a nível nacional como forma de atrair os votos da esquerda gaúcha. Este alinhamento não ocorreu. Leite optou por permanecer neutro frente à uma candidatura fortemente alinhada a Bolsonaro, contando que poderia atrair os votos dos lulistas devido à rejeição ao candidato do PL. Sua estratégia pareceu acertada, já que mesmo sem o apoio de Leite, o PT gaúcho declarou voto crítico no candidato do PSDB, visto como alternativa menos pior diante da possibilidade de vitória de um dos principais aliados de Bolsonaro.

Segundo a última pesquisa Ipec, divulgada no dia 28 de outubro, Leite aparece com 50% das intenções de voto contra 40% de Onyx, o correspondente a 56% x 45% dos votos válidos. Se o favoritismo de Leite se confirmar neste domingo, o Rio Grande do Sul reelegerá pela primeira vez um governador desde que esta possibilidade foi introduzida, em 1997, e o PSDB terá garantido uma sobrevida no comando do quinto maior colégio eleitoral do país.

Bolsonarismo vivo na única disputa no Centro-Oeste e nas disputas na região Norte
Único estado da região Centro-Oeste com disputa em segundo turno para o cargo de governador, a eleição em Mato Grosso do Sul tem sido marcada pela força do bolsonarismo, seja no alinhamento de Capitão Contar (PRTB) à candidatura presidencial de Bolsonaro ou por impulsionar a neutralidade de Eduardo Riedel (PSDB). O resultado do primeiro turno no estado refletiu o peso do apoio de Bolsonaro na região, e deixou fora do segundo turno políticos tradicionais do estado. A eleição sul-mato-grossense é uma das mais incertas deste segundo turno e deve ser decidida voto a voto. Segundo a última pesquisa Ipec, os dois candidatos aparecem com 45% das intenções de voto ou 50% dos votos válidos.

Bolsonaro também influencia as duas disputas na região Norte. Em Rondônia, os dois candidatos estão alinhados ao presidente, em uma competição ainda indefinida. De acordo com a última pesquisa Ipec, Marcos Rogério (PL) e Coronel Marcos Rocha (União Brasil) possuem 45% das intenções de voto ou 50% dos votos válidos cada um.

No Amazonas, Wilson Lima (União Brasil) disputa a reeleição contra o ex-governador Eduardo Braga (MDB), com boas chances de ser reconduzido. Na pesquisa Ipec de 21 de outubro, Lima aparece com 53% das intenções de voto contra 41% de Braga, o que significa 56% dos votos válidos contra 44%.

A força da esquerda nas disputas no Nordeste

A movimentação do xadrez político alagoano despertou atenção não apenas no estado, mas de todo o país, seja pelo apoio de lideranças nacionais às candidaturas que disputam o segundo turno, seja por decisões judiciais como a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afastou o governador e candidato à reeleição, Paulo Dantas (MDB), ou a da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu, por unanimidade, lhe devolver o mandato no último dia 25 de outubro.

Dantas é o candidato do grupo do senador Renan Calheiros (MDB) e tem hoje apoio de Lula. Na pesquisa Ipec divulgada no dia 20 de outubro, Dantas aparecia com 49% das intenções de voto ante 40% de Rodrigo Cunha (União Brasil). Entretanto, a pesquisa do dia 28 aponta empate técnico entre os dois candidatos, 46% de Dantas contra 42% de Cunha, o que representa, em votos válidos, 52% contra 48%. Apesar do favoritismo de Dantas, o cenário ainda é muito incerto. Seria um caso inédito de virada do segundo colocado no 1º turno sobre o primeiro, já que Cunha teve apenas 26,79% dos votos válidos ante 46,6% de Dantas.

A Bahia é o quarto colégio eleitoral mais importante do país e surpreendeu todos os diagnósticos eleitorais que apontavam a vitória de ACM Neto (União Brasil) em 1º turno. Pela primeira vez a disputa no estado seguiu para o 2º turno, e Jerônimo Rodrigues (PT) terminou a disputa à frente de ACM Neto. A pesquisa Ipec divulgada no dia 21 de outubro mostra uma disputa bastante polarizada. Na pergunta estimulada a diferença entre os dois é de 4 pontos, Jerônimo é citado por 48% dos entrevistados e ACM por 44%. Considerando apenas votos válidos, o petista teria 52% contra 48% de ACM. Apesar do cenário de incerteza, pela trajetória eleitoral desde o primeiro turno, Jerônimo aparece com mais chances de vencer o pleito e manter a hegemonia do PT no estado.

A judicialização da disputa em Sergipe teve reflexos na disputa acirrada entre as candidaturas que disputam o 2º turno. A candidatura de Valmir de Francisquinho (PL) foi impugnada ainda no 1º turno, seu nome apareceu nas urnas, mas seus votos foram invalidados. A disputa ficou entre Rogério Carvalho (PT), sustentado por redes de apoio profissionais, e Fábio Mitidieri (PSD), que manteve palanque neutro e consolidou uma base de apoio formada essencialmente por grupos políticos de base familiar. Na pesquisa de 20 de outubro, o petista aparece com 43% ante 40% de Mitidieri, um resultado apertado quando traduzido em votos válidos: 51% a 49%. Um cenário marcado por muita indefinição no estado.

Além de Fátima Bezerra, reeleita para o Rio Grande do Norte, o Nordeste terá mais uma governadora eleita neste domingo, em Pernambuco, com a disputa entre Marília Arraes (Solidariedade) e Raquel Lyra (PSDB). Raquel, que preferiu não declarar apoio a uma candidatura presidencial, lidera as pesquisas. De forma espontânea é citada por 43% contra 34% de Arraes na pesquisa divulgada no dia 25 de outubro. Na estimulada, a distância entre elas passa a ser de 8 pontos, Raquel tem 51% das intenções de votos contra 43% de Marília, o que corresponde a 54% de votos válidos ante 46%. Nessa toada, o PSDB pode ter uma governadora eleita em Pernambuco.

Na Paraíba, o governador João Azevêdo (PSB) lidera as pesquisas e enfrenta uma situação mais confortável para ser reeleito. A diferença para o seu adversário Pedro Cunha Lima (PSDB) é de 5 pontos, com 47% ante 42% do tucano, o equivalente a 53% dos votos válidos ante 47%.

Apoios aos candidatos no segundo turno

Assim como no primeiro turno, a posição dos candidatos (as) em se alinharem (ou não) às candidaturas presidenciais tornou-se uma estratégia de sobrevivência, com o principal objetivo de ampliar suas bases eleitorais. No segundo turno, dentre os eleitos, 9 declararam apoio a Bolsonaro e 6 a Lula.

Nos demais estados que ainda disputam o segundo turno, 4 deles possuem disputadas polarizadas e alinhadas às candidaturas presidenciais: Amazonas, Espírito Santo, Santa Catarina e São Paulo. Em outros 7 estados, pelo menos uma das candidaturas não oficializou um palanque presidencial: Rodrigo Cunha em Alagoas, ACM Neto na Bahia, Eduardo Riedel em Mato Grosso do Sul, Pedro Cunha Lima na Paraíba, Raquel Lyra em Pernambuco, Fábio Mitidieri em Sergipe e Eduardo Leite no Rio Grande do Sul. Em Rondônia, Bolsonaro possui dois palanques, Marcos Rocha e Marcos Rogério.

A neutralidade em alguns palanques parece ter sido uma estratégia eficiente, mas não deve ser o que definirá a situação em alguns estados nos quais fatores locais também impactam na decisão do eleitor.

 

Luciana Santana
Mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e do PPGCP/UFPI, líder do grupo de pesquisa Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a diretoria da regional Nordeste da ABCP.

Marta Mendes da Rocha
Professora associada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde coordena o Núcleo de Estudos sobre Política Local (Nepol). Possui doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Foi pesquisadora visitante na University of Texas at Austin com bolsa da Fulbright Fundation. Web page: martamrocha.com

Eleição no Rio Grande do Sul: nada de muito novo no front

Eleição no Rio Grande do Sul: nada de muito novo no front

Paulo Peres

Congresso em Foco

 

As votações do primeiro turno no Rio Grande do Sul foram surpreendentes. Como mostram os dados da Tabela 1, as duas últimas pesquisas realizadas antes do comparecimento às urnas fotografaram Eduardo Leite (PSDB) muito à frente do segundo colocado, Onyx Lorenzoni (PL). Edegar Pretto (PT), quase fora do enquadramento das lentes, aparecia num distante terceiro lugar, completamente fora do páreo. Os votos digitados nas tão malhadas urnas eletrônicas, entretanto, registram uma paisagem marcadamente destoante das pesquisas.

 

Já durante a apuração, os tucanos gaúchos viram a sua plumagem se eriçar mais e mais a cada nova contabilização. Lorenzoni, para assombro geral, cruzou a linha de chegada em primeiro lugar, com uma votação muito acima do previsto e numa folgada distância do segundo colocado. Pasmos, os riograndenses ainda assistiram a acirrada competição, palmo a palmo, voto a voto, pela outra vaga ao segundo turno. Leite, até então o pole-position nas pesquisas, quase viu as suas chances de seguir no Palácio do Piratini derraparem na última curva eleitoral – acossado pelo expressivo desempenho da candidatura petista, chegou na dianteira por uma diferença de pouco mais de inacreditáveis dois mil votos. É fato: as estimativas das pesquisas eleitorais mostraram-se substantivamente equivocadas.
Tabela 1. Pesquisas de Intenção de Voto X Resultado Eleitoral*

* Margens de erro: RTBD [3%] e IPEC [3%].

**Os dados referentes às demais candidaturas estão excluídos, por isso o total não soma 100%.

***Real Time Big Data.

**** Bancos/Nulos/Não souberam responder/Não quiseram responder.

***** Somatória dos votos em branco e nulos apurados.

 

Não obstante, embora surpreendente, o resultado confirmou as expectativas que tinham sido delineadas no artigo anterior. Em primeiro lugar, em paralelo com as intenções de voto deste ano, o padrão histórico-eleitoral do estado apontava para a maior probabilidade de haver segundo turno. Isto se confirmou. Em segundo lugar, (a) a persistência da centro-direita como a principal força política nas disputas para governador (MDB e PSDB), somada (b) ao gradativo declínio eleitoral da centro-esquerda (PT) desde 2010 e (c) ao crescimento da direita desde 2018, davam pistas de que o conteúdo ideológico da recorrente bipolaridade assumiria uma nova configuração: centro-direita versus direita. Antes, vale lembrar, havia sido entre centro-direita e centro-esquerda (1982-2014), e, depois, em 2018, entre duas forças de centro-direita (MDB versus PSDB). Isto também se confirmou. Agora em 2022 a esquerda voltou a crescer e quase ultrapassou a candidatura de centro-direita, provavelmente catapultada pela campanha nacional sob a liderança de Lula.

 

A terceira expectativa, a se confirmar no dia 30 de outubro, é a reeleição de Eduardo Leite. A evolução das intenções de voto registradas pelas pesquisas, em parte, reforça essa possibilidade. Os dados dos dois levantamentos da Paraná Pesquisas, exibidos na Tabela 2, são os únicos que mostram Lorenzoni em efetiva vantagem na disputa – os números capturados em 6 de outubro praticamente se repetiram na pesquisa do dia 20. No caso da pesquisa da Real Time Big Data, houve modificação nas intenções de voto entre os dias 12 e 19 de outubro. Apesar disto, ambas as candidaturas estão parelhas. 

 

Tal dinâmica foi confirmada pela única pesquisa que a Atlas-Intel realizou até o momento e que foi divulgada há pouco mais de uma semana. O empate técnico mensurado por esse levantamento está no limite das margens de erro, com Leite numa posição mais próxima de alcançar a vitória. Na primeira pesquisa do IPEC, Leite já apareceu à frente de Lorenzoni, fora da margem de erro, e cujos valores voltaram a ser registrados na pesquisa do dia 21. 

*Margens de erro: Paraná Pesquisas [2,5%], RTBD [3%], IPEC [3%] e Atlas-Intel [2,5%].

**Real Time Big Data.

De fato, essa dinâmica expressa a própria racionalidade da transferência dos votos depositados no primeiro turno aos competidores do segundo turno. O Gráfico 1 mostra que, no colégio eleitoral do Rio Grande do Sul, houve uma expressiva dissintonia nos votos para presidente e governador das candidaturas do PL e do PT. No caso do PL, a diferença das votações em Lorenzoni e Bolsonaro totaliza 11,4%. Podemos inferir disto que alguma parcela desta ‘sobra’ tenha se distribuído, principalmente, nas candidaturas alternativas de direita (PP, PSC e Novo), que, somadas, obtiveram 6,9% dos votos. Dessa maneira, é plausível supor que os 4,5% restantes, provavelmente, votaram em Eduardo Leite. Portanto, a candidatura de Onyx Lorenzoni tem um potencial de votos abaixo dos cerca de 49% recebidos por Bolsonaro no estado. Sintomaticamente, a somatória dos votos de Lorenzoni no primeiro turno com os votos das demais candidaturas de direita resulta em 43,6%, um valor muito próximo ao registrado pelas pesquisas da Atlas-Intel e do IPEC. Vá lá, na melhor das hipóteses, o potencial de votos de Lorenzoni é igual à votação de Bolsonaro no primeiro turno – 48,9%.

 

A diferença nos votos para governador e presidente, no caso do PT, também foi expressiva – 15,6 pontos percentuais. Por um lado, isso mostra a base eleitoral cativa do PT, que se situa em torno dos 27% dos votos em Edegar. Por outro, o excedente (15,6%) exprime um posicionamento eleitoral seja de adesão à figura pessoal de Lula seja de rejeição a Bolsonaro, ou as duas coisas simultaneamente. Seja como for, os donos dos votos excedentes à base eleitoral petista, por coerência, não tenderão a votar em Lorenzoni no segundo turno. Ainda menos coerente seria esperar que uma quantidade relevante dos eleitores de Edegar venham a escolher o candidato de Bolsonaro no RS (não obstante exista uma coerência de longo prazo para alguns petistas que decidirem votar em Lorenzoni, mas que aqui, por carência de espaço, não convém explorar).

 

É possível supor que alguma parcela dos 15,6% de votos que Lula teve a mais do que Edegar tenham sido dados, em menor número, às candidaturas alternativas de esquerda (PDT, PSB, PSTU e PCB), que somaram 2,03% de votos, e, em maior quantidade, ao próprio Eduardo Leite. Descontando-se os votos somados das candidaturas alternativas de esquerda do voto excedente de Lula no estado, temos 13,57% como uma fatia do eleitorado possivelmente antibolsonarista, que, por lógica, votou no PT para presidente e no PSDB para o governo do estado. Subtraindo este valor da votação alcançada por Leite, no primeiro turno, temos 13,23% de prováveis eleitores de centro-direita que não apoiam nem o PT e nem o PL no estado – claro, alguns podem apoiar Bolsonaro, mas não Lorenzoni.

 

Não é por menos, então, que, no segundo turno, Leite manteve a estratégia de evitar a nacionalização da campanha e, assim, ter que se posicionar mais claramente na competição para a Presidência da República. Boa parte do seu eleitorado votou em Lula no primeiro turno; outra parte rejeita o PT. Agora, Leite não poderá perder os votos recebidos daqueles que (a) rejeitam Lorenzoni e Bolsonaro, (b) rejeitam Lorenzoni, mas não Bolsonaro, (c) rejeitam o PT, mas não Lula (d), (e) rejeitam o PT, Lula e Bolsonaro e (d) rejeitam o PT, Lula, Lorenzoni e Bolsonaro. Além disto, terá que ser ‘merecedor’ dos 26,7% que votaram em Edegar – se receber a transferência total desses votos e mantiver a sua base eleitoral do primeiro turno, Leite tem um potencial eleitoral de 53,5%, mais do que suficiente para quebrar o ‘tabu da reeleição’.

 

Entretanto, aqui cabe uma nota de cautela. Embora tenha como premissa a coerência ideológica do voto, este exercício é uma conjectura que pressupõe uma série de condições que não necessariamente serão mantidas. Em outras palavras, não se trata de uma previsão – ver antes o que, certamente, acontecerá –, mas de uma projeção – jogar para o futuro um cenário plausível de fatos presentes. Como em qualquer projeção, este exercício apresenta uma expectativa, uma hipótese a ser confirmada pelos eventos. Entretanto, temos elementos para concluir que a dura competição neste segundo turno pelo governo do estado se dá num contexto propício à recondução de Eduardo Leite ao Palácio do Piratini.

 

Aqui também cabe uma reflexão interpretativa final que transcende a disputa em curso. Este segundo turno no estado é fundamental para o jogo político nacional dos próximos anos. Em primeiro lugar, o PSDB aposta as suas últimas fichas na eleição do seu candidato para evitar que o partido vá de vez à bancarrota. Em segundo lugar, se eleito, Leite terá a possibilidade de buscar a projeção necessária para que venha a se tornar uma liderança da centro-direita do país com vistas à eleição presidencial de 2026.

 

Paulo Peres é doutor em Ciência Política pela USP e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde também é diretor do Núcleo de Estudos sobre Partidos e Democracia. 

 

Direita contra direita: o segundo turno em Mato Grosso do Sul

Direita contra direita: o segundo turno em Mato Grosso do Sul

Daniel Estevão Ramos de Miranda

Publicado no Brasil de Fato

Como ocorreu nas demais eleições pelo país, o resultado das eleições em Mato Grosso do Sul ficou distante do cenário desenhado pelas pesquisas. O ex-governador André Puccinelli (MDB), dado como certo no segundo turno, ficou em terceiro lugar. Foram para o segundo turno Eduardo Riedel (PSDB) e, talvez, a segunda maior surpresa da eleição: o Capitão Contar (PRTB). 

O resultado mais surpreendente, no entanto, foi o de Marquinhos Trad (PSD): em sexto lugar, atrás inclusive de Giselle do PT, que praticamente nunca pontuou mais que 5% em nenhuma pesquisa. Seus aliados e apoiadores, a imprensa e até mesmo seus adversários, consideravam Marquinhos Trad, ex-prefeito de Campo Grande, um concorrente forte na disputa pela segunda vaga para o segundo turno. O eleitorado não.

A vitória do Capitão Contar no primeiro turno pode ser quase inteiramente creditada à força do bolsonarismo no estado. Filiado a um partido minúsculo, sem grandes alianças ou coligações, fez de sua campanha um palanque permanente de promoção da candidatura presidencial de Jair Bolsonaro, que por sua vez estava vinculado oficialmente à candidatura de Eduardo Riedel por meio da coligação do PL com o PSDB no estado. 

Contudo, provocado por Soraya Thronicke (União) no último debate presidencial do primeiro turno (na madrugada do dia 29 para o dia 30 de setembro), Bolsonaro declarou apoio e pediu voto para o Capitão Contar que, sem dúvida nenhuma, foi o candidato mais beneficiado por aquele debate, marcado pelo baixo nível das discussões.

É muito difícil mensurar o quanto tal apoio repercutiu nas preferências eleitorais sul-mato-grossenses, mas tendo em vista a densa e ágil atuação bolsonarista nas redes sociais, não se pode desprezar aquele evento como impulsionador da candidatura de Renan Contar para o segundo turno.

Dado que a eleição presidencial também terá um segundo turno, a estratégia de Contar é a mesma do primeiro: “casar” seu nome e número com os de Bolsonaro, o qual teve pouco mais de 794 mil votos em MS. Contar, por sua vez, obteve aproximadamente 410 mil votos a menos que Bolsonaro. Dado que a correlação entre a votação de Bolsonaro e a de Contar foi altíssima em MS, pode-se supor que a votação do Capitão Contar tende a subir significativamente na medida em que aqueles mais de 400 mil votos dados a Bolsonaro, mas não a Contar, migrem para esse último.

Ciente disso, um dos primeiros movimentos da campanha de Riedel foi justamente o de tentar neutralizar a carona da candidatura Contar nos votos de Bolsonaro. Logo no dia 5 de outubro, a senadora eleita por MS, Tereza Cristina (PP), aliada de primeira hora de Riedel, divulgou um vídeo no qual o presidente Bolsonaro informa que “por um dever de lealdade, do bom ensinamento político, ficaremos neutros em Mato Grosso do Sul neste segundo turno”. Tal declaração confere maior liberdade à campanha de Riedel para associá-lo a Bolsonaro sem ser “desmentido” pelo próprio. 

Além disso, a força de Riedel reside no interior do estado: venceu em 51 municípios (64%), resultado da capilaridade do PSDB (que elegera quase metade dos prefeitos de MS em 2018) e do apoio da máquina estadual, cujo continuísmo representa. Outra frente explorada por Riedel é a da sociedade civil, intensificando visitas e assinaturas de acordo com sindicatos, associações e setores econômicos na expectativa de reverter em votos os apoios e acordos assim feitos. 

Outro cenário de luta é a capital: Campo Grande concentra aproximadamente 1/3 do eleitorado de MS e, nela, Capitão Contar venceu com 26% dos votos, sendo que Riedel ficou em quarto lugar, com 14%. Ou seja, 60% dos votos foram dados a outros candidatos ao governo na capital. Dado que o presidente Bolsonaro teve pouco mais de 54% de votos em Campo Grande, Capitão Contar provavelmente herdará parte daqueles votos. O desafio de Riedel será o de conter este crescimento e consolidar sua força no interior do estado. 

O resultado do primeiro turno em MS foi o mais apertado de sua história, elevando a importância dos apoios no segundo. Até 11 de outubro, Marquinhos Trad e Rose Modesto, que têm um histórico de desavenças com o PSDB, apoiam Contar. O ex-governador e deputado estadual eleito em 2022, Zeca do PT, declarou apoio a Riedel, mas a aliança oficial deste último com Bolsonaro dificulta um apoio partidário mais amplo e formal do PT. Já André Puccinelli não se apressou: informou que só se posicionará após ouvir as lideranças do partido.

O resultado dessa eleição marcará não apenas a capacidade do PSDB de consolidar sua hegemonia em MS (já possui a maior bancada na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados e o maior número de prefeitos no estado), mas também de contribuir para a sobrevivência do PSDB no plano nacional, dado que esse partido vem sendo varrido eleitoralmente do país com a ascensão do bolsonarismo. Sendo assim, o resultado em MS é uma reprodução em menor escala da própria luta fratricida entre correntes distintas da direita brasileira pelas mesmas bases eleitorais.

 

Daniel Estevão Ramos de Miranda é doutor em Ciência Política e professor na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

As eleições de 2022 em Santa Catarina: um sistema partidário hegemonizado pelo bolsonarismo

As eleições de 2022 em Santa Catarina: um sistema partidário hegemonizado pelo bolsonarismo

Julian Borba e Gregório U. Leal Silva

 

Em artigo publicado em agosto último, um dos autores desse artigo afirmava que a eleição de 2022 em Santa Catarina era uma disputa entre a jovem política que envelheceu e a velha política que queria rejuvenescer. Os resultados do primeiro turno indicam que a velha política saiu vencedora, com dois de seus representantes, pertencentes a lados ideológicos opostos, alçados ao segundo turno. A distinção entre o velho e o novo, porém, é insuficiente para captar os significados dos resultados eleitorais do primeiro turno, que, ao nosso ver, passa pela hegemonia da direita e alinhamento das elites e do eleitorado local ao bolsonarismo. No presente artigo buscaremos avançar na interpretação dos resultados do primeiro turno de 2022 a partir da análise do desempenho eleitoral dos partidos e blocos ideológicos e da configuração resultante do sistema partidário. A partir desses dados, buscaremos, na parte final, fazer algumas projeções meramente especulativas sobre o segundo turno das eleições para governador. 

Nosso argumento principal é de que o sistema partidário resultante de 2022 é menos fragmentado e mais polarizado ideologicamente, apontando para o ocaso das oligarquias tradicionais no estado. Essa polarização, porém, continua sob o domínio dos partidos localizados à direita, fazendo com que os candidatos do PL no segundo turno, ao Governo e à Presidência, sejam favoritos na disputa eleitoral no estado.

O sistema partidário em vigência (pós 1980) foi caracterizado, em Santa Catarina, pela hegemonia dos partidos de direita e centro. Nas eleições de 2018, a “onda Bolsonaro” varreu o estado, sendo eleito para governador o candidato do PSL, Carlos Moisés (até então um desconhecido quadro da reserva do Corpo de Bombeiro Militar). O partido também elegeu a primeira e segunda maiores bancadas da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa (Alesc), respectivamente. 

Em 2022, foram dez candidatos ao governo. Além do governador que tentava a reeleição (agora filiado ao Republicanos) com um vice do MDB, havia entre os candidatos competitivos nomes bastante conhecidos da política catarinense: Espiridião Amin (PP, duas vezes governador, atualmente senador), Gean Loureiro (União Brasil, ex-prefeito de Florianópolis), Jorginho Mello (PL, senador), Décio Lima (PT, ex-deputado e presidente estadual do PT) e Jorge Boeira (PDT, ex-deputado). Na eleição presidencial, Bolsonaro obteve mais de 62% dos votos válidos no primeiro turno. Em 2018, obteve 65,82% no primeiro turno e 75,92% no segundo, o maior percentual de votos entre os estados da federação.  

Os resultados do primeiro turno para o governo estadual, conforme pode ser verificado na Tabela 1, apontaram para a continuidade da força eleitoral dos partidos de direita, cujos candidatos, juntos, obtiveram mais de 80% dos votos, o maior percentual desde 1998. O congestionamento de candidaturas nesse campo ideológico (quatro candidatos competitivos), porém, fez com que passasse ao segundo turno apenas uma candidatura desse grupo (Jorginho Mello, PL), que disputa com o candidato do PT (Décio Lima), mesmo este tendo obtido menos de 18% dos votos totais. 

A classificação ideológica dos partidos foi feita com base em Krause, Machado e Miguel (2017). A direita inclui PPB e PSC em 1998, PP em 2002, PP e PTC em 2006; PP e DEM em 2010; PSD e PRP em 2014; PSD, PSL e PATRIOTAS em 2018; e União Brasil, Republicanos, PP, PL e NOVO em 2022. 

O centro inclui o MDB/PMDB em 1998, 2002, 2006 e 2018; o PSDB em 2014; a REDE em 2018; e o PROS em 2022. 

A esquerda compreende o PT em todos os pleitos; o PV e PSTU em 1998; PPS, PSB e PSTU em 2002; PDT, PSB e PSOL em 2006; PCB, PMN, PSTU, PV e PSOL em 2010; PCB, PPL, PSTU e PSOL em 2014; e PSTU e PSOL em 2018; e PDT e PSTU em 2022.

Fonte: TSE (organizados por Borba, Borges, Carreirão e Graça até 2018 e pelos autores para 2022). 

 

Trata-se de um quadro marcado por uma hegemonia de direita, interpretação esta que é corroborada pela análise da distribuição ideológica das bancadas no legislativo federal e estadual. Em 2018, a direita elegeu 56,3% dos deputados federais, o centro 25,1% e a esquerda 18,8%.  Na Assembleia Legislativa esses números foram de 47,5%, 27,5% e 25%, respectivamente. Em 2022 o bloco de direita elegeu 65% dos deputados estaduais. Para os partidos de centro e de esquerda esses números foram de 20% e 15%, respectivamente. 

No que concerne à ocupação dos assentos da Câmara dos Deputados, a direita obteve 62,5% e os outros dois blocos obtiveram 18,8% cada. As deputadas mais votadas no estado (nas duas casas) são típicas representantes da agenda bolsonarista e foram eleitas pelo PL (partido que obteve a maior bancada em ambas as casas legislativas). No Senado, o eleito foi Jorge Seif, também do PL, candidato fortemente ligado a Jair Bolsonaro (foi secretário de Pesca do seu governo), sendo popularmente conhecido como “06”, expressão utilizada para designar os filhos do presidente. Parte importante da campanha de Seif foi feita na companhia de Luciano Hang (um dos empresários mais próximos do atual presidente, dono de uma rede de lojas, e conhecido popularmente como “Veio da Havan”). 

Outro ponto que merece destaque é o fato de que a eleição de 2022 marcou o ocaso das tradicionais famílias políticas do estado, como os Bornhausen e os Amin, que não elegeram nenhum dos seus membros. Ou seja, parece que a direita que emerge das urnas é mais ideológica, especialmente ligada às pautas morais (religião e gênero) e da segurança pública (políticas “mano dura”) e menos vinculada aos grupos tradicionais da política do estado.

Se a distribuição ideológica dos votos para os poderes Executivo e Legislativo permite identificar um domínio da direita no sistema partidário catarinense, os dados sobre o Número Efetivo de Partidos no legislativo (Tabela 2, abaixo), indicam  dois aspectos. Enquanto as eleições de 2018 podem ser vistas como sendo a radicalização de um processo de fragmentação do sistema partidário, especialmente impulsionado pelo crescimento do desempenho de novos partidos de direita e redução expressiva das forças mais tradicionais, em 2022, houve uma estabilização desse quadro, com uma leve queda do NEP, tanto para a Câmara dos Deputados quanto para a Assembleia Legislativa. Interessante destacar que no plano nacional, a redução do Número Efetivo de Partidos na Câmara dos Deputados foi bastante significativa, reduzindo pela metade quando compara-se 2018/2022: 16,46 na eleição de 2018 para 9,27 em 2022. Tais resultados estão associados ao fato desta ser a primeira eleição com a proibição de coligações para o Legislativo.

Considerando os dados apresentados até aqui, é possível conjecturar que os desafios para o candidato petista no segundo turno das eleições para governador são imensos. Sua chegada ao segundo turno parece ter se dado mais pelo congestionamento de candidaturas de direita que acabaram dividindo entre si os votos de um eleitorado que é majoritariamente ligado a este campo, permitindo que Décio Lima, com pouco menos de 18% do eleitorado tenha conseguido avançar na disputa. Além disso, seu oponente obteve o apoio de grande parte dos partidos derrotados no primeiro turno (exceção do PDT, que seguiu o alinhamento nacional e apoiou o PT). 

Para os cientistas políticos, resta a necessidade de se debruçarem sobre as condições sob as quais Santa Catarina se apresenta como um dos principais redutos do bolsonarismo no país. A título de especulação, mencionamos dois elementos que consideramos relevantes: existência de uma path dependence que liga a tradição oligárquica do estado com a preferência do eleitorado por partidos de direita, juntamente com as características demográficas e econômicas, marcada pela ausência de grandes centros urbanos e pelo peso do agronegócio na economia local.

 

Julian Borba é Professor Titular do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Ufsc. Pesquisador do CNPq. 

 

Gregório U. L. Silva é Doutorando no Programa de Pós Graduação em Sociologia e Ciência Política da Ufsc, área de Ciência Política, onde desenvolve tese sobre Clivagens na América Latina.

A (anti)pauta ambiental na eleição de 2022 ao governo de Rondônia

A (anti)pauta ambiental na eleição de 2022 ao governo de Rondônia

João Paulo S. L. Viana e Melissa Volpato Curi

Publicado no GGN

 

 

Em Rondônia, com a aquiescência do governo federal, a agenda dos poderes executivo e legislativo tem se pautado por ataques ao meio-ambiente sob forte influência do agronegócio, madeireiros e atividades de mineração. No mês de setembro de 2022, o estado foi responsável por 12% dos incêndios no País, o que garantiu o título de detentor da pior qualidade do ar no mundo. Em recente estudo desenvolvido pelo Iyaleta Pesquisa, Ciências e Humanidades, Porto Velho posiciona-se no topo entre as capitais brasileiras com os piores índices de saneamento básico e água tratada. Esses são apenas alguns exemplos que demonstram o quadro preocupante da questão ambiental em Rondônia.

Diante dessa realidade, torna-se fundamental uma análise da pauta ambiental nos planos de governos dos candidatos ao executivo rondoniense. A ordem da análise tem como base o resultado do primeiro turno da eleição, que colocou no segundo turno dois candidatos bolsonaristas, o atual governador Marcos Rocha (União) e o senador Marcos Rogério (PL), cumprindo desde logo mencionar a forte semelhança entre os programas ambientais dos dois candidatos. Como recorda o jornalista Francisco Costa, em recente matéria publicada no portal Amazônia Real, “o único diferencial (entre os programas de ambos) é o mapeamento das Unidades de Conservação com objetivo de reduzir as áreas protegidas para expansão da fronteira do agronegócio”.

 

Marcos Rocha (União)

Em sua tentativa de reeleição, o conjunto de propostas ambientais do governador Marcos Rocha frisa, inicialmente, a promoção de políticas públicas que tenham como foco a sustentabilidade. Posteriormente, enfatiza a necessidade de agilizar a política de regularização fundiária junto à União, por intermédio de um processo de “digitalização”.  

Como principais pontos, elencam-se o levantamento dos potenciais de ativos das Unidades de Conservação do estado; instituição dos planos estadual de resíduos sólidos e hídricos; regulamentação da lei de política de governança climática e serviços ambientais; melhoria do sistema de outorga e licenciamento ambiental de Rondônia (Solar); implementação da política estadual de resíduos sólidos; continuidade da ação governamental do Cadastro Ambiental Rural (CAR); continuidade da ação governamental de regularização ambiental (PRA); fortalecimento do projeto floresta plantada para imóveis rurais cadastrados e implementação dos planos de manejos existentes. 

Não há nenhuma linha no programa de Marcos Rocha referente aos povos da floresta, especialmente, indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas. 

Marcos Rogério (PL)

O programa do candidato do PL inicia afirmando que Rondônia é um dos estados que possui o maior número de reservas ambientais do mundo. Menciona a importância da sustentabilidade como fator de competitividade no mundo e expõe o objetivo de tornar as florestas “um poderoso ativo econômico”. Ao enfatizar a questão da regularização fundiária, com base em dados do Imazon, salienta que aproximadamente 30% das terras seriam não destinadas, o que além da falta de controle prejudicaria os proprietários dessas áreas que seriam “tolhidos” dos benefícios de um imóvel titulado. Não obstante, a proposta de Rogério é polêmica, pois ao defender a regularização da propriedade rural por autodeclaração estaria, em tese, favorecendo grileiros com terras adquiridas por invasões. 

Como ações estratégicas, além da regularização fundiária, enumera a certificação de reservas ambientais para venda de créditos de carbono; implantação de políticas públicas de proteção aos animais; criação de um selo verde para fortalecimento do branding de produtos e serviços e recuperação de áreas degradadas. Assim como o plano de governo de Marcos Rocha, o documento de Marcos Rogério não faz menção alguma aos povos tradicionais e comunidades indígenas.

 

Perspectivas para o meio ambiente pós-eleições de 2022 em Rondônia

Nos dois casos, constatamos a inabilidade de reconhecer o território, suas populações originárias e tradicionais e a oportunidade de implementar uma política de desenvolvimento no estado de fato focada na sustentabilidade.

A ausência de planos de governo que se estruturem em uma proposta de desenvolvimento fundamentada na sustentabilidade social, ambiental e econômica, pilares do desenvolvimento sustentável demostra a ínfima importância que a justiça socioambiental e uma economia que promova a redução da desigualdade social têm no estado. A preocupação, em última instância, é o crescimento econômico nos moldes atuais, que inviabiliza a distribuição de renda e explora predatoriamente os recursos naturais. O meio ambiente natural aparece mercantilizado para atender aos interesses do capital econômico e de uma elite que se beneficia diretamente com a sua exploração.

Nas propostas dos dois primeiros colocados no primeiro turno, Marcos Rocha (UNIÃO) e Marcos Rogério (PL), não há, por exemplo, nenhuma preocupação com a preservação das terras indígenas e o bem-estar de populações ribeirinhas e comunidades tradicionais. Não há uma proposta séria e responsável para impedir a mineração em terras indígenas e combater o desmatamento, pautas que dão notoriedade internacional negativa ao estado, ou uma preocupação com as populações que foram impactadas pelas hidrelétricas. Não existe uma política para o desenvolvimento do extrativismo, do manejo florestal e de implementação de cadeias produtivas sustentáveis no estado, que são potenciais socioambientais e econômicos locais de grande relevância. 

Muito aquém do que se exige para o desenvolvimento de uma região localizada na Amazônia brasileira, as propostas de governo estão apresentando mais do mesmo, mas agora com um fator de maior preocupação – a formação de uma ideia ambiental de ultradireita, que distorce dados científicos para legitimar interesses econômicos, que confunde a opinião pública com informações confusas e irrelevantes e que pretende transformar pautas ambientais e humanitárias, que estão acima de ideologias partidárias, em questões meramente políticas. 

João Paulo S. L. Viana é cientista político, doutor em Ciência Política pela UNICAMP; professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Atualmente é pesquisador e coordenador estadual do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL).

Melissa Volpato Curi é advogada e antropóloga, doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP; mestra em Geociências pela UNICAMP; com pós-doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB). É consultora ambiental e pesquisadora do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL).

Em SP, Lula amplia votação do PT em todas as cidades. Bolsonaro perde votos em 3 a cada 4 municípios

Em SP, Lula amplia votação do PT em todas as cidades. Bolsonaro perde votos em 3 a cada 4 municípios

Otávio Z. Catelano, Andressa Z. Rovani e Fabíola Brigante Del Porto

Publicados na Mídia Ninja

 

 

Em relação a 2018, Bolsonaro teve porcentagens menores em 76% dos municípios paulistas. Apesar de vencer no primeiro turno em São Paulo, o presidente teve 138 mil votos a menos do que na última eleição

 

Entre as eleições de 2018 e 2022, o estado de São Paulo ganhou mais de 1,6 milhão de novos eleitores, totalizando 34,6 milhões de cidadãos aptos a votar atualmente – o que representa cerca de 21% do eleitorado brasileiro. No primeiro turno da disputa presidencial de 2022, o estado registrou 23,4 milhões de votos válidos, sendo 47,7% para Jair Bolsonaro (PL) e 40,9% para Lula (PT).

 

Por ser o estado com maior número de votos do país, os candidatos tendem a concentrar seus esforços em SP. A campanha de Lula, por exemplo, tentou reverter a baixa votação do candidato petista de 2018, Fernando Haddad – o agora candidato ao governo do estado que disputou a Presidência da República pelo PT. Na última eleição, Haddad testemunhou uma disparada de Bolsonaro entre os eleitores do estado.

 

Como resultado, Lula conquistou 6,6 milhões de votos paulistas a mais que Haddad em 2018. Somente na capital do estado, o ex-presidente teve quase 28% de votos a mais que o ex-prefeito – cerca de dois milhões de votos de diferença. Já São José do Barreiro, uma pequena cidade próxima à divisa com o Rio de Janeiro, foi a cidade em que a diferença de votos petistas mais cresceu. Em 2018, Haddad havia conquistado 17,6% dos votos barreirenses, enquanto neste ano Lula alcançou 55,3%.

 

Observando o restante dos municípios, Lula conquistou porcentagens maiores que Haddad em 100% do estado. Apenas em Barra do Chapéu (+3,3%) e Barra do Turvo (+9,2%) o crescimento registrou taxa menor que dez pontos percentuais. Em pelo menos 384 cidades, o ganho foi de 20 pontos ou mais. Entre esses, destaca-se Pindamonhangaba, a cidade de Geraldo Alckmin, onde Lula angariou 22.578 votos a mais do que Haddad em 2018 – uma diferença de 24%. Também chama atenção o aumento de 22,7% de votos em São José dos Campos (101.929 votos a mais), a cidade escolhida como domicílio eleitoral de Tarcísio de Freitas (Republicanos).

 

Apesar de ter mantido sua vitória no estado de São Paulo, Bolsonaro viu seu apoio encolher: o candidato à reeleição saiu do primeiro turno com 138 mil votos a menos do que conquistou em 2018. Considerando apenas a capital, a perda foi de cerca de 217 mil votos, compensada com alguns pequenos ganhos no interior. Dos 645 municípios do estado, Bolsonaro conquistou novos eleitores em relação ao primeiro turno de 2018 em apenas 150 – ou uma a cada quatro cidades paulistas. Mesmo nessas cidades, o crescimento é pequeno. Os aumentos mais expressivos foram nas cidades de Barra do Chapéu (+14,7%, 544 votos), Itaoca (+13,5%, 322 votos) e Ribeirão Branco (+10,6%, 1.181 votos).

 

Em Saltinho, a cidade mais bolsonarista do estado, o presidente alcançou 75,8% dos votos no primeiro turno. Entretanto, mesmo lá, sua porcentagem caiu 1,5% em relação à votação em 2018. Além disso, Bolsonaro perdeu votos em todas as cidades paulistas que registraram mais de 100 mil votos válidos em 2018, mesmo naquelas em que conquistou um número expressivo de votos, como é o caso de Piracicaba (64% em 2018 e 61% em 2022).

 

Em um segundo turno apertado, cada voto faz a diferença.Mesmo conquistando menos votos em SP do que Bolsonaro, não faltam motivos para que a campanha de Lula veja com bons olhos os resultados do primeiro turno no estado. 

Otávio Z. Catelano – Doutorando em Ciência Política pela Unicamp e pesquisador do Cesop-Unicamp no Observatório das Eleições 2022 (INCT IDDC)

Andressa Z. Rovani – Doutoranda pela Unicamp e pesquisadora do Cesop-Unicamp no Observatório das Eleições 2022 (INCT IDDC)

Fabíola Brigante Del Porto – pesquisadora do Cesop-Unicamp e do Observatório das Eleições 2022 (INCT IDCC)