Ananda Marques e Hesaú Rômulo*

Publicado na Revista Nordeste

 

Os contornos da disputa majoritária no Maranhão estão traçados: uma corrida pelo executivo estadual se acirra carregada de indefinição sobre quem será o novo governador a partir de 2023. As forças políticas que se organizam, tanto a partir de fraturas governistas, como de oposição bolsonarista, enfileiram-se para concorrer pela preferência do eleitorado. 

Nesse contexto, algumas perguntas são fundamentais. Primeiro, qual o tamanho da influência de Lula e Bolsonaro no Maranhão? Segundo, como as coalizões eleitorais locais se relacionam com as coalizões eleitorais nacionais? E terceiro, quais as possibilidades futuras para as alianças estabelecidas até aqui entre essas coalizões? A análise que traçamos neste texto diz respeito à formação de palanques eleitorais para a disputa, e seus principais impactos na corrida pelo comando administrativo do estado. 

A formação da chapa entre PSB-PT no Maranhão reúne uma coalizão de partidos que espelham a aliança nacional. Este é inclusive o principal trunfo de Carlos Brandão, atual governador, que ativou de maneira integral a figura do ex-presidente Lula, líder nas intenções de voto para o Palácio do Planalto. Além de Lula, Brandão conta com o apoio de outros oito partidos (MDB, PP, PATRIOTA, PODE, PCdoB, PV, PSDB, CIDADANIA) e do seu antecessor, Flávio Dino (PSB), preferido nas pesquisas para o Senado. Brandão lidera em praticamente todas as pesquisas de intenção de voto até aqui, sem no entanto abrir margem segura em relação aos demais colocados.

No segundo lugar, temos uma chapa fruto de rupturas governistas: o senador Weverton Rocha (PDT) montou um palanque com pouca margem para se movimentar dentro do campo progressista. Assim, teve que ajustar seu discurso de campanha para uma concessão de forças conservadoras, como, por exemplo, PTB, PL, REPUBLICANOS, PROS e AGIR. Weverton sustentou a campanha apesar de todos os reveses sofridos no começo do ano e busca algo curioso na política: ser o candidato da continuidade do projeto político de Flávio Dino, derrotando o candidato de Dino em outubro. A estratégia do discurso do pedetista vai precisar investir numa aposta arriscada daqui para frente: capturar eleitores de espectros ideológicos distintos.

Uma candidatura definida recentemente e que pode trazer surpresas para a disputa é a do ex-prefeito de São Luís. Edivaldo (PSD) entrou na corrida com um discurso independente e acumula uma alta aprovação na capital, ainda que não tenha construído alianças pragmáticas para o seu projeto. Junto com o PRTB, Edivaldo tenta mostrar ao eleitorado maranhense que é capaz de ser um bom gestor, ainda que precise capilarizar sua imagem e seu projeto para além dos limites do município de São Luís.

No último bloco, o bolsonarista Lahesio Bonfim (PSC) tenta emplacar um discurso de antipolítica que o coloca hoje com alguma relevância eleitoral (num provável cenário de segundo turno), mas com um teto muito baixo para crescimento. No último levantamento feito pelo IPEC no Maranhão, Bolsonaro teria 18% de intenções de voto, número semelhante ao de Lahesio. Espelhando essas votações, ele tenta projetar as qualidades de um bom gestor, apostando que a experiência de ser prefeito de São Pedro dos Crentes, uma cidade de quase 5 mil habitantes, seja suficiente para um desafio muito maior: administrar um território complexo como o maranhense.

Cada palanque enfrenta seus demônios particulares, explicitando contradições políticas características do período, embora algumas mais agudas que outras. O dilema de ampliação da base de Brandão, com a chegada do MDB e PP, por exemplo, trouxe para o tablado figuras ligadas à oligarquia Sarney, facção política combatida por Flávio Dino ao longo de sua jornada.  Algum espectador desavisado pode apontar o dedo para o palanque “olha ali um Sarney”, quando a pergunta a ser feita é mais séria e complexa: “é possível fazer um governo de centro-esquerda com os Sarney?”.

O dilema do palanque de Weverton Rocha, como já mencionamos aqui, é o de sustentar um fôlego progressista em meio a tantos apoios conservadores, sem no entanto ser o candidato favorito de nenhum dos lados. Segundo a mesma pesquisa do IPEC, Lula tem 66% no Maranhão, número mágico tanto para Brandão como para Weverton. Resta saber que estratégia o senador pedetista utilizará para capturar a preferência deste eleitorado, principalmente em virtude das encruzilhadas ideológicas e partidárias que a sua campanha tem pela frente.

Pesando sobre os ombros de Edivaldo, uma tarefa árdua: lutar contra o tempo. É preciso desidratar os concorrentes e crescer, se destacar nos debates e apresentar sua campanha como viável. Avaliamos que o dilema do ex-prefeito acontecerá no segundo turno. Se ele estiver lá, vai em busca de apoio dos bolsonaristas ou vai incorporar à sua campanha forças políticas que hoje ele rejeita? Se não estiver no segundo turno, para onde irão os seus votos? A grande virtude de Edivaldo, esta temperança quase que inequívoca, também pode ser sua maior pedra no sapato. Um dilema parecido vive Lahesio, arauto do conservadorismo maranhense, e sobre o qual já tecemos comentários suficientes.

De modo geral, é importante pontuar que as eleições de 2022 colocam frente a frente forças que durante muito tempo estiveram acomodadas sob uma mesma gramática política, bem ou mal harmonizadas pela batuta do ex-governador Flávio Dino. Com esta reorganização, os atores políticos encontram-se numa disputa ferrenha para consolidar nova hegemonia que, embora não saibamos exatamente qual, será diferente da praticada por Dino. 

De modo específico, reposiciona o debate político local sobre os limites da interação entre frações do poder que buscam protagonismo, movimenta a sociedade civil e coloca em xeque o legado de políticas públicas relativamente exitosas, como o investimento em educação, a ampliação da rede hospitalar e o combate exemplar à pandemia. 

Em síntese, está em disputa não somente uma competição pelo executivo estadual, mas uma nova fase da política maranhense, regida por novos atores e com uma identidade própria. O arranjo oligárquico, assim como o arranjo que derrotou a oligarquia, ficou no passado. Resta saber o quanto da oligarquia permaneceu nos novos arranjos montados e o quanto de progressismo estará presente nos novos acordos dos postulantes à cadeira de governador.

 

*Ananda Marques é mestra em Ciência Política pela UFPI.

**Hesaú Rômulo é professor de Ciência Política na UFT e doutorando em Ciência Política na UnB.