Helena Dolabela*

Publicado no Jota

 

Na semana que passou, a Rede Globo realizou uma rodada de entrevistas com quatro candidatos à Presidência da República. O tema da crise climática ganhou evidência na segunda entrevista, com a participação de Ciro Gomes, na qual o jornalista Willian Bonner destacou a escala planetária do problema. Após uma primeira resposta do candidato sobre as suas propostas de enfrentamento à questão, a jornalista Renata Vasconcellos afirmou que o Plano de Governo de Ciro Gomes não contemplava um “plano específico” sobre emergência climática, o que foi contestado em seguida pelo entrevistado: “está, sim, no meu plano! ”. Esse episódio parece sugerir que o tema da mudança climática pode entrar de vez no debate eleitoral, ao menos no nível federal.

Na definição da ONU, as mudanças climáticas são transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima. Por um lado, como cientistas de várias áreas do conhecimento vêm comprovando, este fenômeno, quando relacionado às atividades humanas possui especificidades – como demonstrado recentemente em amplo estudo científico contendo casos brasileiros, e o cerne do seu enfrentamento é a redução das emissões de gases de efeito estufa em escala global. Isso tem levado à construção de marcos normativos e acordos diplomáticos como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e o tratado do Acordo de Paris, além do desenvolvimento de mecanismos de “financiamento dos ajustes necessários” e “adaptação aos impactos climáticos”. Por outro, sinaliza um ponto importante: não é possível tratar o tema da crise climática sem levar em conta a sua inter-relação com outras áreas como relações externas, energia, ciência e tecnologia, meio ambiente, direitos dos povos e comunidades tradicionais, entre outros. Este é o principal desafio para uma análise sistemática sobre o compromisso das candidaturas neste tema específico.

Um olhar generalizado mostra que todos os planos de governo neste ano de 2022 contemplam os desafios climáticos. Isso não representa uma grande inovação em relação aos planos de Haddad e Ciro de 2018. Já naquela oportunidade, a mudança climática tinha espaço transversal. O atual plano de Ciro defende a “floresta em pé”, conciliando-a à lavoura e à pecuária, a regularização fundiária, a redução do desmatamento e das emissões de gases e a realização de um zoneamento econômico e ecológico, especialmente na Região Amazônica. Declara-se pelo respeito, preservação e não exploração ilegal das reservas territoriais indígenas por outros grupos étnicos.  

Já o de Lula, propõe uma transição ecológica com base nos “conhecimentos tradicional e científico”, a transformação das atividades produtivas, o reflorestamento e a conservação dos ecossistemas e a diversificação da matriz energética. Reforça o compromisso com a proteção dos direitos e territórios tradicionais, garantindo a posse das terras e combatendo atividades predatórias, a defesa da Amazônia contra a “política de devastação” e crime ambiental, o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente e da FUNAI. Expressa, ainda, o cumprimento das metas de redução de emissão de gás carbono assumidas na Convenção de 2015 em Paris, e ressalta os custos econômicos (redução do PIB), sociais e humanos do não enfrentamento da emergência climática.

Foto Bruno Kelly/Amazônia Real.

 

As maiores novidades estão no atual plano de Bolsonaro, o qual apresenta uma guinada em relação ao anterior, e o plano de Tebet, candidata pela primeira vez na disputa eleitoral para a Presidência. A candidata tem dado destaque à defesa de uma “economia verde” que incorpora ações para mitigação das mudanças climáticas. No seu plano de governo estão incluídas diretrizes como o compromisso com o Acordo de Paris e o REED+ (Acordo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), a intenção de “acelerar e antecipar o alcance de metas de redução de gases de efeito estufa e de reflorestamento” e implementar mecanismos de compensação como o mercado de carbono. Partindo de uma crítica severa à atual política ambiental – “nunca se destruiu tanto como agora” – pretende a retomada e o fortalecimento de instituições como Ibama, ICMBio, INPE, e também FUNAI. Ainda são mencionadas a transição para uma matriz energética limpa, a agricultura de baixo carbono e o apoio à agricultura familiar. Manifesta-se, claramente, pelo cumprimento rigoroso da legislação na defesa dos direitos dos povos originários e na proteção de seus territórios.

O plano de Bolsonaro 2022 apresenta o Brasil como parte da “solução para vários desafios do planeta”, entre eles, a “mudança climática”. Embora represente uma mudança de rumo, traz algumas inconsistências. O “Eixo Sustentabilidade Ambiental” aborda o uso da tecnologia no controle e fiscalização das queimadas ilegais, desmatamento e crimes ambientais, modelos produtivos sustentáveis, justiça ambiental e desenvolvimento sustentável da Amazônia. Sobre a Amazônia brasileira exalta a sua soberania e a “cobiça externa” e caminhos para desenvolvimento sustentável, dando continuidade às ações de combate aos crimes ambientais. Sustenta a utilização de energia limpa e “soluções climáticas” como combustíveis limpos, veículos elétricos e híbridos, e “mercado de carbono”, entre outros. O Brasil aparece, ainda, dentro da política externa como “País Verde Desenvolvido”. Não há, contudo, qualquer menção ao cumprimento das metas para redução de emissões de carbono estabelecidas no Acordo de Paris.

Essa visível mudança de orientação para uma maior abertura na questão climática parece se explicar pela repercussão negativa da política ambiental do atual governo não apenas no Brasil, mas também no exterior, e o aumento exponencial dos focos de queimadas e desmatamento ilegal. Não há dúvidas de que o atual plano de governo Bolsonaro é mais robusto e enfrenta pela primeira vez a questão da mudança climática, mas isso se dá a partir de uma visão de Estado de viés libertário, ou seja, com forte ênfase na sua não-intervenção como está expresso no princípio da “liberdade para o uso responsável dos recursos naturais” por parte de todos, incluindo indígenas, quilombolas, ribeirinhos. No rol das atividades para o etnodesenvolvimento inclui a exploração mineral. Especialmente em relação a este aspecto, apresenta uma grave inconsistência uma vez que os territórios indígenas são verdadeiras barreiras verdes contra o desmatamento e a favor da regulação do clima. Somam-se a estas incongruências, a ausência de demarcação de territórios originários e a proposta de concessão de florestas para a iniciativa privada.  

Ao que tudo indica a temática da mudança climática terá um espaço maior do que já teve em outras campanhas e debates eleitorais, mas esta previsão ainda está por se confirmar. Uma coisa, no entanto, é certa: esta é uma temática ampla e vai bem além do uso de palavras em voga como “soluções climáticas”, “descarbonização”, “baixo impacto de carbono”. O seu enfrentamento depende de coerência nas propostas e ações que são transversais a várias políticas. É a isso que estaremos atentos daqui para frente. 

 

*Helena Dolabela é advogada, mestre em Ciência Politica e doutora em Antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora em estágio pos-doutoral no INCT-IDDC. Membro da equipe do Observatório das Eleições 2022.