Pedro Paulo Assis, Flávia Biroli e Viviane Gonçalves

 

Espelhar a população. Em tese, essa é a ideia que fundamenta o método das eleições de parlamentares para a Câmara dos Deputados e para as Assembleias Legislativas. Eleições proporcionais visam, normativamente, a correspondência entre os representantes e o conjunto diverso do eleitorado. É algo que não tem sido alcançado porque, historicamente, os que têm tido mais oportunidades de se candidatar e vencer são homens brancos, que desempenham ocupações de empresários e advogados. Nas eleições deste ano, um novo setor vem se somando aos sobrerrepresentados: candidaturas policiais e militares destacam-se entre as profissões mais frequentemente exercidas pelos postulantes.

Isso está relacionado ao ambiente político-ideológico do país, que faz do momento atual aquele com maior participação das forças de segurança na política, desde a ditadura militar de 1964. Destacam-se, na esteira da crise política recente e diante da insegurança da população no seu cotidiano.

Segundo o Instituto Ranking Brasil, em junho/2021, as Forças Armadas e as polícias (Federal, Civil e Militar) apareciam na terceira (15,7%) e na quarta (13,6%) posição do ranking quanto ao grau de confiabilidade que os brasileiros tinham nas instituições públicas e civis. Ficavam atrás apenas do Corpo de Bombeiros e do Serviço de Assistência Médica de Urgência (Samu), com 25,10%, e de igrejas e líderes religiosos (padres, pastores e outros), que contabilizavam 16,23%. Neste contexto, procuramos compreender o perfil de candidatos e candidatas da área de segurança, nas reflexões que se seguem.

De acordo com o levantamento do Informe de Análise – Candidaturas de Profissionais da Segurança Pública – 2022, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, neste ano 1.888 candidatos são oriundos das forças de segurança pública e defesa, frente a 1.469 candidatos na eleição de 2018. O crescimento de 28,5% das candidaturas do setor tem cinco ocupações principais informadas pelos pleiteantes: policial militar (824), militar reformado (244), policial civil (192), bombeiro militar (119) e membro das Forças Armadas (60).

Restringindo às candidaturas legislativas, a ascensão do grupo é evidente nas últimas três eleições nacionais, de acordo com dados extraídos do site do TSE (21/08/2022). Conjuntamente, a quantidade de candidatos para as Assembleias Legislativas com carreiras militares e policiais citadas cresceu 20%, de 2014 a 2018, e 17%, de 2018 a 2022, apresentando 797 candidaturas na presente eleição. Já na disputa proporcional nacional, o avanço desses pleiteantes é mais avassalador – 47%, de 2014 a 2018, e 73%, de 2018 a 2022, registrando agora 550 candidatos a deputado federal. Como no montante geral, em 2022, prevalecem, nessas candidaturas estaduais e nacionais, os policiais militares (60% e 55%), os militares reformados (16% e 19%) e os policiais civis (15% e 12%), respectivamente.

Há variações significativas entre os estados. O Rio de Janeiro, um dos maiores colégios eleitorais do Brasil (com 8,2% do eleitorado), concentra as candidaturas legislativas do setor: 17,2% dos deputados estaduais e 14,2% dos deputados federais. De 2014 a 2018, chama a atenção o aumento dessas candidaturas em São Paulo. Considerando o total do grupo no país, no intervalo mencionado, a taxa de candidatos paulistas policiais e militares subiu de 6,5% para 13,5% para o legislativo estadual e teve leve redução, de 13,4% para 11,3%, para o legislativo federal. Bahia, Pará, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal e Amazonas também ampliaram consideravelmente a presença do setor das forças de segurança pública e defesa em suas listas de pleiteantes a vagas nas casas legislativas.

As legendas de direita têm concentrado fatias cada vez maiores dessas candidaturas. Nas eleições de 2014 para deputado estadual, policiais e militares candidatos estavam assim distribuídos: 56% em partidos de direita, 23% em partidos de centro e 21% em partidos de esquerda. Já na atual eleição estadual, as listas partidárias do setor registram 76% em partidos de direita, 19% em partidos de centro e 5% em partidos de esquerda. No pleito para a Câmara dos Deputados, a tendência foi bem semelhante: entre 2014 e 2022, os candidatos militares e policiais em partidos de direita passaram de 58% para 77%, e decresceram em partidos de centro (de 24% a 17%) e de esquerda (de 18% a 6%). Nessa migração para a direita dos candidatos das forças de segurança, destacam-se as novas-velhas legendas do sistema partidário, ou seja, partidos recentemente repaginados e (re)fundados (União Brasil, Republicanos, Avante, Patriota e Solidariedade) ou legendas mais experimentadas (PL, PTB, PRTB e PP).

As candidaturas legislativas de policiais e militares estão mais concentradas entre os homens do que entre as mulheres, representando 88% das primeiras e 12% das últimas, nas eleições de 2022. No pleito de 2014, entre as candidaturas para deputado federal, 88% eram deles e 12%, delas. Em 2018 e 2022, esses percentuais passam a 91% e 83% (homens) e a 9% e 17% (mulheres), respectivamente. Nesse sentido, cabe observar que o aumento da participação das mulheres nas Forças Armadas, que vem sendo registrado nos últimos anos, é mais lento do que seu avanço nas candidaturas. Em junho de 2021, elas representavam 9% do quadro. Sete anos antes, em 2014, este percentual era de 7%. Proporcionalmente, as mulheres são um contingente maior na Aeronáutica, com 18,73% (12.343) de seu efetivo. No entanto, em números absolutos, é no Exército que estão mais concentradas, sendo 12.463 ou 5,68% dos oficiais.

Quando se observa o perfil dessas candidaturas por gênero e raça, um dado interessante é que, entre os homens, candidatos negros (pretos e pardos) formam maioria. Entre as mulheres, o perfil racial segue a mesma tendência apenas no presente pleito. Entre as candidaturas masculinas de policiais e militares à Câmara dos Deputados, 54% eram negros em 2014, passando a 54% e 57%, respectivamente, em 2018 e 2022. Já entre as mulheres, em 2014 e 2018, as candidaturas negras eram 52% e 45%, chegando, em 2022, a 61% das candidatas. Nas disputas estaduais, entre os homens, 53% se declararam negros em 2014, subindo para 58%, em 2018, e mantendo o patamar em 2022, quando são 57% das candidaturas da área de segurança. No caso das mulheres, há uma progressão mais linear do contingente de candidatas negras, com 43% em 2014, passando a 52% e 57%, respectivamente, em 2018 e 2022. 

O gráfico abaixo permite visualizar a composição racial das candidaturas, explicitando a predominância do segmento que se declara pardo entre homens e entre mulheres:

 

Neste momento, ainda não é possível precisar quantas dessas candidaturas serão convertidas em cadeiras para os legislativos estaduais/distrital e federal. Dada a concentração dessas candidaturas em partidos de direita, os resultados das urnas de 2 de outubro permitirão medir se a agenda de “lei e ordem” terá expressão, levando em conta também seu alinhamento a setores mais radicalizados, de extrema-direita. O sucesso dessas candidaturas também poderá ser um indicador da configuração do voto nos estados em um eventual segundo turno presidencial, visto que o candidato que atualmente ocupa o segundo lugar nas pesquisas tem a identificação com as forças de segurança como uma de suas principais bandeiras.

 

Pedro Paulo de Assis é doutor em Ciência Política pela UFSCar. Pesquisador do Centro de Estudos em Partidos Políticos da UFSCar e coordenador do projeto OddsPointer.

Flávia Biroli é doutora em história pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), professora de ciência política da UnB e pesquisadora do CNPq. Foi presidente da Associação Brasileira de Ciência Política. É autora, entre outros, de “Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil” e coautora de “Gênero, neoconservadorismo e democracia”, ambos publicados pela Boitempo em 2018 e 2020.

Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).

 

Esse artigo se insere em um projeto de colaboração entre o Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPOL/UnB) e Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados. Foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.