Duas entre 215 candidaturas coletivas registradas no Brasil foram eleitas: o que houve?

Duas entre 215 candidaturas coletivas registradas no Brasil foram eleitas: o que houve?

Bárbara Lopes Campos e Mariane dos Santos Almeida Costa

Publicado no JOTA

 

As eleições de 2022 foram as primeiras realizadas após a aprovação, pelo  Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da menção do grupo ou coletivo de apoiadores no registro do nome de urna do candidato ou candidata. A   Resolução nº 23.3675, do TSE, representou um marco jurídico importante no monitoramento desta inventividade política no país. A partir de dados do TSE, foi possível identificar 215 candidaturas coletivas ao Legislativo no pleito de 2022. No entanto, mesmo diante dessa abertura jurídica e expressão numérica no ato de registro, apenas duas candidaturas mapeadas conquistaram cadeiras parlamentares a partir dos resultados eleitorais. “Paula da Bancada Feminista” e “Monica do Movimento Pretas” foram eleitas deputadas estaduais em São Paulo, pelo PSOL, com 259.771 e 106.781 votos respectivamente. 

As 215 candidaturas coletivas identificadas alcançaram todas as regiões do país (ver Figura 1). Concentraram-se nas regiões do Nordeste e do Sudeste, em especial para cargos de deputado(a) federal e estadual, a partir de São Paulo, Maranhão e Pernambuco, conforme mostramos em texto anterior, neste mesmo Jota. O número dessas candidaturas superou o visto nas eleições gerais anteriores, e ampliou-se sua distribuição espacial. Ainda, as candidaturas identificadas pelo registro do nome de urna concentram-se em partidos de centro-esquerda, com forte participação do PSOL e do PT. E entre titulares das candidaturas, há mais mulheres e pessoas autodeclaradas pretas do que a média nacional. 

A partir dessas observações, podemos constatar que o perfil dessas candidaturas coletivas destoa das que conquistaram mais vitórias nas eleições de 2022. Boa parte dos eleitos situa-se ao centro e à direita radical, que ganha fôlego nas eleições de 2018, e passa a ocupar ainda mais espaço na Câmara e no Senado. Esse cenário, adverso para a esquerda – que mais aposta em candidaturas coletivas -, pode explicar, pelo menos em parte, o baixo desempenho eleitoral das candidaturas coletivas em 2022.

 

Figura 1: Candidaturas coletivas ao legislativo no Brasil (contagem de nome de urna, eleições 2022)

Assim, a estratégia de candidaturas coletivas, que tem o potencial de somar forças na corrida eleitoral e diluir os custos (financeiros, políticos, emocionais, entre outros obstáculos), além de cativar o eleitorado por meio de propostas compartilhadas e menos personalistas, parece não ter surtido muito efeito para maximizar resultados eleitorais no pleito de 2022. Para além das duas candidaturas eleitas em São Paulo, a busca pelo nome de urna não foi capaz de identificar outros mandatos eleitos que se propõem a “fazer política na coletividade” (ver Figura 2).

 

Figura 2: Desempenho eleitoral das candidaturas coletivas no Brasil (status por de nome de urna, eleições 2022)

Por outro lado, o perfil das candidaturas coletivas eleitas em 2022 corrobora com o argumento de que candidaturas coletivas ainda podem operar como uma porta de entrada para candidatas mulheres, negras, ativistas e ligadas às amplas maiorias sociais diversas do país. Ademais, a reeleição de Mônica Seixas, agora a partir da proposição coletiva “Monica do Movimento Pretas”, assim como a eleição de Bella Gonçalves e reeleição de Andréia de Jesus para deputadas estaduais em Minas Gerais, ex-integrantes da Gabinetona (PSOL), fortalecem a percepção de que a atuação política coletiva é uma estratégia potente para dar início à carreira política, ou para a formação de lideranças políticas de mulheres no país.

Saiba mais: Um balanço das quatro eleições com Candidaturas coletivas no Brasil: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/um-balanco-de-quatro-eleicoes-com-candidaturas-coletivas-no-brasil-24082022

 

Bárbara Lopes Campos é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora de Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas – PPC). 

Mariane dos Santos Almeida Costa é mestranda de Direito Eleitoral pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O que está em jogo: o resultado das eleições para as mulheres*

O que está em jogo: o resultado das eleições para as mulheres*

 

 Clara Araújo, Lucas Okado e Marcus Chevitarese

Publicado no Nexo Jornal

 

Os resultados das eleições para a Câmara dos Deputados e assembleias legislativas sugerem que as pressões das mulheres e as legislações aprovadas entre 2018 e 2022 estão surtindo algum efeito. Conforme mostra o gráfico abaixo, as candidaturas femininas à Câmara dos Deputados cresceram, passando de 32,3% em 2018 para 34,7% em 2022. Já entre as eleitas, embora bem aquém do patamar mínimo desejável de 30% e mais distante ainda da paridade almejada, a tendência de crescimento se manteve. O total de eleitas para a Câmara dos Deputados passou de 77 em 2018 para 91 em 2022, o que corresponde a 17,7% do total de cadeiras da Câmara.

 

Gráfico 1 – Evolução das Candidaturas e Bancada Feminina (2014 – 2022)

É provável que os ganhos desses segmentos nas duas casas legislativas estejam, também, relacionados com as medidas de ação afirmativa e de aprimoramento das cotas aprovadas, em especial as PECs (Propostas de Emenda à Constituição) 117 e 111. Essas emendas definiram a distribuição mínima de 30% dos recursos para mulheres e pessoas negras, bem como a contagem em dobro dos votos recebidos por estes candidatos para o cálculo da distribuição dos Fundos Eleitoral e Partidário.

Essas medidas ajudam a explicar os resultados, mas uma hipótese adicional, a ser testada em etapa posterior, é que a necessidade dos partidos de cumprirem a cláusula de barreira se articula com os fatores indicados acima e, provavelmente, contribuem para explicar não só o crescimento como também os perfis políticos das candidaturas e sua relação com as chances dos e das eleitas. 

 

Para que pudessem angariar votos e, ao mesmo tempo, cumprir as exigências mencionadas, os partidos tiveram que ampliar o universo de candidatos e investir em candidaturas com potencial de eleição. Candidatos testados nas urnas, seja na forma de reeleição ou possuidores de algum cargo eletivo, por exemplo, integram estes perfis. Embora as mulheres componham também esses cálculos gerais dos partidos, elas tendem a estar em desvantagem, porque ocupam menos cargos eletivos. 

As candidaturas com baixo capital político (sem cargo eletivo) são a grande maioria dos concorrentes. Em 2014, representavam 86,9% do total de candidaturas, passando para 88,9% em 2022. Este dado, isolado, não diz muito sobre a chance de serem eleitas. Candidatos com algum capital político se distribuem entre o restante. E sua elegibilidade aumenta de acordo com o nível do cargo eletivo ocupado.

Quando os perfis são desagregados por tipo de capital político e sexo, vê-se que a proporção de mulheres “sem cargos” é sistematicamente maior que a de homens “sem cargos” no período analisado. Dado que a proporção de homens detentores de cargos eletivos é maior, as candidaturas masculinas são proporcionalmente maiores à medida que o cargo cresce de importância política. Candidatos homens correspondem a 6,8%, 5,9% e 54%, respectivamente, ante a 1,3%, 1,6% e 1,5% de candidatas no período analisado. A “reeleição” cresce também entre as mulheres, mas em menor proporção: 3,6 candidatos para uma candidata.

Ultrapassada a etapa de seleção, os investimentos feitos em cada candidatura levam em consideração critérios como o quociente eleitoral, os objetivos dos partidos no cenário eleitoral e o potencial de votos de cada candidato. O sucesso de cada candidatura depende de vários fatores, mas sabe-se que políticos com maior capital eleitoral possuem mais chances de sucesso eleitoral. Ou seja, a chance de sucesso eleitoral de cada candidato é maior à medida que a hierarquia do cargo que ele ocupa cresce.

Considerando as categorias de candidatos sem qualquer cargo, candidatos com outros cargos que não o de deputado estadual ou federal, candidatos ao cargo de deputado federal que são deputados estaduais e candidatos à reeleição nos anos de 2014 a 2022, fica visível a inversão das chances eleitorais, conforme o gráfico abaixo. 

Quando os perfis são desagregados por tipo de capital político e sexo, vê-se que a proporção de mulheres “sem cargos” é sistematicamente maior que a de homens “sem cargos” no período analisado. Dado que a proporção de homens detentores de cargos eletivos é maior, as candidaturas masculinas são proporcionalmente maiores à medida que o cargo cresce de importância política. Candidatos homens correspondem a 6,8%, 5,9% e 54%, respectivamente, ante a 1,3%, 1,6% e 1,5% de candidatas no período analisado. A “reeleição” cresce também entre as mulheres, mas em menor proporção: 3,6 candidatos para uma candidata.

Ultrapassada a etapa de seleção, os investimentos feitos em cada candidatura levam em consideração critérios como o quociente eleitoral, os objetivos dos partidos no cenário eleitoral e o potencial de votos de cada candidato. O sucesso de cada candidatura depende de vários fatores, mas sabe-se que políticos com maior capital eleitoral possuem mais chances de sucesso eleitoral. Ou seja, a chance de sucesso eleitoral de cada candidato é maior à medida que a hierarquia do cargo que ele ocupa cresce.

Considerando as categorias de candidatos sem qualquer cargo, candidatos com outros cargos que não o de deputado estadual ou federal, candidatos ao cargo de deputado federal que são deputados estaduais e candidatos à reeleição nos anos de 2014 a 2022, fica visível a inversão das chances eleitorais, conforme o gráfico abaixo. 

Como podemos observar, para todo o período analisado, a taxa de sucesso eleitoral é maior conforme aumenta a visibilidade do cargo – quanto mais alta a posição do cargo ocupado na hierarquia política, mais alta a visibilidade de quem o ocupa, pois é maior seu eleitorado potencial (constituency). Enquanto deputados federais que tentam a reeleição possuem taxas de sucesso superiores a 60%, candidatos que não possuem cargos eletivos não atingem 5% de eleitos em nenhuma das três eleições analisadas, indicando que candidatos que possuem maior capital eleitoral possuem mais chances de serem eleitos.

Em quase todos os diferentes tipos de capital político, as taxas de sucesso dos candidatos masculinos são superiores às das candidatas mulheres, principalmente entre aqueles que não possuem cargos eletivos ou que estão concorrendo à reeleição. O sucesso das candidatas femininas é maior entre candidatos à reeleição em 2018. Em 2014 e 2022 comparativamente aos homens tentando reeleição estes tiveram mais sucesso, mas ainda assim, essas taxas de sucesso mantiveram-se no patamar dos 60% de chance.

Entre os ocupantes de mandatos nas assembleias legislativas estaduais que concorreram a deputado federal, em 2014 e 2022 observamos uma maior taxa de sucesso das mulheres, apesar de em 2018 terem apresentado 25% de chances de serem eleitas ante 66,3% dos homens. 

As taxas de sucesso entre mulheres, segundo cor (só candidatas autodeclaradas brancas e negras) e tipo de cargos acompanham esse mesmo padrão. No entanto, o padrão de sucesso também repete desigualdades raciais. As mulheres brancas sem cargos eletivos possuem o dobro de chances de serem eleitas em comparação com as mulheres negras, 1,1% e 0,6% respectivamente. 

 

Corroborando a importância do capital político eleitoral, as chances de mulheres negras se elevam mais do que das mulheres brancas quando as candidatas têm algum outro cargo eletivo ou são deputadas estaduais. Neste caso, as chances de sucesso de candidatas negras foram de 9,5% e 44,4%, enquanto as chances das candidatas brancas foram de 5,8% e 43,8%. No entanto, quando se trata de reeleição, as chances das brancas voltam a ser maiores: deputadas negras tiveram 54% mais chances de sucesso ante a 64% das deputadas brancas. 

Com efeito, analisando-se as chances de sucesso apenas sob o ângulo do fator “candidaturas testadas” fica claro que esses candidatos têm vantagens comparativas em relação à média dos concorrentes. O tipo de capital político – aqui, o capital político eleitoral que o candidato detém na forma de cargo eletivo – faz diferença nas suas chances de eleição. E faz diferença para as mulheres. Mas como as mulheres historicamente tiveram menos acesso, tenderão a ter essas chances em graus menores do que os homens.

Nas condições particulares de adaptação das regras eleitorais o capital eleitoral parece surgir como bem importante. Investir em carreiras políticas que passem também pela eleição de mulheres para cargos como vereadores, prefeitos e deputados estaduais é estratégico, inclusive quando olhamos quem recebe ou não dinheiro, além de outros recursos eleitorais. No entanto, isso não pode ser apenas uma questão associada à disposição individual das mulheres. Depende, e muito, dos compromissos dos partidos políticos com a igualdade de gênero, que se traduza em investimentos de longo prazo.

Clara Araújo é doutora em ciências sociais e professora do PPCIS/UERJ (Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro). 

Lucas Okado é doutor em ciência política e professor do PPGCP/UFPA (Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual do Pará). 

Marcus Chevitarese é doutor em ciência política e analista de dados na Câmara dos Deputados.

Eleições, gênero e raça: o que o pleito de 2022 nos ensina?

Eleições, gênero e raça: o que o pleito de 2022 nos ensina?

Carlos Machado, Pedro Paulo de Assis, Danusa Marques e Viviane Gonçalves Freitas

Publicado no Congresso em Foco

 

Na avaliação da qualidade da representação política, muitos aspectos destacam-se, como prestação de contas, estratégias, agenda política e bancadas temáticas. Uma maneira bastante direta de avaliar as discrepâncias entre representantes ocorre pela verificação agregada de suas características individuais. Por exemplo: a diferença geral entre a quantidade de mulheres negras na população e de mulheres negras eleitas para os parlamentos pode ser um forte indicativo sobre a qualidade da representação nestas casas parlamentares. Contudo, uma vez que há significativa variação entre os estados e o DF quanto à composição racial de suas populações, é importante considerar a distribuição territorial dessas desigualdades.

Nas análises a seguir, apresentamos mapas baseados em um índice de disparidade entre candidaturas e população. Nele, o valor 0,50 significa pleno equilíbrio; valores superiores a 0,5, sobrerrepresentação; e menores do que 0,5, sub-representação no comparativo populacional. Valores em amarelo indicam igualdade entre a proporção de candidaturas registradas e a distribuição deste grupo na população. Quanto mais avermelhado, mais sobrerrepresentado aquele grupo; quanto mais azulado, maior sua sub-representação. Nos mapas, trazemos apenas as informações sobre candidaturas de mulheres negras e homens brancos, a fim de facilitar a comparação entre um grupo mais prejudicado e o mais beneficiado nas eleições para a Câmara dos Deputados. 

A análise agregada para todo o Brasil mostra um pequeno avanço entre 2014 e 2022. Passamos de 0,31, em 2014, para 0,32, em 2018, chegando a 0,39 de disparidade para as candidaturas de mulheres negras em 2022. Quanto aos homens brancos, fomos de 0,67, em 2014, para 0,66, em 2018, chegando a 0,62, em 2022. Cabe lembrar que essas mudanças não ocorrem nas mesmas proporções em todo país.

Não há mudanças intensas entre 2014 e 2018, mas, em 2022, as candidaturas  de homens brancos ficam com um grau menor de sobrerrepresentação em relação à população em quase todo o país, com exceção de oito estados: Amazonas (mais intensamente), Pará, Mato Grosso, Amapá, Maranhão, Paraíba, Alagoas e Sergipe.

Para as candidaturas de mulheres negras, a sub-representação é a regra, em 2014 e 2018. Em 2022, há uma redução das desvantagens em todas as unidades da federação (UFs), com destaque para Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Roraima, únicos estados onde se observa equilíbrio entre a apresentação de candidaturas e o percentual de população de mulheres negras. A maior disparidade neste ano ocorre nos estados do centro-oeste e Alagoas.

Analisar as candidaturas é importante, embora se mostre insuficiente para captar as assimetrias de gênero e raça na representação política. Após a institucionalização de diversos mecanismos e a adoção de maneiras distintas de driblar os incentivos eleitorais, é óbvio que não basta aumentar o volume de candidaturas de pessoas negras e mulheres, mantendo-se o cenário de um patamar de competitividade baixo. Para ser bem-sucedida, uma candidatura precisa de investimento partidário, redes de apoio, recursos financeiros e visibilidade – o que, em sua maioria, é o modus operandi facilitado a homens brancos.

Assim, construímos um índice similar ao utilizado anteriormente para as candidaturas, mas agora observando a disparidade entre o percentual de pessoas eleitas e a composição racial da população dos estados e DF. Da mesma forma que nas análises anteriores, 0,50 é o resultado equilibrado, valores maiores indicam sobrerrepresentação e menores, sub-representação. 

Quando observamos quem se elege considerando o Brasil como um todo, a sobrerrepresentação dos homens brancos não sofre queda entre 2014 e 2022 – ao contrário, estabiliza-se em um patamar elevadíssimo.

Em todos os estados e DF, há uma marcante sobre-presença de homens brancos. Apenas em Santa Catarina, um estado com baixo percentual de população não-branca, a sobrerrepresentação deste grupo é menos intensa, mas ainda assim verificável.

A situação das mulheres negras pelo país mostra o evidente desafio que precisamos enfrentar para garantir equilíbrio e justiça na representação. A vasta maioria dos estados nem aparece no mapa em 2014 e 2018, porque não elegeu nenhuma deputada negra. O cenário muda pouco em 2022, majoritariamente mantendo uma intensa sub-eleição das mulheres negras em relação à população deste grupo social na UF. O Rio Grande do Sul é interessante ser destacado, visto que, em 2014 e 2018, nenhuma deputada negra foi eleita no estado. No entanto, em 2022, é um dos estados com menor discrepância, junto a Acre e Rondônia. É preciso ter esforços relevantes em todo o país para aumentar as candidaturas de mulheres negras, com redução das desvantagens desse grupo social. Em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Roraima, o baixo número de candidaturas não é um problema (Cf. Imagem 2), mas, sim, a sua competitividade para ganhar as eleições (Cf. Imagem 4).

Avaliar as diferenças estaduais na concorrência eleitoral e nas chances de vitória é central para traçar estratégias de fomento à expansão de candidaturas negras e de mulheres, ação necessária para construir um contexto político democrático no Brasil, no qual todas as pessoas tenham o mesmo valor e chances semelhantes de ocupar posições de poder político. A distribuição de população feminina é uniforme, mas quanto a grupos raciais varia em cada unidade da federação. Dessa maneira, é necessário  pensar em gênero de modo articulado com raça para entender como se dá o controle dos espaços de poder por homens brancos. Apesar das mudanças institucionais eleitorais voltadas para a inclusão que foram exigidas pelas forças democráticas e executadas nos últimos anos, continuamos com uma Câmara dos Deputados com o perfil de sempre.

 

Carlos Machado é professor de ciência política no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol-UnB), onde coordena o Núcleo de Pesquisa Flora Tristán. É coautor do livro “Raça e eleições no Brasil” (Zouk, 2020). Pesquisa partidos políticos, sistemas eleitorais, raça, gênero e política.

Pedro Paulo de Assis é doutor em ciência política pela UFSCar. Pesquisador do Centro de Estudos em Partidos Políticos da UFSCar e coordenador do projeto OddsPointer.

Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).

Danusa Marques é diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Flora Tristán, associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política, é coorganizadora de “Feminismos em Rede” (Zouk, 2019). Pesquisa elites políticas, eleições e gênero.

 

 

Contra as armas, por um Estado presente: Pautas de evangélicos de esquerda nas eleições

Contra as armas, por um Estado presente: Pautas de evangélicos de esquerda nas eleições

Priscila Zanandrez e Priscila D. Carvalho

Publicado no Jota

Se não é novidade a crescente importância de eleitores e políticos evangélicos no Brasil, a campanha eleitoral de 2022 parece ter tornado mais visível a existência de diferentes posicionamentos políticos entre esse segmento da população. A existência de visões políticas distintas é perceptível por grupos que apoiam candidatos à direita ou à esquerda, que expressam valores conservadores ou progressistas ou que defendem maior ou menor presença do Estado no apoio a populações carentes. 

 

Foram grupos à esquerda, defendendo políticas públicas e com tom crítico ao governo Bolsonaro que se reuniram com o candidato a governador de Minas Gerais, Alexandre Kalil (PSD), nesta terça-feira, 27, em um pequeno auditório na região central de Belo Horizonte.  Kalil e seu candidato a vice, André Quintão (PT), repetem o esforço da campanha presidencial de Lula de aproximação a figuras evangélicas, indo de pastores no Rio de Janeiro a Marina Silva. 

 

Para além das demonstrações de apoio, as falas deixaram visíveis alguns temas que permeiam as disputas pelo eleitorado evangélico: armas versus paz, um estado presente na pandemia versus a negação do Coronavírus, a presença da religião como formadora de laços versus a ausência do Estado. 

 

O primeiro pastor a discursar, Antonio Carlos Ferrarezi, da igreja Metodista, ressaltou não estar falando em nome da igreja e respeitar a liberdade dos membros para votar de acordo com sua consciência política, mas não deixou de criticar o discurso armamentista: “Armas ferem a palavra de Deus”. Na plateia, jovens usavam camisetas pretas com os dizeres “A(r)mai-vos uns aos outros” João 13:34. A arte cortava o R da palavra “armai-vos”, transformando-a em “amai-vos.” 

Dados da pesquisa “A Cara da Democracia no Brasil”, realizada pelo INCT – Instituto da Democracia, mostram que pautar o tema entre evangélicos pode ser um desafio. Perguntados pelo INCT, em setembro, sobre armas de fogo, 33% dos evangélicos e protestantes disseram ser a favor da proibição da venda de armas, menos do que os 39% de outras religiões.

 

Ainda no evento da campanha para governador de Minas Gerais, o pastor Ariovaldo Ramos partiu da defesa da vida como  valor prioritário, afirmou que a pandemia foi a maior prova à vida e aos governantes e que o tema deveria ser chave para orientar as escolhas políticas: “qual governante agiu de tal maneira que hoje tem mais gente viva? Quem salvou vidas?” Ramos é um dos fundadores da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, que desde 2016, durante o impedimento de Dilma Rousseff, posicionou-se em defesa do Estado de Direito, por inclusão, igualdade e justiça.

 

Dados do survey mostram, igualmente, o desafio de levar o tema a eleitores evangélicos:  entre a população em geral, 47% concordam muito com a afirmação “o presidente deu pouca importância ao impacto do novo coronavírus, prejudicando o combate à pandemia no país”. Já entre evangélicos e protestantes, esse número cai para 35%. No entanto, outros 29% discordam muito da afirmação: é, possivelmente, essa a parcela dos fiéis evangélicos e protestantes com a qual os discursos de pastores como Ariovaldo podem conversar.

A cientista política, negra e evangélica, Lorraine Araújo Inácio ressaltou a relação entre capital social adquirido nas comunidades evangélicas e as relações entre economia, religião e política. O debate passou, ainda, pelos laços de cooperação entre pobres evangélicos que, na ausência do Estado, oferecem apoio mútuo e constroem relações de confiança que acabam sendo levadas para a política. Entre a população mais pobre,”quando o Estado não está, a religião está por ele.” afirmou Lorraine. 

 

A fala da pesquisadora toca em um ponto de tensão entre a demanda por ação do Estado e a força da teologia da prosperidade entre o público evangélico, em especial o neopentecostal. A questão é visível também no material preparado pelo PT especialmente para o público evangélico e distribuído no encontro. Ali, a insistência na atuação do Estado em políticas para saúde, educação, emprego e renda ou pelo fim da fome, deixa entrever o desafio de propor um Estado de bem estar social para uma parcela da população que, apesar das políticas públicas implementadas pela Nova República, ainda depende fortemente das práticas de apoio mútuo oferecidas pela religião para enfrentar desafios para acesso ao emprego e renda, ou à autonomia econômica, no caso das mulheres.

 

Priscila Delgado de Carvalho é pesquisadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (pós-doutorado) e pesquisadora associada do INCT Instituto da Democracia. Investiga a atuação de atores coletivos em processos democráticos, com ênfase na transnacionalização de movimentos sociais e sindicatos rurais, e percepções de cidadão

Priscila Zanandrez Martins Morgado é pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT IDDC. Doutora e mestre em Ciência Política pela UFMG. Investiga temas sobre participação, cultura democrática e associativismo.

 

Eleições 2022:  novas regras e as chances das candidaturas negras

Eleições 2022: novas regras e as chances das candidaturas negras

Cristiano Rodrigues

Congresso em Foco

 

As eleições de 2022 são marcadas pela aposta no aumento da competitividade de candidaturas negras e possibilidade de criação de uma bancada negra no Congresso Nacional. Neste texto busco analisar as razões por trás desse otimismo e as reais chances de sucesso das candidaturas negras.

 

Desde 2014, quando o TSE passou a determinar que dados sobre cor/raça fossem incluídos nas fichas de candidaturas, foi possível dimensionar a sub-representação negra na política e algumas medidas foram implementadas para tentar reverter tal situação. Para as eleições de 2022, duas alterações na legislação prometem diminuir a sub-representação negra e feminina: 1) a proposta de divisão proporcional de recursos do Fundo Especial de Financiamento (FEFC) de campanha; e 2) a Emenda Constitucional 111 que determina que os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros sejam contados em dobro para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do FEFC.

 

Além disso, redes de movimentos sociais lançaram uma série de inciativas para visibilizar e impulsionar candidaturas negras em todo o país. A Coalizão Negra por Direitos criou o Quilombo nos Parlamentos, iniciativa de apoio a mais de cem candidaturas de pessoas ligadas ao movimento negro concorrendo a vagas no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas. O Instituto Marielle Franco incentiva o voto em mais de sessenta candidaturas, dos 27 estados do país e de sete partidos diferentes, comprometidas com a Agenda Marielle Franco. A articulação Mulheres Negras Decidem, por sua vez, realizou pesquisa com o balanço dos mandatos de parlamentares negras e incentiva o voto em candidaturas de mulheres negras do campo progressista. 

 

Esse conjunto de ações voltado a impulsionar candidaturas negras é uma resposta ao diagnóstico de que o avanço na representação negra na política segue tímido, especialmente de mulheres negras. A título de exemplo, entre 2014 e 2018, o número de mulheres autodeclaradas “pretas” dobrou nas assembleias legislativas, passando de sete, em 2014, para 15, em 2018. As autodeclaradas “pardas” passaram de 29 para 36. No Congresso, o número de mulheres negras também aumentou, porém, menos significativamente, passando de dez para 13 na Câmara dos Deputados e duas mulheres autodeclaradas “pardas” no Senado Federal.

 

No total, a representação de negros na Câmara dos Deputados aumentou quase 5% na eleição de 2018, em comparação com 2014. Dos 513 deputados eleitos em 2018, 385 autodeclaram-se brancos (75%); 104 afirmaram ser pardos (20,27%); 21 pretos (4,09%); dois amarelos (0,39%) e uma indígena (0,19%). O resultado eleitoral dessas candidaturas de mulheres e homens negros, em conjunto com o crescimento no número de parlamentares mulheres eleitas (passando de 51, na 55ª legislatura, para 77, na 56ª) mostra como estamos distantes do ideal.

 

Pesquisa da Uerj, em parceira com o Instituto Peregum, revela que homens brancos (21% da população brasileira) conquistaram 65% e 61% das vagas nas assembleias legislativas em 2014 e 2018, respectivamente. Nas disputas para deputado federal, homens brancos se elegeram em número quatro vezes maior que o de homens negros, seis vezes maior que o de mulheres brancas e 20 vezes maior que o de mulheres negras. 

 

Pesquisa de Machado e colegas (2022), analisando dados das eleições municipais de 2020, revela ainda como a disparidade na distribuição de recursos de campanha afeta a viabilidade eleitoral de candidaturas negras. Segundo os autores, os fundos públicos representaram mais de 50%   dos recursos de campanha de candidatas mulheres brancas e não brancas, enquanto para homens esse valor foi de 40%. Ao analisar as vereadoras e os vereadores eleitos, o acesso a fundos públicos apresentou um efeito em escada: representou 39% da receita para mulheres não-brancas; 29%, para mulheres brancas; 23% para homens não brancos, e 15% para homens brancos. Em relação ao autofinanciamento, houve uma inversão na ordem: homens brancos podem prescindir de recursos públicos, pois acessam mais facilmente redes de financiamento privadas e cujos valores são superiores àqueles disponíveis para mulheres brancas e não brancas.

 

Por essa razão, embora positivas, medidas como a distribuição proporcional de recursos e a emenda constitucional 111 podem não alcançar os objetivos almejados por uma serie de obstáculos, dos quais destaco três.  Em primeiro lugar, apesar do número recorde de candidaturas negras para as eleições de 2022 (aproximadamente 49% do total), elas se concentram para os cargos de deputado estadual e distrital, ao passo que brancos são maioria dos candidatos para a Câmara Federal e cargos majoritários.

 

Em segundo lugar, a maioria das candidaturas negras está em partidos pequenos, com pouco acesso a recursos e/ou de centro-esquerda, enquanto nos partidos maiores e de centro-direita brancos tendem a perfazer a maioria dos candidatos. Uma vez que há maior competição por recursos em partidos grandes e menor participação de negros, pode haver incentivos para que candidatos brancos se reclassifiquem racialmente para acessar recursos destinados às candidaturas negras.

 

Em Minas Gerais, cinco dos dez candidatos negros a deputado federal que mais receberam recursos do FEFC para 2022 alteraram sua declaração de cor/raça de branco para pardo ou preto. Todos eles são candidatos à reeleição por partidos de centro-direita.

Na Bahia, ACM Neto (União Brasil), ex-prefeito de Salvador e candidato ao governo do estado, se autodeclarou branco em seu registro de candidatura junto ao TSE e, dias depois, solicitou alteração para pardo. Após ser duramente criticado pela opinião pública, ACM Neto negou fazer uso casuístico de sua declaração racial e afirmou que sempre se considerou pardo. O candidato chegou, inclusive, a aparecer bronzeado em um programa de televisão a fim de convencer a todos que realmente é pardo. 

 

Pesquisas de intenção de voto realizadas após essa polêmica, que ativistas negros chamam de afroconveniência, revelaram que a vantagem de ACM Neto sobre Jerônimo Rodrigues (PT) caiu cerca de dez pontos.  Uma série de analistas apressou-se a dizer que tal reviravolta fora consequência do efeito desastroso que a reclassificação racial de ACM Neto causou. Contudo, desde 2006, quando Jaques Wagner (PT) foi eleito derrotando o carlismo, apesar de todas as previsões indicarem vitória no primeiro turno de Paulo Souto (União Brasil), os institutos de pesquisa têm dificuldade de mensurar a força do PT nas disputas majoritárias no estado. Por essa razão, embora a reclassificação racial de ACM Neto tenha sido polêmica e possa estar relacionada ao uso indevido de recursos do FEFC, é forçoso afirmar que foi responsável pela redução na intenção de votos do candidato. 

 

Por fim, outro obstáculo enfrentado por candidatos negros nesta eleição tem sido a morosidade dos partidos em liberar recursos do fundo público para suas campanhas. Há, ainda, partidos que têm se recusado a distribuir proporcionalmente os recursos para candidaturas negras e femininas, conforme determinação do TSE, apesar do risco de serem punidos pela Justiça Eleitoral.  Conta a favor dos partidos que se insurgem contra a distribuição proporcional de recursos decisão tomada pelo Congresso Nacional que anistiou os partidos que descumpriram a regra em 2020. Há chances reais de que o mesmo ocorra com os partidos que descumprirem ou fraudarem a aplicação do FEFC em 2022.

 

A perspectiva de ampliação da representação negra, sobretudo no legislativo, é ainda incerta, apesar de provável.  Por conta da emenda 111, alguns partidos recrutaram candidatos negros com grande potencial de voto e têm investido fortemente em suas campanhas. Por outro lado, a aplicação da regra de distribuição proporcional de recursos vem sendo descumprida por vários partidos e candidatos à reeleição alteraram sua declaração de cor/raça para acessar indevidamente recursos destinados às candidaturas negras.  Haja vista que esse conjunto de legislações e regras estejam sendo testados pela primeira vez em uma eleição geral, é normal que haja imprecisões, fraudes e descumprimentos. A articulação entre a pressão da sociedade civil e o desenvolvimento de mecanismos de controle efetivos e céleres por parte da Justiça Eleitoral serão de suma importância para garantir o aprimoramento contínuo das regras, de modo a que atinjam seus objetivos.

 

Referência

 

MACHADO, C. M. ; CAMPOS, B. L. ; VAZ, A. C. ; RODRIGUES, C . Partidos políticos e inclusão: candidaturas coletivas, negros, mulheres e indígenas. In: Superior Tribunal Eleitoral. (Org.). Sistematização das normas eleitorais : eixo temático VIII : partidos políticos.. 1ed.Brasilia: Tribunal Superior Eleitoral, 2022, v. , p. 67-. 

 

Folha de S. Paulo. 26/09/2022. entrevista da 2a: Partidos são ambientes hostis para pessoas negras.

Cristiano Rodrigues é doutor em Sociologia pelo IESP-UERJ e professor do Departamento de Ciência Política da UFMG.

 

Perfil ocupacional de candidaturas ao legislativo: classe, raça e gênero importam

Perfil ocupacional de candidaturas ao legislativo: classe, raça e gênero importam

Viviane Gonçalves Freitas, Flávia Biroli e Pedro Paulo Assis

Publicado no Jota

Desigualdades persistentes podem marcar a representação política. Isso ocorre quando as vantagens acumuladas socialmente se transformam em recursos políticos simbólicos e materiais. Esses recursos são múltiplos: tempo, redes de contato, dinheiro para campanha, apoio de políticos já investidos de cargos e dos partidos. As ocupações declaradas por candidatas e candidatos são uma das evidências que podem nos ajudar a compreender como essas desigualdades se expressam. É disso que tratamos neste artigo, ao analisar as candidaturas aos legislativos estaduais e à Câmara dos Deputados. Como se verá, o perfil das candidaturas revela uma das maneiras pelas quais as intersecções de raça, classe e gênero reforçam desvantagens. 

Nas eleições de 2 de outubro, das 9.851 candidaturas a deputado federal e das 16.369 candidaturas a deputado estadual, aproximadamente 65% são de homens e 35%, mulheres. Na disputa federal, 51% das candidaturas são brancas e 49%, negras, enquanto, nos pleitos estaduais, 47% são brancas e 53%, negras. A ocupação que concentra o maior número de candidatas nas eleições de 2022 é a de empresária. Entre as candidatas a deputada estadual, 9,1% são empresárias, com uma prevalência maior entre as mulheres brancas (13,8%). No caso das candidatas à Câmara dos Deputados, a média geral é semelhante à das candidaturas estaduais (9,6%), com porcentagens ainda maiores entre as mulheres brancas (11,7%). Trata-se de um perfil que remete mais à composição socioeconômica e de classe dos legislativos do que à de gênero, especificamente. Isso porque, entre os homens, a ocupação declarada pelo maior número de candidatos também é a de empresário. Entre homens brancos, essa proporção chega a 15,4% dos candidatos a deputado estadual e 15,6% dos candidatos a deputado federal. 

A segunda ocupação com maior concentração entre as candidaturas é a de advogada/o, semelhante para mulheres e homens. Entre elas, 5,9% das candidatas aos legislativos nos estados e 7,7% das candidatas ao legislativo federal declararam essa ocupação; entre eles, 6,7% e 8,5% fizeram essa declaração, respectivamente. Vale observar que os percentuais são mais próximos entre mulheres negras e homens negros e entre mulheres brancas e homens brancos, indicando que o perfil ocupacional varia, nesse caso, sobretudo de acordo com raça. Entre as candidaturas de pessoas brancas a deputado federal, 10,4% dos homens e 10,5% das mulheres declararam ter a advocacia como ocupação. Se observarmos a candidatura de pessoas negras ao mesmo cargo, esses percentuais caem para 6,3% entre os homens e 5,1% entre as mulheres. No caso das candidaturas a deputado estadual, o perfil racial faz com que a ocupação de advogada/o caia para a terceira posição entre as mulheres negras. A advocacia foi declarada por 3,7% do grupo, atrás da segunda ocupação (dona de casa), declarada por 4,1% das candidatas negras às assembleias. Entre as mulheres brancas candidatas ao mesmo cargo, advocacia segue em segundo lugar e dona de casa cai para a sexta posição.

As ocupações de candidatos e candidatas estão estreitamente ligadas ao modo como as desigualdades atingem essas mulheres na sociedade, de modo interseccional. No caso das mulheres negras, o que sabemos sobre sua inserção nas relações sociais – maiores taxas de desemprego, maior incidência de chefia familiar monoparental, menores salários e escolarização inferior a de homens e mulheres brancas – aqui se revela, em alguma medida, ao compararmos o perfil ocupacional. 

Outro dado que mostra as diferenças de atividade ocupacional por gênero, também com distinção entre mulheres negras e brancas, é a ocupação de professor/a. Entre os homens candidatos a deputado federal, a profissão de professor não aparece entre as dez mais citadas e, quando aparece, tem maior concentração no nível superior (13ª posição). Já entre as mulheres candidatas ao mesmo cargo, a docência, além de estar entre as dez ocupações mais citadas, predomina no ensino fundamental (7º lugar) e não no superior (21ª posição). No entanto, se verificarmos apenas os homens e mulheres negros no mesmo cargo, o quadro se altera. Para eles, prevalece o vínculo com o ensino médio (15º lugar); para elas, com o ensino fundamental (6º lugar). Entre as mulheres brancas que também são candidatas à Câmara dos Deputados, a docência que se destaca é a de nível ensino superior, em 13º lugar. 

Ainda sobre as ocupações vinculadas ao setor educacional, chama a atenção o lugar que a categoria estudante/bolsista/estagiária/assemelhados está no ranking entre mulheres negras. Não há muita diferença quando consideramos os dados somados de pretas e pardas, ou seja, de candidatas negras a deputada estadual e federal, perfazendo a 6ª e a 5ª posição, respectivamente. No entanto, quando destrinchados os dados entre as pleiteantes à Câmara dos Deputados, as estudantes são a 7ª ocupação entre as pretas e a 16ª entre as pardas. Tal expressividade pode sugerir que as mulheres pretas que acessaram as universidades nos últimos anos – via ações afirmativas, por exemplo – tendem a se interessar ativamente pela construção de políticas públicas a fim de alterar a naturalização de desigualdades sociopolíticas. Entre os homens negros candidatos à Câmara dos Deputados, essa ocupação aparece apenas na 20ª posição.

Enfermagem e assistência social – duas ocupações voltadas ao cuidado e à atenção, portanto socialmente vinculadas à feminilidade – aparecem nas 14ª e 16ª posições entre as mulheres que concorrem para deputada federal. Para as pleiteantes brancas, essas ocupações estão nos 11º (enfermeira) e 21º (assistente social) lugares. Para as mulheres pretas, essas ocupações figuram nas 18ª (assistente social) e 23ª (enfermeira) posições, o que se inverte no caso das mulheres pardas. 

Abaixo, apresentamos dois gráficos com as dez principais ocupações de candidatas/os a deputado estadual e a deputado federal, sempre por gênero e raça.

Fonte: As autoras, a partir de dados TSE (21/08/2022)

 

Fonte: As autoras, a partir de dados TSE (21/08/2022)

O resultado das urnas revelará quem estará presente e ausente nas esferas de decisão, ou seja, como as desproporcionalidades das candidaturas se traduzirão em cadeiras. A adoção de medidas como as cotas de gênero sobre as candidaturas e o financiamento pode colaborar para diminuir o abismo entre homens e mulheres, mas está longe de ser uma solução, já que estamos falando de desvantagens cumulativas. 

Negras e negros têm dificuldades históricas de romper com barreiras sociopolíticas e se projetar na política institucional porque partem de adversidades estruturais e encontram pouco incentivo na legislação eleitoral brasileira ou respaldo dos partidos. Na corrida de obstáculos que vai de se candidatar a eleger-se e conseguir manter uma carreira política, têm tido mais sucesso as e os que pertencem às classes sociais privilegiadas socioeconomicamente, que correspondem em larga medida às ocupações de candidatos e candidatas brancas, como mostrado (empresárias/os, advogadas/os, comerciantes, políticas/os profissionais etc.). Corridas eleitorais são disputas rasas para alguns e maratonas para outros. Não é casual a predominância de homens brancos e proprietários nas casas legislativas brasileiras. 

 

Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).

Flávia Biroli é doutora em História pela Unicamp (2003). É professora do Instituto de Ciência Política da UnB, pesquisadora do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (2018-20). É autora, entre outros, de Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil (Boitempo, 2018) e Gênero, neoconservadorismo e democracia (com Maria das Dores C. Machado e Juan Vaggione, Boitempo, 2020).

Pedro Paulo de Assis é doutor em ciência política pela UFSCar. Pesquisador do Centro de Estudos em Partidos Políticos da UFSCar e coordenador do projeto OddsPointer.