Eleições, gênero e raça: o que o pleito de 2022 nos ensina?

Eleições, gênero e raça: o que o pleito de 2022 nos ensina?

Carlos Machado, Pedro Paulo de Assis, Danusa Marques e Viviane Gonçalves Freitas

Publicado no Congresso em Foco

 

Na avaliação da qualidade da representação política, muitos aspectos destacam-se, como prestação de contas, estratégias, agenda política e bancadas temáticas. Uma maneira bastante direta de avaliar as discrepâncias entre representantes ocorre pela verificação agregada de suas características individuais. Por exemplo: a diferença geral entre a quantidade de mulheres negras na população e de mulheres negras eleitas para os parlamentos pode ser um forte indicativo sobre a qualidade da representação nestas casas parlamentares. Contudo, uma vez que há significativa variação entre os estados e o DF quanto à composição racial de suas populações, é importante considerar a distribuição territorial dessas desigualdades.

Nas análises a seguir, apresentamos mapas baseados em um índice de disparidade entre candidaturas e população. Nele, o valor 0,50 significa pleno equilíbrio; valores superiores a 0,5, sobrerrepresentação; e menores do que 0,5, sub-representação no comparativo populacional. Valores em amarelo indicam igualdade entre a proporção de candidaturas registradas e a distribuição deste grupo na população. Quanto mais avermelhado, mais sobrerrepresentado aquele grupo; quanto mais azulado, maior sua sub-representação. Nos mapas, trazemos apenas as informações sobre candidaturas de mulheres negras e homens brancos, a fim de facilitar a comparação entre um grupo mais prejudicado e o mais beneficiado nas eleições para a Câmara dos Deputados. 

A análise agregada para todo o Brasil mostra um pequeno avanço entre 2014 e 2022. Passamos de 0,31, em 2014, para 0,32, em 2018, chegando a 0,39 de disparidade para as candidaturas de mulheres negras em 2022. Quanto aos homens brancos, fomos de 0,67, em 2014, para 0,66, em 2018, chegando a 0,62, em 2022. Cabe lembrar que essas mudanças não ocorrem nas mesmas proporções em todo país.

Não há mudanças intensas entre 2014 e 2018, mas, em 2022, as candidaturas  de homens brancos ficam com um grau menor de sobrerrepresentação em relação à população em quase todo o país, com exceção de oito estados: Amazonas (mais intensamente), Pará, Mato Grosso, Amapá, Maranhão, Paraíba, Alagoas e Sergipe.

Para as candidaturas de mulheres negras, a sub-representação é a regra, em 2014 e 2018. Em 2022, há uma redução das desvantagens em todas as unidades da federação (UFs), com destaque para Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Roraima, únicos estados onde se observa equilíbrio entre a apresentação de candidaturas e o percentual de população de mulheres negras. A maior disparidade neste ano ocorre nos estados do centro-oeste e Alagoas.

Analisar as candidaturas é importante, embora se mostre insuficiente para captar as assimetrias de gênero e raça na representação política. Após a institucionalização de diversos mecanismos e a adoção de maneiras distintas de driblar os incentivos eleitorais, é óbvio que não basta aumentar o volume de candidaturas de pessoas negras e mulheres, mantendo-se o cenário de um patamar de competitividade baixo. Para ser bem-sucedida, uma candidatura precisa de investimento partidário, redes de apoio, recursos financeiros e visibilidade – o que, em sua maioria, é o modus operandi facilitado a homens brancos.

Assim, construímos um índice similar ao utilizado anteriormente para as candidaturas, mas agora observando a disparidade entre o percentual de pessoas eleitas e a composição racial da população dos estados e DF. Da mesma forma que nas análises anteriores, 0,50 é o resultado equilibrado, valores maiores indicam sobrerrepresentação e menores, sub-representação. 

Quando observamos quem se elege considerando o Brasil como um todo, a sobrerrepresentação dos homens brancos não sofre queda entre 2014 e 2022 – ao contrário, estabiliza-se em um patamar elevadíssimo.

Em todos os estados e DF, há uma marcante sobre-presença de homens brancos. Apenas em Santa Catarina, um estado com baixo percentual de população não-branca, a sobrerrepresentação deste grupo é menos intensa, mas ainda assim verificável.

A situação das mulheres negras pelo país mostra o evidente desafio que precisamos enfrentar para garantir equilíbrio e justiça na representação. A vasta maioria dos estados nem aparece no mapa em 2014 e 2018, porque não elegeu nenhuma deputada negra. O cenário muda pouco em 2022, majoritariamente mantendo uma intensa sub-eleição das mulheres negras em relação à população deste grupo social na UF. O Rio Grande do Sul é interessante ser destacado, visto que, em 2014 e 2018, nenhuma deputada negra foi eleita no estado. No entanto, em 2022, é um dos estados com menor discrepância, junto a Acre e Rondônia. É preciso ter esforços relevantes em todo o país para aumentar as candidaturas de mulheres negras, com redução das desvantagens desse grupo social. Em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Roraima, o baixo número de candidaturas não é um problema (Cf. Imagem 2), mas, sim, a sua competitividade para ganhar as eleições (Cf. Imagem 4).

Avaliar as diferenças estaduais na concorrência eleitoral e nas chances de vitória é central para traçar estratégias de fomento à expansão de candidaturas negras e de mulheres, ação necessária para construir um contexto político democrático no Brasil, no qual todas as pessoas tenham o mesmo valor e chances semelhantes de ocupar posições de poder político. A distribuição de população feminina é uniforme, mas quanto a grupos raciais varia em cada unidade da federação. Dessa maneira, é necessário  pensar em gênero de modo articulado com raça para entender como se dá o controle dos espaços de poder por homens brancos. Apesar das mudanças institucionais eleitorais voltadas para a inclusão que foram exigidas pelas forças democráticas e executadas nos últimos anos, continuamos com uma Câmara dos Deputados com o perfil de sempre.

 

Carlos Machado é professor de ciência política no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol-UnB), onde coordena o Núcleo de Pesquisa Flora Tristán. É coautor do livro “Raça e eleições no Brasil” (Zouk, 2020). Pesquisa partidos políticos, sistemas eleitorais, raça, gênero e política.

Pedro Paulo de Assis é doutor em ciência política pela UFSCar. Pesquisador do Centro de Estudos em Partidos Políticos da UFSCar e coordenador do projeto OddsPointer.

Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).

Danusa Marques é diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Flora Tristán, associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política, é coorganizadora de “Feminismos em Rede” (Zouk, 2019). Pesquisa elites políticas, eleições e gênero.

 

 

Perfil ocupacional de candidaturas ao legislativo: classe, raça e gênero importam

Perfil ocupacional de candidaturas ao legislativo: classe, raça e gênero importam

Viviane Gonçalves Freitas, Flávia Biroli e Pedro Paulo Assis

Publicado no Jota

Desigualdades persistentes podem marcar a representação política. Isso ocorre quando as vantagens acumuladas socialmente se transformam em recursos políticos simbólicos e materiais. Esses recursos são múltiplos: tempo, redes de contato, dinheiro para campanha, apoio de políticos já investidos de cargos e dos partidos. As ocupações declaradas por candidatas e candidatos são uma das evidências que podem nos ajudar a compreender como essas desigualdades se expressam. É disso que tratamos neste artigo, ao analisar as candidaturas aos legislativos estaduais e à Câmara dos Deputados. Como se verá, o perfil das candidaturas revela uma das maneiras pelas quais as intersecções de raça, classe e gênero reforçam desvantagens. 

Nas eleições de 2 de outubro, das 9.851 candidaturas a deputado federal e das 16.369 candidaturas a deputado estadual, aproximadamente 65% são de homens e 35%, mulheres. Na disputa federal, 51% das candidaturas são brancas e 49%, negras, enquanto, nos pleitos estaduais, 47% são brancas e 53%, negras. A ocupação que concentra o maior número de candidatas nas eleições de 2022 é a de empresária. Entre as candidatas a deputada estadual, 9,1% são empresárias, com uma prevalência maior entre as mulheres brancas (13,8%). No caso das candidatas à Câmara dos Deputados, a média geral é semelhante à das candidaturas estaduais (9,6%), com porcentagens ainda maiores entre as mulheres brancas (11,7%). Trata-se de um perfil que remete mais à composição socioeconômica e de classe dos legislativos do que à de gênero, especificamente. Isso porque, entre os homens, a ocupação declarada pelo maior número de candidatos também é a de empresário. Entre homens brancos, essa proporção chega a 15,4% dos candidatos a deputado estadual e 15,6% dos candidatos a deputado federal. 

A segunda ocupação com maior concentração entre as candidaturas é a de advogada/o, semelhante para mulheres e homens. Entre elas, 5,9% das candidatas aos legislativos nos estados e 7,7% das candidatas ao legislativo federal declararam essa ocupação; entre eles, 6,7% e 8,5% fizeram essa declaração, respectivamente. Vale observar que os percentuais são mais próximos entre mulheres negras e homens negros e entre mulheres brancas e homens brancos, indicando que o perfil ocupacional varia, nesse caso, sobretudo de acordo com raça. Entre as candidaturas de pessoas brancas a deputado federal, 10,4% dos homens e 10,5% das mulheres declararam ter a advocacia como ocupação. Se observarmos a candidatura de pessoas negras ao mesmo cargo, esses percentuais caem para 6,3% entre os homens e 5,1% entre as mulheres. No caso das candidaturas a deputado estadual, o perfil racial faz com que a ocupação de advogada/o caia para a terceira posição entre as mulheres negras. A advocacia foi declarada por 3,7% do grupo, atrás da segunda ocupação (dona de casa), declarada por 4,1% das candidatas negras às assembleias. Entre as mulheres brancas candidatas ao mesmo cargo, advocacia segue em segundo lugar e dona de casa cai para a sexta posição.

As ocupações de candidatos e candidatas estão estreitamente ligadas ao modo como as desigualdades atingem essas mulheres na sociedade, de modo interseccional. No caso das mulheres negras, o que sabemos sobre sua inserção nas relações sociais – maiores taxas de desemprego, maior incidência de chefia familiar monoparental, menores salários e escolarização inferior a de homens e mulheres brancas – aqui se revela, em alguma medida, ao compararmos o perfil ocupacional. 

Outro dado que mostra as diferenças de atividade ocupacional por gênero, também com distinção entre mulheres negras e brancas, é a ocupação de professor/a. Entre os homens candidatos a deputado federal, a profissão de professor não aparece entre as dez mais citadas e, quando aparece, tem maior concentração no nível superior (13ª posição). Já entre as mulheres candidatas ao mesmo cargo, a docência, além de estar entre as dez ocupações mais citadas, predomina no ensino fundamental (7º lugar) e não no superior (21ª posição). No entanto, se verificarmos apenas os homens e mulheres negros no mesmo cargo, o quadro se altera. Para eles, prevalece o vínculo com o ensino médio (15º lugar); para elas, com o ensino fundamental (6º lugar). Entre as mulheres brancas que também são candidatas à Câmara dos Deputados, a docência que se destaca é a de nível ensino superior, em 13º lugar. 

Ainda sobre as ocupações vinculadas ao setor educacional, chama a atenção o lugar que a categoria estudante/bolsista/estagiária/assemelhados está no ranking entre mulheres negras. Não há muita diferença quando consideramos os dados somados de pretas e pardas, ou seja, de candidatas negras a deputada estadual e federal, perfazendo a 6ª e a 5ª posição, respectivamente. No entanto, quando destrinchados os dados entre as pleiteantes à Câmara dos Deputados, as estudantes são a 7ª ocupação entre as pretas e a 16ª entre as pardas. Tal expressividade pode sugerir que as mulheres pretas que acessaram as universidades nos últimos anos – via ações afirmativas, por exemplo – tendem a se interessar ativamente pela construção de políticas públicas a fim de alterar a naturalização de desigualdades sociopolíticas. Entre os homens negros candidatos à Câmara dos Deputados, essa ocupação aparece apenas na 20ª posição.

Enfermagem e assistência social – duas ocupações voltadas ao cuidado e à atenção, portanto socialmente vinculadas à feminilidade – aparecem nas 14ª e 16ª posições entre as mulheres que concorrem para deputada federal. Para as pleiteantes brancas, essas ocupações estão nos 11º (enfermeira) e 21º (assistente social) lugares. Para as mulheres pretas, essas ocupações figuram nas 18ª (assistente social) e 23ª (enfermeira) posições, o que se inverte no caso das mulheres pardas. 

Abaixo, apresentamos dois gráficos com as dez principais ocupações de candidatas/os a deputado estadual e a deputado federal, sempre por gênero e raça.

Fonte: As autoras, a partir de dados TSE (21/08/2022)

 

Fonte: As autoras, a partir de dados TSE (21/08/2022)

O resultado das urnas revelará quem estará presente e ausente nas esferas de decisão, ou seja, como as desproporcionalidades das candidaturas se traduzirão em cadeiras. A adoção de medidas como as cotas de gênero sobre as candidaturas e o financiamento pode colaborar para diminuir o abismo entre homens e mulheres, mas está longe de ser uma solução, já que estamos falando de desvantagens cumulativas. 

Negras e negros têm dificuldades históricas de romper com barreiras sociopolíticas e se projetar na política institucional porque partem de adversidades estruturais e encontram pouco incentivo na legislação eleitoral brasileira ou respaldo dos partidos. Na corrida de obstáculos que vai de se candidatar a eleger-se e conseguir manter uma carreira política, têm tido mais sucesso as e os que pertencem às classes sociais privilegiadas socioeconomicamente, que correspondem em larga medida às ocupações de candidatos e candidatas brancas, como mostrado (empresárias/os, advogadas/os, comerciantes, políticas/os profissionais etc.). Corridas eleitorais são disputas rasas para alguns e maratonas para outros. Não é casual a predominância de homens brancos e proprietários nas casas legislativas brasileiras. 

 

Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).

Flávia Biroli é doutora em História pela Unicamp (2003). É professora do Instituto de Ciência Política da UnB, pesquisadora do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (2018-20). É autora, entre outros, de Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil (Boitempo, 2018) e Gênero, neoconservadorismo e democracia (com Maria das Dores C. Machado e Juan Vaggione, Boitempo, 2020).

Pedro Paulo de Assis é doutor em ciência política pela UFSCar. Pesquisador do Centro de Estudos em Partidos Políticos da UFSCar e coordenador do projeto OddsPointer.

 

A aposta dos partidos nas candidaturas femininas para a Câmara dos Deputados

A aposta dos partidos nas candidaturas femininas para a Câmara dos Deputados

Carlos Machado, Danusa Marques e Viviane Gonçalves Freitas

Pubicado na Carta Capital

 

Um dos dilemas para entender a dinâmica eleitoral no Brasil está em como analisar um sistema partidário tão fragmentado, ou seja, com uma alta quantidade de partidos políticos registrados. A título de ilustração, há 32 legendas autorizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a participar da disputa eleitoral de 2022. Para facilitar a comparação e compreensão sobre os partidos, frequentemente acabamos selecionando alguns casos para análise, normalmente aqueles com maior expressão eleitoral nacional.

No entanto, excluir as legendas de menor porte da análise significa desconsiderar a expressão profunda das desigualdades partidárias no Brasil. As chances de uma legenda lançar mais candidaturas femininas e de pessoas negras variam de acordo com seu porte eleitoral, sendo a ideologia apenas um segundo aspecto neste processo. A lista de candidaturas é proporcionalmente mais diversa (com mulheres e pessoas negras, por exemplo) entre aqueles partidos de menor porte. Os considerados pequenos são aqueles que conquistaram poucas cadeiras nas eleições anteriores, o que configura um indicador prévio de que são pouco competitivos. A maior presença de mulheres e pessoas negras entre suas candidaturas é reflexo da violência institucional que incide sobre grupos demograficamente majoritários, embora politicamente periféricos, que encontram mais dificuldades em se viabilizar em partidos maiores e significativamente estabelecidos.

Reconhecer que partidos pequenos, como PCdoB, PCB e PSTU (em 2014), PCO e PMB (em 2018) e PCdoB e UP (em 2022), foram mais abertos à apresentação de candidaturas mais diversas para a Câmara dos Deputados ajuda a compreender as dificuldades de entrada no campo político. Para se entender as desigualdades políticas, é importante considerar que os partidos não são todos iguais e variam quanto à sua capacidade organizativa, tanto na apresentação de candidaturas como na habilidade de angariar recursos financeiros e organizativos suficientes para viabilizar a eleição de postulantes.

O conjunto das candidaturas a deputado/a federal pode apresentar desigualdades internas relevantes não só quanto ao gênero, mas também quanto às características raciais. Em 2014, 81% das candidaturas femininas do PMDB eram de mulheres brancas, seguido por PV e PRTB (67%) e PSDB e Patriota (63%). Nas eleições de 2018, PV, PSDB, MDB, PRB, PROS e PSL apresentaram mais de 60% de mulheres brancas entre as candidatas que buscavam vaga na Câmara dos Deputados. No mesmo pleito, 48% das mais de 200 candidatas do PSOL eram brancas. 

Quatro anos depois, em 2022, este pódio é composto por PL (60%), Republicanos e União Brasil (55%). Nesta eleição, o inverso ocorre com PT, PSOL e AVANTE, que apresentam mais de 60% de candidaturas femininas pretas e pardas. O contraste entre as candidaturas femininas nos partidos indica que não é suficiente considerar apenas se há uma inserção maior de mulheres na corrida eleitoral em um ou outro partido, mas também que é necessário analisar qual é a distribuição racial destas candidaturas – um poderoso indicador de diversidade do perfil de recrutamento político dos partidos, o que diretamente tem reflexo nos problemas políticos mobilizados por essas candidatas.

* Foram selecionados os partidos que apresentaram maior quantidade absoluta de candidaturas à Câmara dos Deputados, considerando aqueles com valor superior à mediana.

Fonte: Site do TSE (2022) / Colaboração Pedro Paulo de Assis

Nas eleições de 2014, os partidos que mais elegeram mulheres apresentaram uma taxa de sucesso média de 6,7% de suas candidatas vitoriosas, sendo que apenas PCdoB e PT se destacaram, respectivamente, com 12,5% e 7,2%. Porém, ao considerar as seis mulheres negras eleitas neste pleito, é importante ressaltar que elas se concentraram no PCdoB (3), PRB (2) e PSB (1), sendo que cada um desses partidos, respectivamente, apresentou taxa de sucesso de mulheres negras de 9,3%, 2,3% e 0,7%.

Nas eleições de 2018, quando houve uma importante mudança no entendimento das regras de distribuição do financiamento eleitoral público e do tempo de TV e rádio para a propaganda eleitoral pública, reservando 30% para as candidaturas femininas (Resolução TSE nº 23.575/2018), houve um incremento de 50% na eleição de mulheres para a Câmara dos Deputados (de 10%, em 2015, para 15%, em 2018 – um grande crescimento sobre um percentual muito baixo). Aqui, notamos que há uma maior quantidade de partidos que elegeram mulheres no geral, assim como especificamente deputadas negras. Porém, a taxa de sucesso feminina (eleitas/candidatas), permaneceu baixa. 

Em 2018, as maiores taxas de sucesso de candidaturas femininas no geral são observadas nas seguintes legendas: PP (12,8%), PR (12%), PSDB (8,4%) e PCdoB (8%). Neste mesmo pleito, para as mulheres negras, houve um aumento significativo de 46% nas cadeiras conquistadas; mas, em números absolutos, isso representa sair de seis eleitas em 2014 para 13, em 2018 – entre 513 cadeiras em disputa. Quatro anos atrás, as maiores taxas de sucesso foram de PSDB, PCdoB e PR, todos com valor de 2%, mostrando como a eleição de 2018 continuou sendo de baixíssima chance de vitória para as mulheres negras que se candidataram.

*Partidos que elegeram alguma deputada federal em 2018.

Fonte: Site do TSE (2022) / Colaboração Pedro Paulo de Assis

Foi apenas em 2014 que, finalmente, se atingiu o percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas nas listas partidárias, exigido desde 2000, pelas cotas de gênero, expressas na Lei Eleitoral 9.504/97. Desde essa eleição, percebemos que não há um viés ideológico claro entre quem recruta mais ou menos mulheres candidatas. Isso é esperado, porque todos os partidos, necessariamente, precisam apresentar o mínimo de 30% de candidatas em suas listas. O que os dados mostram é que este piso passou a ser tratado como um teto pelos partidos: em vez de se caminhar rumo à paridade de gênero, que é uma demanda por justiça na representação que diversos países vizinhos já atingiram, o terço das candidaturas passou a ser um máximo informal. Entretanto, quando observamos as características raciais dessas candidaturas femininas, fica evidente um viés mais branco entre partidos de direita e centro, enquanto partidos de esquerda são mais abertos a candidaturas de mulheres negras. 

Quanto às eleitas, há dispersão partidária de 2014 para 2018. Devido ao número muito baixo de mulheres negras eleitas, a análise comparativa entre os partidos se vê prejudicada. Ainda assim, o fato de que a taxa de sucesso mais alta de candidaturas de mulheres negras é de 2% representa um forte indicativo de que há necessidade de os partidos registrarem uma quantidade muito maior de candidaturas negras para viabilizar um número, mesmo que ainda bem pequeno, de eleitas. Evidentemente, esta mesma baixa taxa de sucesso é um indicativo forte de que essas candidatas urgentemente precisam acessar as estruturas de financiamento e recursos organizativos partidários para serem competitivas.

——

 

Carlos Machado é professor de ciência política no Ipol-UnB (Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília), onde coordena o Núcleo de Pesquisa Flora Tristán. É coautor do livro “Raça e eleições no Brasil” (Zouk, 2020). Pesquisa partidos políticos, sistemas eleitorais, raça, gênero e política.

 

Danusa Marques é diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Flora Tristán, associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política, é coorganizadora de “Feminismos em Rede” (Zouk, 2019). Pesquisa elites políticas, eleições e gênero

 

Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).

 

A preparação dos dados para o artigo foi feita por Pedro Paulo Ferreira Bispo de Assis.

Financiamento público para mulheres e negros nas eleições 2022

Financiamento público para mulheres e negros nas eleições 2022

Carlos Machado*

Viviane Gonçalves Freitas **

Publicado na Mídia Nínja

As eleições de 2020 foram marcadas pela inovação quanto à distribuição do financiamento público considerando os critérios de gênero, estabelecidos desde 2018, e a autodeclaração racial, que remete à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Contudo, o momento em que essa deliberação ocorreu, às vésperas das disputas municipais, fez com que os partidos reagissem à mudança, não havendo, na verdade, um planejamento prévio.

Mesmo que as legendas tenham sido pegas de surpresa, a autonomia que têm na distribuição dos recursos é elevada a um nível que, dificilmente, tal alteração faria com que esses constrangimentos legais afetassem suas estratégias naquelas eleições. De forma geral, os partidos distribuíram corretamente os recursos públicos com relação a critérios de gênero, mas não o fizeram quanto a candidaturas negras,compostas por pessoas que se autodeclararam pretas ou pardas.

Nas eleições de 2022, podemos observar dois tipos de incentivos para os partidos políticos, com base no atual formato da legislação, um de curto e outro de longo prazo. De forma mais imediata, o número de candidaturas registradas por partidos ou federações indica a quantidade do recurso público que as legendas serão obrigadas a destinar a candidaturas negras. Isso pode levar a dois cenários. O primeiro: uma redução no número de candidaturas negras, para que os partidos não se sintam constrangidos a distribuir recursos públicos para determinado perfil de candidatura. Essa é uma dimensão que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), confirmada pelo STF, possibilita. 

No entanto, o registro de candidaturas para 2022 sinaliza que houve aumento de pleiteantes autodeclarados pretos em relação às eleições de 2018, no agregado de candidaturas, refutando, inicialmente, essa hipótese.Esse cenário também abre a possibilidade para que pessoas brancas se aproveitem da fluidez dos critérios de formação das identidades raciais no Brasil para se apresentar como pardas, permitindo um direcionamento de recursos para si.

Com relação ao incentivo de longo prazo, recentemente, o Congresso Nacional aprovou mudanças na legislação eleitoral, concedendo bônus na distribuição de recursos públicos para partidos apresentarem candidaturas femininas e/ou negras, visto que seus votos serão contados em dobro no cálculo para o financiamento e o horário de propaganda eleitoral. Tendo em vista os recursos de eleições futuras, há, portanto, um estímulo para inflar esse perfil de candidaturas. 

Porém, essa distribuição pode ocorrer de forma muito distinta dentro dos partidos. Por exemplo, uma legenda pode optar por distribuir igualmente os recursos entre todas as candidaturas com mesmo perfil ou concentrar recursos em poucas candidaturas, nas quais entenda ser mais provável conseguir o sucesso eleitoral. É importante notar que, a partir das eleições de 2022, entra em cena um novo dispositivo de barreira, a obrigatoriedade de uma candidatura obter ao menos 20% do valor do quociente eleitoral (número de votos válidos dividido pelo número de cadeiras em disputa em cada distrito eleitoral – em se tratando de Brasil, o que corresponde a cada estado) para se eleger. Isso reforça a necessidade de concentrar recursos em poucas candidaturas para a obtenção de cadeiras.

No caso de candidaturas femininas, é importante atentar para a combinação dessa barreira com outro aspecto. Desde 2018, uma estratégia frequente para cumprir a cota de financiamento feminino tem sido a indicação de candidaturas de mulheres para cargos de vice-governadora, vice-prefeita ou suplente ao Senado. A alocação de recursos para candidaturas a esses cargos majoritários, desidratando candidaturas para cargos proporcionais (vereadora, deputada estadual/distrital ou deputada federal), pode reduzir o quantitativo de mulheres capazes de ultrapassar esse piso de 20% do quociente eleitoral.

Existem, assim, várias dimensões a serem observadas nas eleições de 2022 quanto aos desafios que candidaturas femininas precisarão superar com relação ao financiamento de suas campanhas. A legislação sobre o tema é um ganho efetivo em relação ao cenário anterior a 2018. Mas persistem brechas e possibilidades de interpretação sobre a norma que podem reduzir o impacto positivo desejado para as candidaturas femininas.

Cabe também salientar que a alteração na legislação eleitoral, ocorrida no início deste ano, anistiou as legendas que não cumpriram as obrigações de financiamento a candidaturas de mulheres no pleito anterior. Quantos outros dispositivos institucionais serão necessários ainda para que tenhamos, de fato, a equidade na representação política é outro ponto a se atentar.

*Carlos Machado é professor de Ciência Política no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol-UnB), onde coordena o Núcleo de Pesquisa Flora Tristán. É coautor do livro “Raça e eleições no Brasil” (Zouk, 2020). Pesquisa partidos políticos, sistemas eleitorais, raça, gênero e política.

**Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).