Marisa von Bülow e Bia Calza*

Publicado no Blog do Noblat

As iniciativas recentes do Poder Judiciário, direcionadas a combater ações que colocam em xeque a integridade do processo eleitoral, parecem insuflar cada vez mais a base de apoio do presidente da República. É o sentimento de indignação frente a essas iniciativas que está sendo utilizado (e incentivado) para chamar a população às ruas no dia 7 de setembro. Em especial, o Ministro Alexandre de Moraes tem sido o principal alvo de uma narrativa que argumenta que é preciso ir às ruas para salvar o país de uma crise constitucional.

A literatura da ciência política ensina que, para que uma mobilização como a de 7 de setembro tenha sucesso, é preciso que seus organizadores apresentem claramente três tipos de argumentos: o diagnóstico (que apresenta o problema a ser solucionado e identifica o alvo do protesto), o da mobilização (que justifica a necessidade de ir para as ruas) e o prognóstico (que oferece a solução para o problema identificado).

Nesse sentido, é bem típico da retórica populista que o alvo da mobilização seja apresentado como um inimigo do povo. E típico da retórica autoritária é que tanto o diagnóstico como o prognóstico ataquem e enfraqueçam as instituições democráticas. A junção de ambas as retóricas – populista e autoritária – não é novidade. Pelo contrário: vimos acontecer na eleição presidencial de 2018 e, de fato, ao longo de todo o mandato de Jair Bolsonaro. Durante a pandemia, os inimigos eram o STF e os governadores, que não deixavam o presidente trabalhar. Em outras ocasiões, era o Poder Legislativo, parte da imprensa ou a esquerda de forma geral. Ao longo de todo o seu mandato, foram muitas as ocasiões em que os apoiadores do presidente usaram a retórica do inimigo para defender uma virada autoritária, representada pela frase “Eu autorizo”.

Às vésperas do 7 de setembro, essa retórica antagonista e autoritária tem sido intensificada, à luz das iniciativas recentes do Poder Judiciário. O Partido dos Trabalhadores e o ex-presidente Lula continuam sendo inimigos a derrotar, mas ganham muito mais proeminência, como “novos inimigos”, a justiça eleitoral, o Supremo Tribunal Federal, e, especialmente, sua encarnação no juiz Alexandre de Moraes. Enquanto Lula é uma possibilidade do futuro, caso eleito, a denominada “ditadura da toga” é, nessa narrativa, a ameaça do presente. É, portanto, muito mais urgente. A identificação de um setor do judiciário como o inimigo principal transforma o diagnóstico do problema a ser enfrentado: da ameaça comunista potencial à ditadura da toga real.

Ao mesmo tempo, é também ajustada a retórica mobilizadora. Nessa narrativa, a democracia brasileira já está sob ataque, independentemente do resultado eleitoral. Ainda que Jair Bolsonaro seja reeleito, algo precisa ser feito para salvar o país, e precisa ser feito já. Daí o tom de urgência das convocatórias para a mobilização e a ênfase na “liberdade” como a principal palavra-chave associada ao 7 de setembro.

Daí também a diminuição da ênfase nos argumentos sobre fraude nas urnas e transparência eleitoral (ainda que esses temas não tenham sumido e possam voltar ao centro dos debates rapidamente). No Youtube, por exemplo, o monitoramento dos principais canais de apoio ao presidente mostra que eles publicaram mais de 400 vídeos com a temática do 7 de setembro no mês de agosto. Os 100 vídeos com maior número de visualizações sequer tocam no assunto “urna eletrônica” na sua chamada. Por outro lado, 24 fazem alguma menção ao STF ou aos seus ministros no título, enquanto apenas 6 mencionam Lula, a esquerda ou o PT.

Quanto ao prognóstico, ou seja, a solução para o problema, muitas mensagens têm focado especificamente na pessoa de Alexandre de Moraes. Nos últimos 30 dias, um monitoramento privado de aproximadamente 980 grupos bolsonaristas no WhatsApp mostrou que circularam 256 mensagens com textos variados pedindo o impeachment do ministro.

Ao mesmo tempo, é também ajustada a retórica mobilizadora. Nessa narrativa, a democracia brasileira já está sob ataque, independentemente do resultado eleitoral. Ainda que Jair Bolsonaro seja reeleito, algo precisa ser feito para salvar o país, e precisa ser feito já. Daí o tom de urgência das convocatórias para a mobilização e a ênfase na “liberdade” como a principal palavra-chave associada ao 7 de setembro.

Daí também a diminuição da ênfase nos argumentos sobre fraude nas urnas e transparência eleitoral (ainda que esses temas não tenham sumido e possam voltar ao centro dos debates rapidamente). No Youtube, por exemplo, o monitoramento dos principais canais de apoio ao presidente mostra que eles publicaram mais de 400 vídeos com a temática do 7 de setembro no mês de agosto. Os 100 vídeos com maior número de visualizações sequer tocam no assunto “urna eletrônica” na sua chamada. Por outro lado, 24 fazem alguma menção ao STF ou aos seus ministros no título, enquanto apenas 6 mencionam Lula, a esquerda ou o PT.

Quanto ao prognóstico, ou seja, a solução para o problema, muitas mensagens têm focado especificamente na pessoa de Alexandre de Moraes. Nos últimos 30 dias, um monitoramento privado de aproximadamente 980 grupos bolsonaristas no WhatsApp mostrou que circularam 256 mensagens com textos variados pedindo o impeachment do ministro.

Em uma segunda mensagem, o diagnóstico é similar, mas a retórica populista se alia de forma mais explícita à autoritária. A solução para a suposta crise constitucional passa pela atuação das Forças Armadas e o fechamento do STF:

“Vamos todos às ruas no dia 7 de Setembro, levando faixas c/ o seguinte pedido: “Eu autorizo n/ presidente usar as Forças Armadas do Brasil p/q dentro das 4 linhas afastem os integrantes do STF q hoje rasgam a constituição e agindo de forma ideológica a favor do bandido do PT”.”

Às vésperas das eleições e quando se comemoram os 200 anos da independência do Brasil, as mensagens se reproduzem e se espalham com grande velocidade nas redes bolsonaristas, adaptando-se ao que pede o momento político. A menos de um mês do primeiro turno das eleições presidenciais, a mobilização do 7 de setembro terá muito mais a ver com o processo eleitoral e com as autoridades eleitorais do que com o embate entre candidatos e a apresentação de propostas de governo.

 

*Marisa von Bülow é professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

Bia Calza é mestranda em ciência política da Universidade de Brasília.