Há menos de um mês para as eleições de 2022 a floresta amazônica registra seu recorde de focos de incêndio nos últimos 12 anos. É um fato que não pode ser encarado com surpresa por ninguém. O governo de Jair Bolsonaro, desde seu primeiro dia, dedicou-se diuturnamente a desmantelar o sistema de proteção normativa e institucional do meio ambiente brasileiro inaugurado pela Constituição de 1988. A famosa “boiada”, tristemente tornada célebre pela fala do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles durante uma reunião ministerial, passou e não tardou em deixar evidente seu rastro de destruição.

Não é necessário puxar muito pela memória para perceber que o tema do meio ambiente esteve presente em vários momentos durante os anos do mandato de Jair Bolsonaro. Quem não se lembra do desdém com que o governo recebeu a notícia da suspensão dos repasses ao Fundo Amazônia por parte do governo Norueguês? Ou das queimadas devastadoras no pantanal mato-grossense? Ou, ainda, da insinuação, por um lado, de que as queimadas na Amazônia seriam “fake news” por que a floresta é úmida ou, por outro, de que seriam os próprios ribeirinhos os responsáveis pela devastação? Os exemplos multiplicam-se e não conseguiríamos citar todos eles aqui.   

O saldo de quase quatro anos de governo Bolsonaro para o meio ambiente é, portanto, de terra arrasada, literalmente. Desmantelamento dos órgãos de controle e proteção do meio ambiente, violência contra povos tradicionais e ativistas ambientais, expansão desenfreada de atividades ilícitas na região amazônica em que convergiram garimpo ilegal, narcotráfico, milícias, grilagem de terras, desmatamento, poluição dos rios e do oceano, pesca ilegal e toda sorte de crimes. A Amazônia Legal, que já não era conhecida pela força do império da lei, tornou-se um verdadeiro “faroeste verde”. Tudo isso sob os olhos do natimorto Conselho da Amazônia, dos governos estaduais e das forças de segurança nacional. 

Do ponto de vista da competição pelo Palácio do Planalto e seus efeitos sobre a questão em tela, dois cenários distintos surgem no horizonte. Na hipótese da eleição de Lula, é possível antever a retomada de uma certa institucionalidade na Amazônia Legal com vistas a tentar reduzir os atuais recordes de desmatamento e queimadas na região, assim como uma maior repressão às atividades do narcogarimpo. Caso Bolsonaro seja reeleito, no entanto, talvez tenhamos de nos despedir da região amazônica como bioma da forma como conhecemos. A devastação, que já é profunda, intensa e extensa, ganhará um impulso inédito com a eventual sanção, nas urnas, da atual tendência de savanização da região. Além disso, Bolsonaro avançará para a última fronteira ainda não completamente explorada pelos agentes econômicos: a liberação de mineração em terras indígenas, com potenciais consequências genocidas para as populações tradicionais. 

No que tange à disputa estadual, o panorama político nos estados da Amazônia Legal não é mais animador. Do ponto de vista das oligarquias estaduais que dominam a política local, Bolsonaro significou a liberação de todos os “entraves” – leia-se legislação ambiental e instituições de controle – existentes que impediam, ou pelo menos freavam, o avanço indiscriminado sobre a floresta. Para elas, o governo Bolsonaro representou quatro anos de lucros extraordinários e impunidade máxima. A flexibilização das leis ambientais e o incentivo ao desmatamento beneficiaram muita gente poderosa e com dinheiro. É evidente que desejam perpetuar essa situação indefinidamente e, por isso, apoiam Bolsonaro. 

Dois elementos novos chamam a atenção dos analistas e devem ser objeto de estudos nos próximos anos. Por um lado, é forçoso reconhecer que o pleito registrará um grande número de candidaturas de “resistência”. Nesse grupo estão incluídos ativistas ambientais, lideranças indígenas, cientistas e agentes dos quadros da burocracia da política ambiental do Estado brasileiro que se apresentam no processo eleitoral como um sinal de reação da sociedade civil ao panorama catastrófico da política de meio ambiente do governo Bolsonaro a que já fizemos alusão. 

Por outro lado, aparentemente, a devastação da Amazônia ganhou uma dinâmica doméstica própria. As sanções internacionais, ainda muito tímidas, não foram capazes de sensibilizar os estados para agirem energicamente contra os ilícitos ambientais. A crise ambiental na região é profunda, multicausal e não será resolvida com bala de prata. É preciso uma concertação de fatores e atores políticos internacionais, nacionais, estaduais e locais atuando em sinergia para que a situação mude.   

O próximo governo – caso Bolsonaro não seja reeleito – vai se deparar com o desafio de reconstruir o Ibama e o ICMBio, frear a sanha desmatadora, retomar o controle da região amazônica, voltar a fazer parte dos pactos climáticos e superar a péssima reputação internacional angariada pelo Brasil nos últimos anos. 

O que está em jogo nessas eleições, portanto, não é, de modo algum trivial: a manutenção da imensa biodiversidade dos biomas brasileiros, a regularidade de nosso regime de chuvas e, portanto, o abastecimento de água para consumo e a produção agrícola de todo o país, a soberania sobre a região amazônica e, globalmente, a própria estabilidade do clima planetário. Não é pouca coisa e, infelizmente, o cenário que se desenha para o futuro não é animador.

 

Leonardo Barros Soares é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV (Universidade Federal de Viçosa) e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA (Universidade Federal do Pará). Mestre e doutor em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período sanduíche na Université de Montréal (Canadá). Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas.