Marjorie Marona

Publicado no Congresso em Foco

 

Na última semana, Flávio Bolsonaro, senador, reclamou, como coordenador da candidatura do pai à reeleição, da falta de dinheiro da campanha. Em 2018, Jair Bolsonaro se elegeu por um partido inexpressivo (PSL) em uma campanha que gastou 2,5 milhões apenas – uma ninharia perto dos quase 15 milhões que já foram gastos no atual pleito. Em 2018, o fundo eleitoral – principal fonte de recursos das campanhas – era de 1,7 bilhão, contra os quase 5 bilhões destinados às campanhas nas eleições deste ano. Há mais dinheiro à disposição e Bolsonaro está em um partido com melhores condições de captá-lo. Por que chora Flávio? 

Bolsonaro se elegeu em 2018 em uma situação bastante peculiar: apesar dos vários anos como deputado federal, surfou na onda antipolítica que começou a se formar em 2013, com as Jornadas de Junho, e ganhou força e potência com a Operação Lava Jato, a partir de 2014. A absoluta falta de controle da Justiça Eleitoral sobre o uso político-eleitoral das redes sociais, permitindo a proliferação de fake news e o fomento de um ambiente de desinformação sem precedentes no Brasil, também colaborou para a singularidade daquele pleito. Completam o quadro, a prisão do ex-presidente Lula justamente quando liderava as pesquisas eleitorais da disputa à Presidência, e o atentado que o próprio Bolsonaro sofreu, em meio a um ato de campanha em Juiz de Fora/MG. As eleições de 2018 não foram, portanto, eleições normais. Pelo menos não no que diz respeito ao peso que o dinheiro exerce sobre o desempenho dos candidatos ou, com maior precisão, aos impactos que o sistema de financiamento de campanhas pode gerar sobre os resultados eleitorais.

Como decorrência da criminalização da política que a Lava Jato fazia avançar, o STF havia, em 2015, proibido as doações de pessoas jurídicas às candidaturas. A medida não resolveu, contudo, o viés introduzido pelo poder econômico na competição eleitoral. Não houve medidas associadas de controle e combate ao caixa dois. E o teto para doação de pessoas físicas é proporcional à renda bruta do doador, privilegiando os muito ricos. Aliás, depois da lei que instituiu o fundo eleitoral em 2017, como forma de compensação pela perda da fonte de renda vetada, o autofinanciamento passou a funcionar como um modo de furar o bloqueio imposto pelas cúpulas dos partidos, empoderadas pela nova sistemática de distribuição dos recursos públicos. 

Em 2018, portanto, os recursos financeiros (públicos e privados) eram – como seguem sendo – relevantes na determinação do sucesso de uma candidatura. Contudo, outros eventos extraordinários, aleatórios ou conjunturais foram determinantes para a vitória de Bolsonaro naquela eleição. O pleito de 2022, ao contrário, reenquadra Bolsonaro em uma disputa estruturalmente dependente de recursos financeiros – como costumam ser todas as eleições no Brasil. Estruturalmente dependentes de dinheiro porque são certos aspectos do sistema eleitoral e partidário que tornam as eleições caras no Brasil. 

As eleições no Brasil são caras basicamente pela dimensão do colégio eleitoral, quer dizer, a disputa se estabelece em um vasto território e envolve um volume insano de eleitores, os quais não podem contar com os partidos políticos como filtro para sua escolha. As eleições são personalizadas: cada candidato precisa apresentar sua candidatura a cada eleitor, disputando com muitos outros que buscam fazer o mesmo. Os esforços de comunicação são imensos – a mágica para “multiplicar” a presença do candidato passa pela contratação de serviço especializado, publicidade (rádio e TV), impulsionamento de conteúdo nas redes sociais, cabos eleitorais e material de campanha, além dos necessários e bastante dispendiosos deslocamentos da campanha.

Portanto, a menos que o acaso favoreça Bolsonaro novamente, sua candidatura precisa de dinheiro para ampliar as chances de sucesso. O clã Bolsonaro não descobriu isso agora, evidentemente. Flávio, que coordena a campanha do pai à reeleição, sabe disso tão bem quanto qualquer outro político tão experiente quanto ele próprio. Não por acaso Bolsonaro se filiou ao PL (Partido Liberal) para concorrer: o partido detém a sétima maior parte do Fundo Eleitoral e integra o chamado Centrão – bloco de partidos que, sob o governo Bolsonaro, passou a controlar parcela significativa do orçamento sem qualquer tipo de controle por parte do Executivo. Filiar-se a um partido estruturado é, portanto, parte da estratégia de Bolsonaro para lançar uma candidatura competitiva. Revela, por outro lado, a consciência de que a confluência de fatores extraordinários que marcou a disputa eleitoral em 2018 dificilmente se repetiria.

É preciso ter em conta, contudo, que os custos de uma campanha não estão distribuídos igualmente entre as candidaturas. Militares e lideranças religiosas, por exemplo, costumam ter público cativo; celebridades já são bastante bem conhecidas da população – candidaturas desse tipo tendem a depender menos de recursos financeiros para ter sucesso. Concorrentes à reeleição também gozam de óbvia vantagem sobre seus adversários, pela visibilidade que o cargo lhes garante. Ademais, em eleições gerais, as alianças partidárias reforçam o potencial que candidaturas no nível subnacional têm para impulsionar a principal, à presidência da República. Tudo isso joga a favor de Bolsonaro, sem dúvida. No entanto, vários desses atributos também estão presentes na candidatura de seu principal adversário: o ex-presidente Lula, que lidera a corrida eleitoral, pelo Partido dos Trabalhadores. 

A reclamação do núcleo da campanha de Bolsonaro, de que faltaria dinheiro para sua candidatura decolar, é, portanto, da ordem das privações relativas. Quer dizer, deve ser analisada em comparação com a situação de Lula. De fato, a candidatura do ex-presidente já arrecadou o teto de 88 milhões de reais, enquanto a de Bolsonaro está na casa dos 21,8 milhões, segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral. Desse total, o PL aportou aproximadamente 11 milhões, o que equivale a quase 5% do total que o partido recebeu do fundo eleitoral: 213 milhões. Por outro lado, o PT aportou 66 milhões na candidatura de Lula. O partido do ex-presidente tem a segunda maior fatia do fundo eleitoral: 499 milhões. Mais de 13% foram destinados à candidatura de Lula.

Acontece que o fundo eleitoral reforçou o poder dos partidos na determinação do destino das candidaturas em razão do controle que suas lideranças exercem sobre a distribuição dos recursos. Daí porque Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, apressou-se em responder publicamente às insinuações de Flávio Bolsonaro de que faltaria apoio do partido à candidatura de seu pai – e não apenas diretamente, senão que também pela falta de recursos que impactaria negativamente as campanhas nos estados. Segundo os dados do TSE, das 1530 candidaturas proporcionais lançadas pelo PL, apenas 713 receberam recursos do partido. E os mais afetados são os candidatos e candidatas a uma vaga na Câmara de Deputados: apenas 36% deles foram agraciados com recursos do partido.

Bolsonaro também não tem se beneficiado como gostaria dos palanques nos estados. Não obstante o centrão tenha assumido o controle de 22 bilhões do orçamento secreto, os parlamentares da base de apoio do presidente, com candidatura no nível subnacional, vacilam em apoiá-lo explicitamente. Mas Flávio deposita sua frustração na conta dos apoiares de seu pai, embora não haja razão para tal. Bolsonaro é o candidato que mais recebeu doações (recursos privados, portanto) até agora: foram 10,8 milhões de reais injetados, sobretudo, pelo agronegócio. A natureza conflitiva e dimensão partidária da falta de recursos da candidatura de Bolsonaro talvez seja uma verdade dura demais para o clã Bolsonaro, mas é certamente o aspecto mais relevante para compreender a relação entre dinheiro e eleições na atual disputa presidencial.

 

Marjorie Marona é professora da UFMG, coordenadora do Observatório da Justiça no Brasil e na América Latina e pesquisadora do INCT IDDC. Graduada e mestre em Direito, possui doutorado em Ciência Política. É coorganizadora de Justiça e Democracia no Brasil na América Latina: para onde vamos? e coautora de A Política no banco dos réus: a Lava-Jato e a erosão da democracia no Brasil.