Carlos Machado, Pedro Paulo de Assis, Viviane Gonçalves Freitas e Danusa Marques

 

Discutir as condições de disputa eleitoral para mulheres, a partir da dimensão territorial, nos exige articular a desigualdade de gênero ao contexto local da concorrência política. Algumas dimensões importantes para tratar essa variação são o grau de competição política, as condições de desigualdade material e a disposição das elites políticas locais em apoiar tais candidaturas. Para além de identificar essas diferentes dimensões, no caso brasileiro, é preciso pensar em instrumentos de comparação entre as Unidades da Federação (UFs).

Um desafio para abordar as diferenças regionais refere-se a variações quanto ao peso populacional dos grupos analisados, ou seja, a quanto correspondem proporcionalmente ao todo da população. No caso da análise específica sobre as mulheres, esse aspecto é menor, dada a distribuição praticamente uniforme de gênero entre as UFs, mas o mesmo não ocorre quando consideramos a dimensão da distribuição racial no país. Para lidar com essas limitações técnicas, propomos, nesta breve análise, usar o Índice de Disparidade de Candidaturas, que, aplicado às eleições de 2014, 2018 e 2022 para a Câmara dos Deputados na distribuição das candidaturas femininas por UF, pode ser ilustrado pela figura a seguir. Quanto mais azuis, menores são os níveis de apresentação de mulheres candidatas em relação à sua proporção na população. No sentido oposto, quanto mais vermelhos, maiores são as quantidades de candidaturas femininas concorrentes naquele pleito em relação à população na UF. Nos casos das análises a seguir, o valor 0,5 equivale à igualdade de candidaturas em relação à população, situação que não ocorre em qualquer UF.

Em 2014, pela primeira vez, os partidos brasileiros cumpriram, em média, a exigência de apresentação do mínimo de 30% de candidaturas de mulheres para eleições proporcionais. Considerando os dados deste pleito, constata-se um elevado número de UFs nos patamares mínimos da apresentação de candidaturas, com destaque negativo para Maranhão, Bahia, Pernambuco, Goiás e Espírito Santo. É preciso ressaltar que a baixa apresentação de candidaturas femininas é um padrão nacional. Os pequenos desvios positivos se encontram em um conjunto de estados, sem concentração regional nítida, formado por Roraima, Amazonas, Tocantins e Mato Grosso do Sul. Já, em 2018, houve um aumento gradual nas candidaturas femininas à Câmara dos Deputados em todo o território brasileiro. 

A literatura sugere que candidaturas de grupos historicamente marginalizados tenderiam a ser menos discriminadas em ambientes com maior complexidade social, nos quais as formas de atuação política seriam menos tradicionais e patriarcalizadas. No entanto, os dados na figura acima não confirmam essa tese para as  eleições federais brasileiras, pois o aumento no lançamento de candidaturas femininas se dá nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde, historicamente, se observam cenários políticos mais tradicionais. Uma explicação alternativa pode estar associada a aspectos especificamente políticos: regiões onde há menor competitividade estariam mais abertas à entrada de candidaturas que acumularam menor capital político, abrindo a possibilidade de mulheres se posicionarem com maior frequência na disputa eleitoral. Por fim, retornando à tese vinculada aos aspectos de desenvolvimento regional, pode ser que em locais sob controle político de elites políticas tradicionais, as mulheres sejam mobilizadas a partir de clãs familiares para ocupar posição política, devido à pressão das cotas eleitorais para incentivo de candidaturas femininas.

Quando mudamos a análise para o nível de disputa, fica evidente a persistência dessas desigualdades. Nas candidaturas para as assembleias legislativas e a Câmara Legislativa do DF, apesar de se registrar um avanço no quantitativo de candidaturas entre 2014 e 2018, os patamares dessa variação são bastante tímidos, mais do que na disputa para deputada federal. Ao mesmo tempo, não se percebe variação sensível entre as UFs.

A comparação entre disputa nacional e regional permite levantar questões sobre o que significam esses jogos político-eleitorais, do ponto de vista das questões de gênero. Seria a disputa nacional uma vitrine para os partidos, na qual sua maior exposição os levaria a avançar com demandas sociais de mais amplo escopo, como a sobre maior representação feminina? Os partidos deixariam o jogo político sem grandes alterações no âmbito onde há menor visibilidade nacional, em uma política mais paroquial, justificando a baixa variação de candidaturas na arena estadual? Essas perguntas de pesquisa, que podem guiar estudos futuros, trazem em si possibilidades para se compreender mais especificamente as relações entre desigualdades de gênero e sua manifestação nos territórios.

 

Carlos Machado é professor de ciência política no Ipol-UnB (Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília), onde coordena o Núcleo de Pesquisa Flora Tristán. É coautor do livro “Raça e eleições no Brasil” (Zouk, 2020). Pesquisa partidos políticos, sistemas eleitorais, raça, gênero e política.

Pedro Paulo de Assis é doutor em ciência política pela UFSCar. Pesquisador do Centro de Estudos em Partidos Políticos da UFSCar e coordenador do projeto OddsPointer.

Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).

Danusa Marques é diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Flora Tristán, associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política, é coorganizadora de “Feminismos em Rede” (Zouk, 2019). Pesquisa elites políticas, eleições e gênero.