Helena Martins e Rachel Callai Bragatto

Publicado na Carta Capital

A campanha começou no dia 16 de agosto e, com ela, também a corrida pela ampliação da presença das candidaturas nas redes sociais. Dada a lógica de funcionamento das plataformas digitais, que se baseiam em publicidade e têm reduzido o alcance orgânico das postagens, um dos caminhos para isso tem sido recorrer ao impulsionamento pago de conteúdos. Por meio desse mecanismo, os candidatos podem alcançar mais pessoas e, ao mesmo tempo, segmentar o público das mensagens, escolhendo perfis específicos e preparando materiais moldados de acordo com recortes sociais de idade, gênero, renda, localização e interesse. 

Ao todo, entre os dias 19 de agosto e 17 de setembro, anúncios associados às “questões sociais, política e eleições” somaram mais de R$ 76 milhões na Meta, corporação dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, e R$ 24 milhões no Google, detentora do buscador e também do YouTube. Os dados são da Biblioteca de Anúncios da Meta, que apresenta os valores aproximados de todos os candidatos e grupos que propagam informações políticas, e da página de transparência de anúncios políticos do Google.

O líder da disputa presidencial, Lula, também lidera os gastos em impulsionamentos. Foram mas de R$ 322 mil no Facebook e no Instagram e R$ 3,15 milhões em anúncios no Google, tanto de promoção de informações publicadas no site da campanha quanto de vídeos. A diferença mostra a estratégia de Lula de dar projeção a informações textuais que apresentem sua defesa e de criticar Jair Bolsonaro por meio de vídeos. Suas páginas no Facebook e no Instagram, em geral, apresentam imagens positivas da campanha eleitoral. Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PL) também apostam pesado nas empresas do Google. Investiram, respectivamente, R$ 2,05 milhões e 1,47 milhões.

O impulsionamento de conteúdos nas campanhas eleitorais opera em um terreno novo ainda pouco conhecido e regulamentado, dado que se trata de uma atividade permitida apenas nas últimas duas eleições. Ainda assim, a estratégia eleitoral vem tomando grandes proporções, tornando-se elemento importante para a obtenção de lucros pelas plataformas digitais. Por outro lado, cria uma situação de visibilidade condicionada pelo pagamento, o que pode desequilibrar a disputa eleitoral a favor daqueles que dispõem de mais recursos. 

É por meio do pagamento de anúncios que os contratantes podem segmentar o público para os quais apresentarão determinados posts, sendo que o funcionamento dessa segmentação, assim como a sua entrega, são regidos por algoritmos opacos, sobre se sabe e muito se fala. Isso diminui a transparência e pode facilitar a formação de filtros-bolhas ou câmaras de eco. Ou seja, grupos segmentados por interesses e visões de mundo comuns e expostos a conteúdo semelhante, nos quais os indivíduos só vão reforçando os seus próprios pontos de vista e se tornando refratários àqueles opostos. Muito tem se discutido a respeito do impacto disso na democracia, especialmente com relação aos seus efeitos sobre a polarização política em períodos eleitorais.

No caso do Google, mais de vinte mil anúncios foram espalhados na internet. Abaixo, a lista de maiores anunciantes, bem como os valores gastos por eles:

Já em relação às plataformas da Meta, a candidata à presidência da República Simone Tebet lidera o ranking de gastos, com um investimento de R$ 1.124.557, ao passo que dedicou R$ 644 mil para o Google. Ainda pouco conhecida do eleitorado nacional, a atual senadora tem impulsionado conteúdos de apresentação, com dados de pesquisas que mostram crescimento de intenções de votos e também mostrando-se como alternativa à polarização. 

Entre os candidatos à presidência, Ciro Gomes é o que aparece em segundo lugar no ranking do Facebook e Instagram, tendo empregado R$ 656.683 em anúncios. Volume superior foi destinado por Roberto Cláudio, candidato do PDT ao governo do Ceará: R$ 816.138. Logo atrás está Elmano de Freitas, do PT, que disputa com o pedetista o segundo lugar nas intenções de voto no estado. O petista empregou R$ 520.772 no primeiro mês da disputa eleitoral. Do mesmo estado, figura entre os dez maiores clientes da Meta o candidato a deputado federal pelo PV Célio Studart, com R$ 380.230. Assim como em 2020, os candidatos cearenses lideram entre os estados o gasto em impulsionamento na internet.

O candidato ao Senado em Minas Gerais Alexandre Silveira, do PSD, investiu R$ 424.975. Pleiteando o cargo de deputado federal, José Aníbal, do PSDB de São Paulo, dedicou mais de R$ 400 mil para anúncios nas redes da Meta.

Interessante notar que a campanha do presidente Jair Bolsonaro dedicou R$ 126.388. A conta utilizada para esses impulsionamentos foi a do Partido Liberal. A do próprio presidente não aparece entre os anunciantes. Assim, ao passo que outras páginas promovem o presidente e seu ideário, a do próprio adota uma estratégia baseada no engajamento da audiência. 

Nesse ecossistema, outros agentes que também valem-se de impulsionamentos importam. Além dos candidatos, as próprias empresas Facebook Brasil e WhatsApp Brasil aparecerem como anunciantes da categoria “questões sociais, eleições ou política”. Merece destaque também a produtora Brasil Paralelo, que empregou R$ 505.200. Interessante notar ainda a forte participação do “Ranking dos Políticos”, que gastou R$ 362.471 no último mês. Associada a um portal, apresenta-se como “uma iniciativa da sociedade civil que avalia senadores e deputados federais em exercício, classificando-os do melhor para o pior, de acordo com os critérios por eles estabelecidos, como combate aos privilégios, desperdício e corrupção no poder público”. A imensa maioria dos candidatos destacados na plataforma é de direita.

Até o pleito de 2016 no Brasil, os partidos poderiam utilizar a internet de forma orgânica. O impulsionamento em campanhas foi permitido na Minirreforma Eleitoral (Lei nº 13.488) de 2017, que incluiu entre os possíveis gastos eleitorais as formas de impulsionamento de conteúdo por meio da priorização paga de conteúdos em aplicações de busca na internet. Com a mudança ficou “vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes” (BRASIL, Lei nº 13.488/17, art. 57-C). O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio da Resolução nº TSE 23.610, liberou o impulsionamento de conteúdo na internet a partir da pré-campanha, vetando apenas o disparo em massa para um grande volume de usuários por meio de aplicativos de mensagem instantânea, como o WhatsApp. Na prática, tais medidas estimularam o pagamento para a obtenção de visibilidade, o que não ocorre no caso da TV e do rádio, em que os candidatos não podem pagar por anúncios. Na radiodifusão, o tempo de inserções é destinado ao Horário Eleitoral Gratuito e segue a proporcionalidade de representação dos partidos. Os custos para os candidatos e partidos são apenas com a produção do conteúdo e não com a sua veiculação e distribuição.

Em 2020, produzimos levantamento que mostrou que as 50 principais campanhas anunciantes gastaram, juntas, R$ 100 milhões. De 2018 para 2020, foi registrado um aumento superior a 40% no total repassado para tais empresas por meio de impulsionamento de conteúdos. Como os os próximos dias até 2 de outubro serão de fundamental importância para a disputa do eleitorado, é provável que a destinação de recursos para as corporações digitais siga aumentando. O quanto esse mecanismo afeta a isonomia entre as candidaturas, favorecendo a eleição de quem pagar mais, é um ponto que ainda carece de maior acompanhamento, debate e, possivelmente, regulamentação no Brasil. 

Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

Rachel Callai Bragatto é jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR. Foi visiting researcher na University of California – Los Angeles. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC. Interessada em temas como democracia digital, participação política e cibercultura.