As recentes viagens de Bolsonaro e os diferentes  recortes das  mídias sociais

As recentes viagens de Bolsonaro e os diferentes recortes das mídias sociais

Maria Alice S. Ferreira, Rachel Callai Bragatto, Eduardo Barbabela e Francisco Kerche

Publicado no GGN

 

Que as redes sociais não se comportam da mesma maneira não é algo novo. Enquanto o Twitter é terreno fértil para os debates políticos ou futebolísticos, o Instagram parece ancorar discussões comportamentais e de estilo de vida, ecoando celebridades dos mais diversos campos. No YouTube, a polarização ganha espaço faz tempo e o Facebook, entre o esvaziamento e a replicação de outras redes, parece ser o novo CEP digital: se não está lá, não existe – porém não aguarde grandes novidades ou exclusividades por ali.

Mas como os grandes debates nacionais transitam nessas diferentes redes sociais? Há diferença no engajamento, interações e visualizações? Ainda que não sejam possíveis grandes generalizações, foram essas perguntas que guiaram a exploração da repercussão das viagens do presidente Bolsonaro para acompanhar o enterro da rainha Elizabeth II, do Reino Unido, e a sua participação na ONU na semana passada, dois dos eventos que mais repercutiram na agenda política. 

Essa repercussão, porém, se deu de forma diferente em cada mídia social. O Observatório das Eleições monitorou em quatro redes sociais as principais menções relacionadas às viagens de Bolsonaro. Para isso, captou dados de todas as postagens e publicações no período de 17 a  20 de setembro que usavam os termos relacionados à  viagem, como: “bolsonaro rainha”, “bolsonaro viagem”, “bolsonaro ONU”.

No Facebook, os dados analisados mostram que as postagens sobre o tema com maiores interações foram de atores alinhados ao bolsonarismo e publicações do próprio presidente Jair Bolsonaro. 

As interações são métricas que consideram os números de reações, comentários e compartilhamentos para avaliar o sucesso ou não das publicações nas redes sociais. Já as visualizações medem quantas pessoas visualizaram o conteúdo em seu feed ou na página da publicação, mesmo que não tenham reagido a ele. 

Em relação às interações, destacam-se as páginas de Carla Zambelli, que aparece com três dentre as dez postagens com maior engajamento, gerando cerca de 180 mil interações, e de Eduardo Bolsonaro com duas postagens somando um engajamento de mais de 140 mil cliques. 

Apenas uma publicação crítica a Bolsonaro aparece entre as com maior interação. Trata-se de uma postagem do “Brasil de Fato” repercutindo uma projeção surgida em Nova Iorque criticando o atual presidente da República.

No que se refere às visualizações no Facebook, duas páginas do grupo UOL – UOL e UOL Notícias – se destacaram com mais de 700 mil visualizações cada no período analisado. Nas posições seguintes temos quatro páginas bolsonaristas: “Bolsonaro TV”, “Bolsonaro Presidente 2022”, “Folha Política” e “Notícias do Brasil”, todas com mais de 520 mil visualizações (gráfico 1). Na sétima posição, temos a página da BBC Brasil, sucursal brasileira da empresa britânica, que acompanhou todos os movimentos do cortejo fúnebre de Elizabeth II. Em seguida, temos mais três páginas alinhadas com o Bolsonarismo: “Apoiadores do Dr. Serginho”, “Professor Paschoal” e a “Jovem Pan News”. 

Portanto, dentre as dez páginas do Facebook que tiveram maior número de visualizações, sete delas possuem publicações favoráveis a Bolsonaro, somando quase três milhões de visualizações, enquanto as demais páginas possuem quase 1,9 milhão de visualizações. Essas outras três páginas são de empresas de comunicação tradicionais, fornecendo informações de caráter jornalístico e, portanto, de natureza distinta das demais.

Nesse sentido, podemos perceber que o Bolsonarismo dominou a narrativa dentro do Facebook, superando inclusive conteúdo noticioso sobre a morte da rainha e a Assembleia da ONU.

Ao olharmos para a repercussão da viagem nas  páginas do Instagram, percebemos que a cobertura sobre a presença de Bolsonaro no enterro da Rainha e na Assembleia da ONU, pelo menos no top dez de interações, também ficou  desequilibrada, com quatro páginas com postagens pró-Bolsonaro ou alinhadas com o presidente (gráfico 2). Carla Zambelli destaca-se mais uma vez com duas postagens dentre as com maiores níveis de engajamento, gerando 600 mil interações. Porém, foi possível identificar uma grande repercussão de perfis noticiosos, como a Folha de São Paulo. Além disso,  aparecem outros canais, como a Mídia Ninja, identificada com o campo do lulismo.

Quando avaliamos as páginas com maior número de visualizações no Instagram, notamos um equilíbrio maior entre as páginas bolsonaristas e as contrárias ao presidente (gráfico 3). Entre as páginas com conteúdos favoráveis ao atual presidente da República temos um total de quatro: Portal R7, Jornal da Record, Eduardo Bolsonaro e Jovem Pan News. As quatro páginas juntas somam mais de 3,5 milhões de visualizações, quantidade superior à soma das seis páginas não bolsonaristas (3,3 milhões). Entretanto, podemos perceber que essa distância não é tão discrepante quanto era no Facebook, demonstrando que existe uma disputa pela narrativa no Instagram entre as principais páginas no topo.

As duas publicações das páginas da Record (Jornal da Record e Portal R7) são as que possuem o maior número de visualizações no período, mais de 1,46 milhões de visualizações. As duas veiculam o mesmo vídeo, uma reprodução da passagem de Bolsonaro pela Inglaterra e um grupo de apoiadores ovacionando o atual presidente. Apenas como comparação, a terceira posição é do jornal O Povo com mais de 500 mil visualizações com um vídeo sobre a publicação de Bolsonaro comparando a gasolina no Brasil e na Inglaterra.

O Twitter mostra um pouco mais de equilíbrio entre os campos bolsonarista e lulista, reforçando a ideia de que o campo lulista tem ganhado força nessa mídia social (gráfico 4). Os três tweets com maior número de interações sobre o tema durante o período analisado dizem respeito a críticas a Jair Bolsonaro durante a viagem. Ao mesmo tempo, quatros contas de apoiadores de Bolsonaro aparecem com maior número de interações: os candidatos Jouberth Souza e Nikolas Ferreira, o comentarista Rodrigo Constantino e o jornalista Kim D. Paim. Os perfis oficiais de Lula e Jair Bolsonaro aparecem também entre os com mais engajamento.

Já a análise feita no Youtube mostra que grande parte dos canais com maiores índices de interação estão ligados ao campo bolsonarista, como é o caso do  “Os Pingos nos Is”, por exemplo,  que aparece com três vídeos publicados entre os mais vistos, somando quase quatro milhões de interações. Isso reforça a ideia de que há o predomínio de canais bolsonaristas nesta plataforma. 

 

No entanto, chama atenção o grande número de interações no vídeo divulgado pelo  canal do Lula (gráfico 5). Trata-se do vídeo “Conheça Bolsonaro”, que foi transmitido na televisão durante o horário  eleitoral gratuito. Dessa forma, percebe-se que, apesar de ser um ambiente com grande atuação bolsonarista, o perfil do Lula parece ter conseguido, ao menos nesse caso, atrair um grande público e furar sua bolha. O fato do vídeo ter sido divulgado durante o horário eleitoral também pode ter ajudado a conseguir esse grande número de interações.

De forma geral,  podemos perceber que a passagem de Bolsonaro pela Inglaterra e também pela Assembleia da ONU teve repercussões distintas, variando a partir de cada plataforma. Foi possível perceber um domínio da narrativa bolsonarista no Facebook e, com um pouco menos de frente, no Instagram. Apesar da esquerda conseguir emplacar alguns perfis e postagens específicos no período analisado, a direita bolsonarista conseguiu manter a narrativa mais próxima a sua perspectiva nas duas redes. 

Por outro lado, a disputa entre os campos parece ter sido mais equilibrada no Twitter, com tweets mais críticos à viagem do presidente, alcançando um maior número de engajamento. Já  a análise Youtube mostra o predomínio de perfis bolsonaristas entre os vídeos mais publicados, porém as interações desses vídeos não conseguem alcançar o engajamento do vídeo “Conheça Bolsonaro” do canal do Lula.

A análise reforça, mais uma vez, que o uso das mídias sociais por atores políticos pode dar resultados distintos de acordo com cada plataforma. Se, durante muito tempo, a direita e o bolsonarismo dominaram o campo digital, os dados recentes mostram uma tendência de crescimento do campo lulista em alguns desses espaços, como é o caso do Twitter e, em certa medida, do Instagram. Dessa forma, ao olhar para ações políticas no campo digital, como é o caso da campanha eleitoral, é preciso estar atento às especificidades de cada plataforma, levando em conta suas affordances e potencialidades e como elas podem impactar seus usuários. Cada mídia social tem propósitos e formatos específicos, e consequentemente, perfis distintos de usuários.  As equipes que gerenciam essas campanhas parecem conhecer as plataformas e as utilizam de forma específica para seus objetivos.

 

Maria Alice S. Ferreira é doutora e mestra em Ciência Política pela UFMG. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT IDDC.

Rachel Callai Bragatto é jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR. Foi visiting researcher na University of California – Los Angeles. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC. Interessada em temas como democracia digital, participação política e cibercultura. 

 

Eduardo Barbabela é doutor e mestre em Ciência Política pelo IESP UERJ. Atualmente é pesquisador do Manchetômetro (LEMEP IESP-UERJ) e do INCT/IDDC. Realiza pesquisas nos campos de representação política, comunicação política, teoria democrática, liberdade de expressão e comportamento político.

Francisco Kerche é Analista de dados do Greenpeace – BR e mestrando no programa de pós-graduação em sociologia e antropologia. Com ênfase em sociologia digital, métodos digitais e ciências sociais computacionais.

 

Pagamento por anúncios eleitorais já somam mais de R$ 100 milhões

Pagamento por anúncios eleitorais já somam mais de R$ 100 milhões

Helena Martins e Rachel Callai Bragatto

Publicado na Carta Capital

A campanha começou no dia 16 de agosto e, com ela, também a corrida pela ampliação da presença das candidaturas nas redes sociais. Dada a lógica de funcionamento das plataformas digitais, que se baseiam em publicidade e têm reduzido o alcance orgânico das postagens, um dos caminhos para isso tem sido recorrer ao impulsionamento pago de conteúdos. Por meio desse mecanismo, os candidatos podem alcançar mais pessoas e, ao mesmo tempo, segmentar o público das mensagens, escolhendo perfis específicos e preparando materiais moldados de acordo com recortes sociais de idade, gênero, renda, localização e interesse. 

Ao todo, entre os dias 19 de agosto e 17 de setembro, anúncios associados às “questões sociais, política e eleições” somaram mais de R$ 76 milhões na Meta, corporação dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, e R$ 24 milhões no Google, detentora do buscador e também do YouTube. Os dados são da Biblioteca de Anúncios da Meta, que apresenta os valores aproximados de todos os candidatos e grupos que propagam informações políticas, e da página de transparência de anúncios políticos do Google.

O líder da disputa presidencial, Lula, também lidera os gastos em impulsionamentos. Foram mas de R$ 322 mil no Facebook e no Instagram e R$ 3,15 milhões em anúncios no Google, tanto de promoção de informações publicadas no site da campanha quanto de vídeos. A diferença mostra a estratégia de Lula de dar projeção a informações textuais que apresentem sua defesa e de criticar Jair Bolsonaro por meio de vídeos. Suas páginas no Facebook e no Instagram, em geral, apresentam imagens positivas da campanha eleitoral. Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PL) também apostam pesado nas empresas do Google. Investiram, respectivamente, R$ 2,05 milhões e 1,47 milhões.

O impulsionamento de conteúdos nas campanhas eleitorais opera em um terreno novo ainda pouco conhecido e regulamentado, dado que se trata de uma atividade permitida apenas nas últimas duas eleições. Ainda assim, a estratégia eleitoral vem tomando grandes proporções, tornando-se elemento importante para a obtenção de lucros pelas plataformas digitais. Por outro lado, cria uma situação de visibilidade condicionada pelo pagamento, o que pode desequilibrar a disputa eleitoral a favor daqueles que dispõem de mais recursos. 

É por meio do pagamento de anúncios que os contratantes podem segmentar o público para os quais apresentarão determinados posts, sendo que o funcionamento dessa segmentação, assim como a sua entrega, são regidos por algoritmos opacos, sobre se sabe e muito se fala. Isso diminui a transparência e pode facilitar a formação de filtros-bolhas ou câmaras de eco. Ou seja, grupos segmentados por interesses e visões de mundo comuns e expostos a conteúdo semelhante, nos quais os indivíduos só vão reforçando os seus próprios pontos de vista e se tornando refratários àqueles opostos. Muito tem se discutido a respeito do impacto disso na democracia, especialmente com relação aos seus efeitos sobre a polarização política em períodos eleitorais.

No caso do Google, mais de vinte mil anúncios foram espalhados na internet. Abaixo, a lista de maiores anunciantes, bem como os valores gastos por eles:

Já em relação às plataformas da Meta, a candidata à presidência da República Simone Tebet lidera o ranking de gastos, com um investimento de R$ 1.124.557, ao passo que dedicou R$ 644 mil para o Google. Ainda pouco conhecida do eleitorado nacional, a atual senadora tem impulsionado conteúdos de apresentação, com dados de pesquisas que mostram crescimento de intenções de votos e também mostrando-se como alternativa à polarização. 

Entre os candidatos à presidência, Ciro Gomes é o que aparece em segundo lugar no ranking do Facebook e Instagram, tendo empregado R$ 656.683 em anúncios. Volume superior foi destinado por Roberto Cláudio, candidato do PDT ao governo do Ceará: R$ 816.138. Logo atrás está Elmano de Freitas, do PT, que disputa com o pedetista o segundo lugar nas intenções de voto no estado. O petista empregou R$ 520.772 no primeiro mês da disputa eleitoral. Do mesmo estado, figura entre os dez maiores clientes da Meta o candidato a deputado federal pelo PV Célio Studart, com R$ 380.230. Assim como em 2020, os candidatos cearenses lideram entre os estados o gasto em impulsionamento na internet.

O candidato ao Senado em Minas Gerais Alexandre Silveira, do PSD, investiu R$ 424.975. Pleiteando o cargo de deputado federal, José Aníbal, do PSDB de São Paulo, dedicou mais de R$ 400 mil para anúncios nas redes da Meta.

Interessante notar que a campanha do presidente Jair Bolsonaro dedicou R$ 126.388. A conta utilizada para esses impulsionamentos foi a do Partido Liberal. A do próprio presidente não aparece entre os anunciantes. Assim, ao passo que outras páginas promovem o presidente e seu ideário, a do próprio adota uma estratégia baseada no engajamento da audiência. 

Nesse ecossistema, outros agentes que também valem-se de impulsionamentos importam. Além dos candidatos, as próprias empresas Facebook Brasil e WhatsApp Brasil aparecerem como anunciantes da categoria “questões sociais, eleições ou política”. Merece destaque também a produtora Brasil Paralelo, que empregou R$ 505.200. Interessante notar ainda a forte participação do “Ranking dos Políticos”, que gastou R$ 362.471 no último mês. Associada a um portal, apresenta-se como “uma iniciativa da sociedade civil que avalia senadores e deputados federais em exercício, classificando-os do melhor para o pior, de acordo com os critérios por eles estabelecidos, como combate aos privilégios, desperdício e corrupção no poder público”. A imensa maioria dos candidatos destacados na plataforma é de direita.

Até o pleito de 2016 no Brasil, os partidos poderiam utilizar a internet de forma orgânica. O impulsionamento em campanhas foi permitido na Minirreforma Eleitoral (Lei nº 13.488) de 2017, que incluiu entre os possíveis gastos eleitorais as formas de impulsionamento de conteúdo por meio da priorização paga de conteúdos em aplicações de busca na internet. Com a mudança ficou “vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes” (BRASIL, Lei nº 13.488/17, art. 57-C). O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio da Resolução nº TSE 23.610, liberou o impulsionamento de conteúdo na internet a partir da pré-campanha, vetando apenas o disparo em massa para um grande volume de usuários por meio de aplicativos de mensagem instantânea, como o WhatsApp. Na prática, tais medidas estimularam o pagamento para a obtenção de visibilidade, o que não ocorre no caso da TV e do rádio, em que os candidatos não podem pagar por anúncios. Na radiodifusão, o tempo de inserções é destinado ao Horário Eleitoral Gratuito e segue a proporcionalidade de representação dos partidos. Os custos para os candidatos e partidos são apenas com a produção do conteúdo e não com a sua veiculação e distribuição.

Em 2020, produzimos levantamento que mostrou que as 50 principais campanhas anunciantes gastaram, juntas, R$ 100 milhões. De 2018 para 2020, foi registrado um aumento superior a 40% no total repassado para tais empresas por meio de impulsionamento de conteúdos. Como os os próximos dias até 2 de outubro serão de fundamental importância para a disputa do eleitorado, é provável que a destinação de recursos para as corporações digitais siga aumentando. O quanto esse mecanismo afeta a isonomia entre as candidaturas, favorecendo a eleição de quem pagar mais, é um ponto que ainda carece de maior acompanhamento, debate e, possivelmente, regulamentação no Brasil. 

Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

Rachel Callai Bragatto é jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR. Foi visiting researcher na University of California – Los Angeles. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC. Interessada em temas como democracia digital, participação política e cibercultura. 

Zona eleitoral ZZ: o voto dos eleitores brasileiros no exterior

Zona eleitoral ZZ: o voto dos eleitores brasileiros no exterior

Mariana Dutra, Alvaro Lima e Rachel Callai Bragatto

Publicado no Congresso em Foco

 

Os imigrantes brasileiros têm direito ao voto sob as mesmas regras e condições que os brasileiros residentes no Brasil. Nas eleições de 2022, são mais de 697 mil eleitores brasileiros vivendo no exterior que estão aptos a votar, representando 0,45% do eleitorado total. Um número maior do que o colégio eleitoral de alguns estados brasileiros, como Amapá (550.687), Acre (588.443) e Rondônia (366.240) – conforme publicação do Tribunal Superior Eleitoral.

O conjunto desses imigrantes está organizado na chamda zona eleitoral ZZ. Nos últimos quatro anos, ela cresceu de 500.727 em 2018 para 697.078 em 2022, um aumento de 39,21%. A zona eleitoral ZZ é transterritorial e engloba 181 cidades estrangeiras. As mesas eleitorais no exterior são abertas quando a repartição consular da região registra no mínimo 30 eleitores. Nas seções com até 99 eleitores, o voto é feito por meio de cédula impressa e urna de lona. A cada grupo de cem a 800 eleitores, uma urna eletrônica é instalada sob a jurisdição do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF) com apoio da rede consular de cada país. 

O crescimento no colégio eleitoral de brasileiros residentes fora do país acompanha um aumento no número de brasileiros que têm deixado o Brasil para residir em outros países também. Número que mais do que dobrou desde 2015. O último relatório sobre as comunidades brasileiras no exterior, publicado em julho de 2021, indica que são cerca de 4,2 milhões de imigrantes brasileiros vivendo em mais de 150 países.  

 Este conjunto de cidadãos brasileiros vivendo fora do território nacional, chamado de diáspora brasileira, mantém vínculos, em maior ou menor grau, com a vida nacional. São vínculos sociais, envio de remessas financeiras, propagação da cultura, empresas e produtos brasileiros, participação política por meio do comparecimento eleitoral e de organizações comunitárias. 

Apesar disso, brasileiros que moram no exterior não contam com nenhum tipo de representação parlamentar específica, aos moldes do que ocorre em outros países, como a Itália, na qual os imigrantes que vivem no exterior elegem representantes específicos no parlamento (o colégio dos eleitores residentes no exterior vota nos cargos executivos e em candidatos específicos no parlamento que são elegíveis apenas por essa comunidade). Além disso, o acesso ao voto é relativamente difícil devido a ausência ou baixo número de sessões eleitorais em algumas regiões. Por fim, a comunidade imigrante recebe pouca ou nenhuma atenção das campanhas dos partidos políticos.

Os eleitores brasileiros no exterior se deparam com dificuldades específicas para  participar do processo eleitoral nacional. São questões que só atingem a diáspora e, portanto, precisam ser tratadas levando em consideração suas especificidades. A começar pela questão elementar no processo político democrático: a garantia do direito ao voto. A comunidade imigrante na maioria de seu território não tem acesso às seções eleitorais. Votar pode requerer um deslocamento longo  tornando o voto presencial  quase impossível. 

Este não é um problema exclusivo apenas da diáspora brasileira, porém outras diásporas já o enfrentaram e criaram soluções. Atualmente cerca de 150 países permitem múltiplas formas de voto para seus cidadãos que vivem no exterior, como Alemanha, África do Sul, Angola  Bélgica, Austrália, Japão, Holanda e Reino Unido.

O crescimento exponencial da diáspora brasileira coloca em  questão conceitos chave do Estado e da cidadania, que têm se ressignificado na contemporaneidade devido às transformações das condições materiais de vida. A globalização e a revolução nos meios de transporte e comunicação mudaram profundamente as dinâmicas de mobilidade humana.  Os conceitos  de espaço e  tempo passaram a ter novos sentidos, criando outras possibilidades de existir e coexistir. Pessoas e comunidades em movimento são sujeitos ativos neste processo criativo, coexistindo lá e cá, no país de origem e no país de destino. As chamadas imigrações transnacionais são comunidades que têm vida social, econômica, cultural e política ativa em mais de um território geográfico, simultaneamente.  

Este é um dos desafios das democracias representativas contemporâneas. Como garantir o sufrágio universal frente aos crescentes deslocamentos populacionais que rompem a conexão território-cidadão? Como, no caso dos brasileiros residentes no exterior, alargar o direito ao voto para além de presidente e vice-presidente?

O transnacionalismo é um fenômeno das migrações contemporâneas teorizado por Paggy Levitt – professora de sociologia da Wellesley College e da Universidade de  Harvard.  Fenômeno do qual a diáspora brasileira é parte. Esta teoria explica, entre outras coisas, como estas pessoas vivendo fora do território geográfico nacional nutrem motivações suficientes para participar do processo político e eleitoral em seus países natais. Essas motivações têm suas origens categorizadas por Levitt como de (1) natureza econômica: relacionados com a preocupação com os investimentos financeiros, bem estar da família, planos de um futuro retorno para o país de origem; (2) institucional: no caso brasileiro, a obrigatoriedade do voto traz penalidades administrativas para a vida civil que, para quem mora no exterior, são muito difíceis de resolver; (3) política: são os mobilizadores ideológicos do voto e da participação política, como por exemplo, a  identificação partidária.

O pertencimento a sociedades democráticas é possível para sujeitos portadores de direitos. Ou seja, pela garantia dos direitos civis, sociais e políticos –  clássica concepção de cidadania. Ainda que seja importante assegurar tais direitos nas normas, isso não é o suficiente, como já apontava Carole Pateman referindo-se aos direitos sociais e políticos das mulheres. É preciso assegurá-los na prática. Nesse sentido, se faz necessária uma crítica reforma eleitoral de forma a viabilizar a participação política dos emigrantes brasileiros no espírito da Constituição Cidadã de 1988. 

 

Álvaro Lima é é diretor de Pesquisa da Boston Planning and Development Agency (BPDA),  Doutor em Economia Política pela New School for Social Research, e fundador do Instituto Diáspora Brasil.

Mariana Dutra é bolsista do INCT/ IDDC,  diretora do Instituto Diáspora Brasil, socióloga pela UFPR e  mestra em Políticas Públicas pela FLACSO.

Rachel Callai Bragatto é pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT IDDC. Jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR, foi visiting researcher na University of California – Los Angeles, sob a supervisão de Carole Pateman. Investiga temas como democracia e internet, participação política e cibercultura.