Carlos Ranulfo Melo

Publicado no Jota

 

O grau de confiança dos brasileiros no Congresso sempre foi baixo mas, se levarmos em conta os dados da pesquisa “A Cara da Democracia”, nos últimos quatro anos ele vem crescendo. É o que mostra o gráfico a seguir.

Conduzida pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), a pesquisa entrevistou 1.535 pessoas de forma presencial em 101 cidades de todas as regiões do país e foi realizada entre 9 e 14 de setembro. À pergunta sobre confiança no Congresso Nacional, eram oferecidas quatro alternativas de resposta: “confia muito”, “confia mais ou menos”, “confia pouco” e “não confia”. No gráfico acima, para facilitar a visualização, as alternativas foram agregadas, de modo que “confia” engloba as duas primeiras e “não confia”, as duas últimas.

  Como se vê pelos dados, em 2018, 75,6% dos entrevistados não confiava no Congresso, enquanto apenas 21,6% dizia o contrário. Na pesquisa realizada em setembro de 2022, o quadro é diferente: a confiança subiu para 36,5% e o percentual dos que não confiam caiu para 58,5%. O gráfico mostra um crescimento constante, com maior inclinação da curva entre 2021 e 2022.

Vale ressaltar que se desagregarmos os dados do gráfico nas quatro alternativas apresentadas ao eleitor na pesquisa, será possível perceber que o aumento da confiança é, em sua maior parte, resultado de um crescimento de 17% para 29,1% dos respondentes que marcaram “confia mais ou menos”. Entre os que responderam “confiam muito” o aumento foi de 4,6% para 7,4%. Por outro lado, o percentual dos que “confiam pouco” praticamente se manteve inalterado – de 19,3% para 20,3% – enquanto o daqueles que na pesquisa responderam “não confia”  despencou de 56,3% para 38,2%.

Ainda que não seja possível apresentar uma explicação plenamente satisfatória para a melhora na avaliação, há que se levar em conta que o Congresso teve alto grau de protagonismo durante os últimos quatro anos, até mesmo diante da frágil articulação política de um governo que nunca chegou a controlar o processo legislativo. É evidente que decisões políticas sempre agradam a alguns e desagradam a outros, mas o fato é que muitas vezes os olhares de boa parcela dos cidadãos estavam postos no que faziam os congressistas.

No biênio 2019/2020, o Congresso aprovou uma reforma da previdência mais próxima de sua preferência ao não aceitar a capitalização ou o fim do Benefício de Prestação Continuada (BPC), como desejava o governo, e legislou sobre o Fundeb à revelia do governo, fazendo-o recuar da tentativa de desviar parte dos recursos para a assistência social. Durante a pandemia forçou o Executivo a elevar o auxílio de emergência de R$ 200,00 para R$ 600,00 e, diante da ausência de propostas do governo, foi responsável, segundo levantamento realizado pela Folha de São Paulo, pela maioria das mudanças introduzidas na legislação sobre saúde.

No biênio 2020/2021, com a vitória de Lira, a Câmara melhorou sua imagem junto ao bolsonarismo ao tornar-se barreira intransponível aos inúmeros pedidos de impeachment do presidente da República – em que pese ter rejeitado proposta que tornava obrigatório o voto impresso. Além disso, o Congresso aprovou as medidas necessárias à redução do preço da gasolina e a PEC que viabilizou a elevação do valor do Auxílio Brasil, o complemento do Auxílio Gás e a ajuda para os caminhoneiros. Por outro lado, o Senado esteve em evidência durante a CPI da Covid, uma iniciativa que manteve o governo na defensiva durante alguns meses. 

Ao longo de todo esse período, o único momento inequivocamente desfavorável à imagem do Congresso deu-se na aprovação, e posterior repercussão, das emendas do relator ao Orçamento da União. Para além dos seus seletos beneficiários, o “orçamento secreto” não encontrou defensores na sociedade.

Não obstante o Congresso, especialmente  a Câmara, tenha contribuído com o governo nos últimos dois anos – o que ajuda a entender por que o Legislativo saiu da lista de “inimigos” do presidente da República – é entre os eleitores que declaram a intenção de votar em Lula que a confiança no Congresso é maior – 45,2% ante 35,1% entre os eleitores de Bolsonaro. Por outro lado, 52,2% dos que pretendem votar no petista não confiam no Congresso, percentual que sobe a 61,7% no caso do atual presidente da República.

Entre os que acreditam (muito ou mais ou menos) que a contagem de votos no Brasil é feita de forma honesta, 43,2% confiam no Congresso. Entre os que não acreditam (pouco ou nada) que o TSE garanta uma contagem honesta, apenas 26,6% confiam no legislativo federal. O dado vai na mesma linha do anterior, uma vez que os eleitores de Bolsonaro têm sido estimulados a não confiar na Justiça Eleitoral brasileira. 

O eleitor bolsonarista, de fato, tem mais a agradecer do que a reclamar da atuação do Congresso pelo menos nos dois últimos anos. Se sua confiança na instituição revela-se menor que a dos eleitores de Lula, a explicação pode estar no pendor autoritário do seu líder maior.

 

Carlos Ranulfo Melo é doutor em Ciência Política, professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos. Autor de Retirando as Cadeiras do Lugar: Migração Partidária na Câmara dos Deputados, coautor de Governabilidade e Representação Política na América do Sul e coeditor de La Democracia Brasileña: Balance y Perspectivas para el Siglo XXI. Tem artigos publicados sobre partidos, estudos legislativos e instituições comparadas com foco no Brasil e nos países da América do Sul.