Valéria C. Cabrera

Publicado no GGN

 

No primeiro turno da eleição de 2018, Eduardo Leite (PSDB) foi o candidato a governador mais votado em 260 das 497 cidades do estado do Rio Grande do Sul. Em 2022, o cenário foi outro: Leite venceu em apenas 46 municípios (214 a menos em relação ao último pleito). O candidato petista, Edgar Pretto, foi o preferido em outros 147 municípios, enquanto Onyx Lorenzoni (PL), vencedor do primeiro turno, obteve a melhor colocação em 299 cidades.

Na eleição anterior, logo atrás de Leite, apareceu José Ivo Sartori (MDB), que concorria à reeleição, com 189 municípios. O candidato do PT era Miguel Rossetto, que terminou em terceiro lugar no pleito e foi o mais votado em 46 cidades. Com isso, Leite e Sartori, dois candidatos de centro-direita, disputaram o segundo turno da corrida ao governo gaúcho. O cenário indicava que seria uma disputa acirrada. Naquele ano, Jair Bolsonaro foi para o segundo turno da eleição presidencial com grande margem de votos no estado e recebeu o apoio de Sartori. Para evitar perder capital político, embarcando na onda de rejeição ao PT encampada pelo bolsonarismo, Leite ofereceu “apoio crítico” a Bolsonaro e venceu a eleição com 53,62% dos votos.

No decorrer do mandato, Leite divergiu do presidente Bolsonaro algumas vezes, mas buscou sempre manter um tom conciliatório com o Executivo federal, como quando ofereceu crítica à politização da compra de vacinas contra coronavírus pelos “dois lados”, fazendo referência à aquisição de vacinas por governadores, entre eles seu correligionário João Dória. Nesse cenário, disputou as prévias do PSDB, desafiando Dória, para lançar-se como o candidato da terceira via à Presidência da República. Leite chegou a renunciar ao governo do estado do Rio Grande do Sul para concorrer, mas perdeu as prévias partidárias em meio a suspeitas de fraude.  

O fato é que Leite, que já havia manifestado abertamente sua oposição à possibilidade de reeleição, voltou atrás e candidatou-se agovernador do estado do Rio Grande do Sul pela segunda vez.  Quando prefeito da cidade de Pelotas, Leite rejeitou concorrer à reeleição, mesmo com a aprovação de mais de 80% dos eleitores ao seu mandato. Em 2018, 90% dos eleitores de Pelotas votaram em Leite para governador no segundo turno. 

O tema é delicado no estado: os gaúchos nunca reelegeram um governador. Historicamente, os eleitores desviaram da polarização entre a situação e a oposição, optando por candidatos intermediários. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando Leite venceu Sartori em 2018. 

Os dados do primeiro turno de 2022 mostram essa tendência, por exemplo, na Região Sul do estado, onde Leite venceu em todas as 22 cidades em 2018, mas apenas em oito no primeiro turno de 2022. Dos 14 municípios perdidos pelo tucano na região, 10 preferiram Pretto, que, além de não representar a situação, não se configurou como a principal oposição aLeite na campanha eleitoral. O mesmo ocorreu na Região da Campanha, em que o candidato petista venceu em todos os municípios. Em 2018, Leite havia perdido para Rossetto apenas em duas cidades da região.

Assim, como Pretto não foi o favorito no primeiro turno da eleição de 2022, a oposição deu-se marcadamente entre Leite e Lorenzoni, o que, pelo histórico gaúcho, pode estar associado ao crescimento do candidato petista. Entretanto, desta vez, o fato é que a postura pacificadora de Leite não contribuiu com a sua candidatura: de um lado, o bolsonarismo lançou o seu próprio candidato, Lorenzoni, e de outro, setores progressistas não viram com bons olhos a neutralidade de Leite quanto ao Governo federal durante o seu mandato como governador, reforçando a candidatura de Pretto.

O candidato do PT, desacreditado no início da campanha eleitoral, cresceu nas pesquisas e dias antes da eleição já aparecia próximo ao segundo mais mencionado, Lorenzoni. Contados os votos, Lorenzoni ficou em primeiro lugar e Leite em segundo, com apenas 2441 votos a mais do que Pretto, indicando possível migração de eleitores de Leite para Lorenzoni como reação ao crescimento do candidato petista. Como o PT tem forte rejeição no estado, sobretudo nas Regiões Norte e Noroeste, onde Lorenzoni foi bem-sucedido como reflexo do debate nacional, a derrota de Edgar Pretto não atesta o fim do histórico gaúcho de escapar à polarização eleitoral local.

No entanto, se Leite for eleito, será o primeiro governador reeleito no estado do Rio Grande do Sul e, para isso, precisará contar com os eleitores de Pretto. Ao que parece, a força do debate nacional, principalmente no que diz respeito aos temas levantados pelo bolsonarismo e pela reação a ele, influenciará decisivamente na eleição do estado. Após o primeiro turno, aguardava-se saber se Leite, enfim, iria aderir ao anti-bolsonarismo, dúvida que se encerrou no final da semana passada, quando o candidato ao governo gaúcho declarou que não manifestará o seu voto para a Presidência da República.  

 

Valéria C. Cabrera é doutora em Ciência Política pela UFPel e pós-doutoranda no Cesop/Unicamp.