Em SP, Lula amplia votação do PT em todas as cidades. Bolsonaro perde votos em 3 a cada 4 municípios

Em SP, Lula amplia votação do PT em todas as cidades. Bolsonaro perde votos em 3 a cada 4 municípios

Otávio Z. Catelano, Andressa Z. Rovani e Fabíola Brigante Del Porto

Publicados na Mídia Ninja

 

 

Em relação a 2018, Bolsonaro teve porcentagens menores em 76% dos municípios paulistas. Apesar de vencer no primeiro turno em São Paulo, o presidente teve 138 mil votos a menos do que na última eleição

 

Entre as eleições de 2018 e 2022, o estado de São Paulo ganhou mais de 1,6 milhão de novos eleitores, totalizando 34,6 milhões de cidadãos aptos a votar atualmente – o que representa cerca de 21% do eleitorado brasileiro. No primeiro turno da disputa presidencial de 2022, o estado registrou 23,4 milhões de votos válidos, sendo 47,7% para Jair Bolsonaro (PL) e 40,9% para Lula (PT).

 

Por ser o estado com maior número de votos do país, os candidatos tendem a concentrar seus esforços em SP. A campanha de Lula, por exemplo, tentou reverter a baixa votação do candidato petista de 2018, Fernando Haddad – o agora candidato ao governo do estado que disputou a Presidência da República pelo PT. Na última eleição, Haddad testemunhou uma disparada de Bolsonaro entre os eleitores do estado.

 

Como resultado, Lula conquistou 6,6 milhões de votos paulistas a mais que Haddad em 2018. Somente na capital do estado, o ex-presidente teve quase 28% de votos a mais que o ex-prefeito – cerca de dois milhões de votos de diferença. Já São José do Barreiro, uma pequena cidade próxima à divisa com o Rio de Janeiro, foi a cidade em que a diferença de votos petistas mais cresceu. Em 2018, Haddad havia conquistado 17,6% dos votos barreirenses, enquanto neste ano Lula alcançou 55,3%.

 

Observando o restante dos municípios, Lula conquistou porcentagens maiores que Haddad em 100% do estado. Apenas em Barra do Chapéu (+3,3%) e Barra do Turvo (+9,2%) o crescimento registrou taxa menor que dez pontos percentuais. Em pelo menos 384 cidades, o ganho foi de 20 pontos ou mais. Entre esses, destaca-se Pindamonhangaba, a cidade de Geraldo Alckmin, onde Lula angariou 22.578 votos a mais do que Haddad em 2018 – uma diferença de 24%. Também chama atenção o aumento de 22,7% de votos em São José dos Campos (101.929 votos a mais), a cidade escolhida como domicílio eleitoral de Tarcísio de Freitas (Republicanos).

 

Apesar de ter mantido sua vitória no estado de São Paulo, Bolsonaro viu seu apoio encolher: o candidato à reeleição saiu do primeiro turno com 138 mil votos a menos do que conquistou em 2018. Considerando apenas a capital, a perda foi de cerca de 217 mil votos, compensada com alguns pequenos ganhos no interior. Dos 645 municípios do estado, Bolsonaro conquistou novos eleitores em relação ao primeiro turno de 2018 em apenas 150 – ou uma a cada quatro cidades paulistas. Mesmo nessas cidades, o crescimento é pequeno. Os aumentos mais expressivos foram nas cidades de Barra do Chapéu (+14,7%, 544 votos), Itaoca (+13,5%, 322 votos) e Ribeirão Branco (+10,6%, 1.181 votos).

 

Em Saltinho, a cidade mais bolsonarista do estado, o presidente alcançou 75,8% dos votos no primeiro turno. Entretanto, mesmo lá, sua porcentagem caiu 1,5% em relação à votação em 2018. Além disso, Bolsonaro perdeu votos em todas as cidades paulistas que registraram mais de 100 mil votos válidos em 2018, mesmo naquelas em que conquistou um número expressivo de votos, como é o caso de Piracicaba (64% em 2018 e 61% em 2022).

 

Em um segundo turno apertado, cada voto faz a diferença.Mesmo conquistando menos votos em SP do que Bolsonaro, não faltam motivos para que a campanha de Lula veja com bons olhos os resultados do primeiro turno no estado. 

Otávio Z. Catelano – Doutorando em Ciência Política pela Unicamp e pesquisador do Cesop-Unicamp no Observatório das Eleições 2022 (INCT IDDC)

Andressa Z. Rovani – Doutoranda pela Unicamp e pesquisadora do Cesop-Unicamp no Observatório das Eleições 2022 (INCT IDDC)

Fabíola Brigante Del Porto – pesquisadora do Cesop-Unicamp e do Observatório das Eleições 2022 (INCT IDCC)

O que está em jogo nas eleições 2022: opinião pública

O que está em jogo nas eleições 2022: opinião pública

Fabíola Brigante Del Porto

Publicado no NEXO

Série de pesquisas se debruça sobre a relação dos brasileiros com a democracia. Resultados revelam disposição da população para defender regime

Em nenhum outro momento da história política recente do país prestou-se tanta atenção nos humores do eleitorado como em 2022. Analistas e jornalistas passaram os últimos meses debruçados sobre pesquisas de opinião pública para tentar compreender o que está acontecendo com os eleitores brasileiros. As pesquisas de intenção de voto, inclusive, transformaram-se em assunto de batalha política, com os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro buscando desacreditar os resultados divulgados pelos principais institutos do país.

O fato é que as pesquisas contaram a história de um governo mal-avaliado e que cotidianamente agrediu as instituições democráticas. A série de pesquisas “A Cara da Democracia”, realizada pelo INCT-IDDC (Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação), contribuiu muito para a compreensão dos últimos quatro anos no Brasil. No último levantamento, realizado entre 9 e 14 de setembro, a relação dos brasileiros com a democracia foi objeto de análise.  

Na eleição em que mais nos preocupamos em defender a democracia desde o fim do regime militar, a pesquisa revela que não chega a 30% o percentual de brasileiros completamente dispostos (em uma escala de 1 a 10 dão a nota máxima) a participar de manifestações para defender “direitos democráticos”. Para comparação, a mesma pesquisa mostra que 53% dos entrevistados se dispõem a participar de protestos contra a corrupção. E isso (a baixa disposição dos cidadãos em participar de manifestações em defesa da democracia) ao mesmo tempo que a pesquisa aponta que quase 70% dos brasileiros preferem sempre a democracia (um aumento de dez pontos percentuais em relação à onda de junho de “A cara da democracia”), mas discretamente inferior ao apurado pelo Instituto Datafolha em agosto, na sequência das cartas, atos e manifestos de diferentes entidades da sociedade civil em defesa da democracia.

Para mantermos algum otimismo com relação à disposição da sociedade brasileira em protestar para defender os direitos democráticos, há que se considerar que, se comparado à pesquisa do Latinobarómetro do final de 2013, ano em que ocorreram no país as “manifestações de junho”, o resultado atual mostra um aumento (também de dez pontos percentuais) na disposição dos brasileiros. Em 2013, o percentual de menos de 20% de entrevistados que apontava estar “completamente disposto” a participar de manifestações em defesa de direitos democráticos pode ser atribuído ao nosso otimismo com os sinais da consolidação da democracia brasileira, quando não víamos necessidade nesse engajamento, pois a democracia não estava em xeque. A própria explosão de manifestantes nas ruas naquele ano, apesar da enorme insatisfação que revelava, foi vista, em princípio, como expressão de uma democracia viva. 

A disposição dos cidadãos em se manifestar em defesa de direitos democráticos começou a aumentar em 2015, em um cenário em que a democracia brasileira passava a sofrer solavancos, ameaças e instabilidades. Em 2020, após dois anos de governo Bolsonaro e seus retrocessos, essa disposição atingiu o mais alto patamar na série de pesquisas disponíveis, com um em cada três brasileiros dando a pontuação máxima na escala de disposição em defender a democracia em protestos. O resultado mais recente da pesquisa “A cara da democracia” mostra, portanto, uma ligeira oscilação negativa nessa disposição (de 32% para 27,3%), ainda que muito próxima das margens de erro dos levantamentos. Ao lado disso, outro ponto chama a atenção negativamente nos dados atuais: em 2022, o percentual dos que não estão nem um pouco dispostos a participar de protestos para defender a democracia é de 30%, o mais elevado desde 2013, porcentagem ainda mais expressiva quando comparada ao levantamento do Latinobarómetro de 2020, quando apenas 15% dos entrevistados atribuíram essa mais baixa pontuação à sua disposição em defender “direitos democráticos”.

 

No período 2013 a 2020, ainda de acordo com levantamentos do Latinobarómetro, os brasileiros mostraram maior disposição em protestar por preocupações mais concretas, como melhores serviços de saúde e de educação, melhores condições de trabalho e salários mais elevados (infelizmente, não temos dados sobre isso na mais recente pesquisa para comparar). Essas questões, desde o início da democracia recente, são temas que traduzem expectativas dos cidadãos com relação aos governos democráticos, mas que não são percebidas por aqueles como possíveis definições da democracia. Resultados do Estudo Eleitoral Brasileiro, realizado pelo Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), para 2014 e 2018, mostraram que, quando pedidos para definir a democracia em suas palavras, quase metade dos entrevistados não foi capaz de dar alguma resposta e, entre os que o fizeram, as maiores menções se referiam a procedimentos, como o direito de voto, e a liberdades. Isso sugere que, para grande parte dos brasileiros, a democracia parece mais uma abstração ou uma formalidade. 

 

Quando, na nova pesquisa “A cara da democracia”, cruzamos a preferência por regimes e a disposição em participar de protestos para defender a democracia, observamos que, entre os quase 70% que preferem este regime, a disposição em defendê-lo é apenas um pouco mais elevada do que a dos que acham que “a ditadura pode ser melhor em certas circunstâncias” e a daqueles que acham que “tanto faz o regime” – entre os que se dizem “democráticos”, apenas três em cada dez respondem estar “completamente dispostos” a defender a democracia; nos outros dois grupos a proporção é de dois para cada dez.

Paralelamente à baixa disposição dos entrevistados em defender o regime democrático (e, mais notadamente, a dos que acreditam na superioridade deste regime), o resultado que mais chama a atenção na pesquisa recente aparece quando desagregamos os dados de disposição em participar de manifestações para defender “direitos democráticos” pelas clivagens marcantes da atual polarização da política brasileira – bolsonaristas e petistas – e isolamos esses grupos (que reúnem 15,7% e 13,5% dos entrevistados, respectivamente) do restante dos eleitores. Primeiramente, é notável que o grupo que não se identifica nem com o bolsonarismo nem com o petismo é o que responde em menor proporção estar “completamente disposto” a defender a democracia em protestos (21,6%). Porém, o que intriga observar é que, entre as duas clivagens da polarização política, o percentual de bolsonaristas que se diz totalmente disposto a defender “direitos democráticos” é mais elevado do que o de petistas (45,6% e 35,3%, respectivamente). 

Por mais que esse resultado possa, de início, nos surpreender, é preciso considerar que o próprio presidente Jair Bolsonaro diz defender a democracia desde seu discurso de posse e, mesmo quando afronta as instituições, o Supremo Tribunal Federal em particular, o faz sob a alegação de que “todos precisam jogar dentro das quatro linhas da constituição”. 

Ainda, em 2018, não obstante a questão democrática tenha sido tratada como uma questão de menor importância na decisão eleitoral, pesquisa do Datafolha realizada na véspera do segundo turno, mostrava que 41,4% dos brasileiros consideravam Bolsonaro o candidato mais autoritário, e, ao mesmo tempo, o que mais defenderia a democracia (considerando aqui os que responderam “não sei”, “nenhum” e “os dois”. Excluídos esses, a porcentagem chegava a 47,4%). Entre os que declaravam o voto em Bolsonaro, esse percentual atingia 66,4% (do mesmo modo, considerando os que responderam “não sei”, “nenhum” e “os dois”. Excluídos esses, o percentual atingia 78,8%). Vale dizer, para grande parte de seus eleitores, parecia não haver contradição ou incongruência entre o líder/candidato ocupar os dois papéis simultaneamente.

Após parte significativa dos brasileiros ter relevado as características autoritárias de Jair Bolsonaro na eleição de 2018, os resultados desta rodada de “A cara da democracia” nos alertam para o fato de que enquanto é baixa a nossa disposição em nos mobilizar em defesa de “direitos democráticos”, o campo bolsonarista (por menor que ele ainda seja) se mostra disposto a fazê-lo.

Sabemos que o conceito de democracia pode ter interpretações, para dizer o mínimo, bastante controversas. Lembremos, por exemplo, que o golpe militar contra o então presidente da República, João Goulart, em 1964, foi dado em nome da democracia, visão reproduzida em março último, 58 anos depois, com a publicação, por parte do Ministério da Defesa, da “Ordem do Dia alusiva ao dia 31 de março”. Afinal, especialmente para a nossa recente trajetória política pós-Constituição de 1988, o que é democracia e quais são os direitos e valores que devem ser defendidos?

 

Fabíola Brigante Del Porto é graduada em ciências sociais, mestre e doutora em Ciência política pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). É pesquisadora do Cesop (Centro de Estudos de Opinião Pública), da Unicamp, e editora-assistente da Revista Opinião Pública, publicação deste centro de pesquisa.

Artigo: mesmo com as redes, por que a TV ainda importa para as eleições

Artigo: mesmo com as redes, por que a TV ainda importa para as eleições

Análise feita com pesquisas desde 2014 discute o que dizem os brasileiros sobre a formação do próprio voto

Valéria Cabrera e Fabíola Brigante Del Porto* 

Publicado no Pulso

Na semana em que os candidatos à presidência foram ao Jornal Nacional e a campanha eleitoral começou na televisão, a manutenção da relevância desse meio de comunicação para as eleições volta ao debate público. Frente ao uso cada vez mais intenso das redes sociais pelos brasileiros e a inserção crescente de assuntos relacionados à política no mundo digital, sobretudo após o presidente Jair Bolsonaro vencer as eleições de 2018 com apenas oito segundos de propaganda televisiva. Tendo esse contexto em mente, analisamos dados de opinião pública sobre as ações mais utilizadas para decidir o voto e sobre o principal meio de informação política no Brasil.

2 de 3 Decisão de voto e ações mais importantes — Foto: Eseb-Cesop

Decisão de voto e ações mais importantes — Foto: Eseb-Cesop

Quando o assunto é a decisão do voto, dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), conduzido pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop-Unicamp) logo após as eleições gerais, mostram que acompanhar os debates entre candidatos na televisão foi a ação considerada mais importante pelos brasileiros nas eleições presidenciais de 2014 e de 2018. Ao analisarmos os dados de maneira comparada, vemos, no entanto, que essa ação teve maior impacto na eleição de 2014, quando 32% dos entrevistados disseram considerá-la a mais importante para compor a escolha eleitoral. Em 2018, 22% optaram por essa resposta, indicando a diminuição da relevância dos debates televisionados entre uma eleição e outra. Isso pode ter ocorrido em razão de o candidato Jair Bolsonaro, que estava bem colocado nas pesquisas eleitorais, não ter comparecido à maioria dos debates naquele ano.

Nos dois pleitos, em segundo lugar, um em cada cinco eleitores apontavam que conversas com amigos e familiares eram o meio mais importante para decidir o voto. Entre as mulheres, pessoas com mais de 50 anos e com escolaridade até o ensino médio incompleto, as conversas com amigos e familiares foram tão importantes quanto acompanhar os debates entre os candidatos na televisão. Na região Sul do país, conversar com os amigos e familiares foi ainda mais significativo do que os debates para a escolha eleitoral.

Ao mesmo tempo, houve aumento na menção às notícias de candidatos nas redes sociais. Em 2014, quando redes como Facebook, Twitter e Instagram eram menos difundidas no Brasil, apenas 2% dos entrevistados afirmaram que acompanhar notícias sobre os candidatos por esse meio era a ação mais importante para escolher em quem votar. O número passou para 9% em 2018, revelando o aumento da importância das redes sociais na decisão do voto, sobretudo entre os mais jovens e aqueles com maior escolaridade.

Análise: Tensos, Lula e Bolsonaro não venceram

Enquanto isso, meios tradicionais, como as notícias sobre os candidatos na televisão, foram opção de 11% dos respondentes em 2014 e de 9% em 2018. Quatro anos atrás, pessoas com mais de 50 anos, com menor escolaridade formal e habitantes da região Sul foram os que mais mencionaram que as notícias na televisão eram a ação mais importante para a escolha eleitoral.

 

Dados temporais atualizados da pesquisa “A cara da democracia”, organizada pelo Instituto da Democracia (INCT-IDDC), revelam que as notícias da televisão são, ainda, o principal meio de informação sobre política dos brasileiros. Em 2022, esse meio foi citado por 38% dos entrevistados. É verdade, no entanto, que esse percentual vem caindo desde 2018, quando mais da metade dos entrevistados apontavam ter os noticiários da TV como principal fonte de informação sobre política. Segundo os dados de 2022, mulheres, pessoas com menor nível de escolaridade e com mais de 50 anos se informam mais sobre política pelos noticiários na televisão.

 

Os minutos preciosos

Na mesma pesquisa, as redes sociais foram o segundo meio mais citado de informação sobre política em todos os anos em que a pesquisa foi realizada. Entretanto, em sentido inverso às notícias da TV, os percentuais desse meio de informação vêm subindo desde 2018. Em 2022, o uso das redes sociais para esse fim aumenta quanto menor é a faixa etária do respondente, sendo que, entre aqueles com até 30 anos, as mídias sociais são mais importantes do que os noticiários da TV. Além disso, o uso das redes sociais para se informar sobre política cresce com a elevação do nível de escolaridade do entrevistado e, entre aqueles com ensino superior, as redes sociais são tão expressivas quanto os noticiários televisivos.

Assim, embora os debates entre candidatos na televisão tenham perdido relevância, os dados indicam que ainda são fundamentais para a escolha eleitoral. Além disso, apesar de os entrevistados terem passado a acompanhar mais notícias sobre política pelas redes sociais para decidir o voto entre 2014 e 2018, o percentual de uso da propaganda eleitoral para esse fim também cresceu, enquanto acompanhar notícias na televisão manteve estabilidade. Em 2022, os noticiários da TV são ainda as principais fontes de informação sobre política no Brasil, sugerindo que os minutos televisivos serão preciosos para os candidatos na eleição que se aproxima.

*Valéria Cabrera é pós-doutoranda no Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp.

Fabíola Brigante Del Porto é pesquisadora no Cesop-Unicamp.

 

A fragilidade do nosso apoio à democracia

A fragilidade do nosso apoio à democracia

Fabíola Brigante Del Porto *
Publicado no Mídia Nínja 

Eleições são o momento em que os cidadãos têm a oportunidade de pensar o que querem para suas vidas e para o país. Até 2014, na realização de eleições presidenciais pós-ditadura, nunca nos preocupamos com o quão democráticos eram os principais candidatos e seus “lados”. Isso era um pressuposto da disputa eleitoral de uma democracia que se consolidava e deixava o passado autoritário para trás. Desde a posse do presidente Bolsonaro, em 2019, a defesa da democracia foi voltando à cena e, agora, com a largada oficial da disputa eleitoral de 2022, ela ocupa o centro do nosso debate.

Não se pode dizer que as tendências autoritárias do então candidato fossem ignoradas em 2018: conforme pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha pouco antes do segundo turno, 75% dos eleitores identificavam Bolsonaro como o mais autoritário dentre os dois candidatos. Também não se pode dizer que a sociedade brasileira não apoiava a democracia: de acordo com o Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), pesquisa realizada imediatamente após a eleição presidencial pelo Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de Campinas (CESOP/UNICAMP), quase 70% dos eleitores brasileiros escolheram a democracia como melhor forma de governo contra apenas 15% que disseram que uma ditadura poderia ser melhor “em algumas circunstâncias”, 5% que afirmaram que tanto fazia o regime e, 10%, que não souberam responder. 

Gráfico 1 – Preferência por regimes políticos (%)

Brasil – 2018

        Fonte: ESEB, 2018. 

 

Como nesse cenário majoritariamente democrático, o ex-capitão defensor da ditadura militar brasileira pôde ser eleito presidente? O ESEB nos dá uma pista através de uma segunda pergunta sobre o apoio à democracia: quando perguntados sobre o grau de concordância com a frase “A democracia tem problemas, mas é o menos pior de todos os regimes”, o apoio à democracia caía para pouco mais de 50%. Sem o estímulo à lembrança da ditadura, a convicção sobre a superioridade da democracia pelos brasileiros diminuía.

Gráfico 2 – “A democracia tem problemas, mas é o menos pior de todos os regimes” (%)

Brasil – 2018

Fonte: ESEB, 2018. 

 

Mas isso ainda não é tudo. Segundo o artigo de Mark Setzler, publicado na Brazilian Political Science Review (2021), embora os eleitores do presidente Bolsonaro partilhassem, em 2018, com o então candidato, o menor apreço pela democracia, essa questão teve um peso menor na decisão eleitoral dos brasileiros em comparação à ideologia e ao partidarismo, sobretudo em relação ao chamado antipetismo. Ou seja, no cenário de elevada polarização política em que nos encontrávamos (e ainda nos encontramos), o posicionamento dos candidatos em relação à democracia foi tratado como uma questão de menor importância, ou mesmo superada, pelos eleitores.

Enquanto o jogo eleitoral opôs lados adversários e não inimigos e, mesmo em contextos de crise, o regime democrático não era questionado, consideramos a consolidação da democracia brasileira como algo acabado. Em 2018, Bolsonaro foi eleito mesmo com sua aberta exaltação da ditadura militar brasileira. Sua eleição foi possível, entre outras coisas, pelo nosso ainda frágil apoio à democracia como um valor em si. Mas, com os olhos voltados para outubro próximo, sua vitória em 2018 também contribuiu para nos relembrar de que, na decisão eleitoral, a defesa da democracia não pode ser tomada como uma questão menor.

 

* Pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP) da UNICAMP