No WhatsApp, bolsonaristas aproveitam 7 de setembro para engajar, mas viralização é baixa

No WhatsApp, bolsonaristas aproveitam 7 de setembro para engajar, mas viralização é baixa

José Maria Monteiro e Helena Martins*

Publicado no Ninjas

Mensagens de convocação, ameaças e auto elogios foram propagadas em grupos de WhatsApp associados à direita, entre os dias 6 e 8 de setembro. Levantamento feito pelo Farol Digital, parceiro do Observatório das Eleições, analisou 231 grupos e verificou que houve atividade em 171, conformando uma amostra de 23.448 mensagens e 2.674 usuários. O feriado do 7 de setembro foi mencionado em 93 deles, portando em 40% do total monitorado. Nestes, houve 683 mensagens sobre o 7 de setembro, envolvendo 245 usuários. O alto número de grupos com atividade sobre a data indica que ela mobilizou a base bolsonarista, mas não permite afirmar ter havido uma grande mobilização virtual.

Em meio aos 171 grupos ativos no período, a mensagem mais compartilhada tratou do discurso do presidente Jair Bolsonaro em Copacabana, chamando os destinatários para assistirem o ato. “Bolsonaro discursa em Copacabana lotada no 7 de setembro em um dos cenários mais lindos do país. Festa do Bicentenário da Independência termina à altura da grandeza do Brasil”. Criado pelo site direitaonline.com.br, o conteúdo foi visto em 12 dos grupos monitorados. Também em 12 grupos circulou a mensagem: “Em vídeo de campanha, Presidente Bolsonaro convida brasileiros para celebração de 7 de setembro”, do mesmo portal.

Outras mensagens também repercutiram em mais de dez grupos. Uma apresentava o vídeo do discurso do presidente em Copacabana. Outra chamava para o desfile das tropas em Manaus, publicado pela campanha de um apoiador de Bolsonaro que é candidato a deputado estadual no Amazonas. Vale notar que, em todos os monitoramentos realizados pelo Farol nestas eleições, foi expressiva a presença de mensagens bolsonaristas no Amazonas.

Várias outras mensagens relacionadas ao 7 de setembro circularam em mais de 5 grupos. Além do já mencionado Direita Online, outro site ganhou destaque na amostra, o Pensando Direita. Deste site, uma mensagem com grande circulação tratou de decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): “📌TSE nega pedido do partido de Ciro Gomes para investigar se campanha de Bolsonaro”, legitimando o ato e, simultaneamente, desgastando o candidato Ciro Gomes. A ação foi movida pelo PDT e, de fato, rejeitada pelo Tribunal.

A maior parte das mensagens contém mídia (68,88%), ao passo que a presença de mensagens essencialmente textuais diminuiu (31,12%). Os estados com maior número de mensagens são São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Bahia, Santa Catarina e Pará. Já os usuários mais ativos estão em Rondônia, Paraíba, Alagoas, Distrito Federal, São Paulo, Minas Gerais, Roraima, Mato Grosso e Espírito Santo. Como no caso das mensagens mais compartilhadas, vale notar a presença de estados da região Norte, o que indica forte atividade de bolsonaristas por meio do WhatsApp naquele local. Em alguns casos, os mais ativos registram o dobro da média de postagem dos usuários em geral:

 

O usuário que mais postou espalhou conteúdos 39 vezes. O conteúdo era um texto do site Pensando Direita, em tom crítico ao que teria sido, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), uma ação de limitação ao 7 de setembro. O mesmo texto foi replicado por outros usuários em dezenas de grupos. Em verdade, o que o STF fez foi ampliar a segurança dos prédios da instituição, a fim de evitar a aproximação de caminhões, como ocorreu em 2021. A repetição mostra que o STF segue sendo um alvo preferencial dos discursos bolsonaristas.

Desinformação à vista

Quando observadas as mensagens relacionadas ao 7 de setembro, notamos a presença de conteúdos com tom convocatório, apresentação de pautas e informações sobre o ato em Brasília. Conteúdos desinformativos também foram verificados, como é o caso de mensagem que foi vista em quatro grupos que trata de suposta tentativa de impugnação da chapa de Bolsonaro à presidência: “BOMBA EM BRASÍLIA: O TRIO QUER IMPUGNAR A CHAPA DE BOLSONARO. Numa pesquisa INTERNA, NÃO FALSA, o PT descobriu que Lula SÓ TEM 17% dos votos e que BOLSONARO GANHA no primeiro turno COM 62% dos votos. ROUBAR na apuração está DIFÍCIL, porque as FFAA ESTÃO em cima. Só RESTA dois caminhos pra BANDIDAGEM: MATAR Bolsonaro ou IMPUGNAR a chapa. Matar Bolsonaro (que tem apoio popular inquestionável) OCASIONARIA uma revolta popular com CONSEQUÊNCIAS imprevisíveis. PARECE só restar IMPEDIR Bolsonaro concorrer. Se a bandidagem CHEGAR a tanto, a REVOLTA POPULAR será DEVASTADORA para o STF e Congresso. NINGUÉM VAI segurar. O TRIO (pressionado por Lula, Zé Dirceu e PCC) não tem limites. Os próximos dias SERÃO TENEBROSOS. O DESESPERO da esquerdalha é total. Eles SABEM que NAS URNAS eles serão FRAGOROSAMENTE derrotados. Mas Bolsonaro não pode se reeleger, na VISÃO DELES.Será o FIM do BLOCO COMUNISTA da América LATINA …POVO NAS RUAS DIA 7 DE SETEMBRO EM MASSA !!!Será a NOSSA decisão de NÃO sermos a próxima Argentina, Venezuela, Cuba, etc … O FUTURO dos nossos filhos e famílias ESTÁ NAS NOSSAS MÃOS !!! COMPARTILHE”.

A mensagem reúne argumentos constantemente usados por apoiadores de Bolsonaro, como suspeição em relação às eleições; associação de petistas, inclusive Lula, à associação criminosa PCC; alardes sobre o risco do comunismo, com uso de casos de países latino-americanos para tratar do que seria o caminho do Brasil, caso Bolsonaro não vença. Segundo estudo do projeto Eleições Sem Fake, da UFMG, nos últimos três meses, essa foi a mensagem mais compartilhada nos 569 grupos políticos de todo o país monitorados pelo projeto, o que mostra que esse tipo de conteúdo vinha sendo difundido de forma coordenada.

Do mapeamento do grupo Farol, merece destaque também um texto, intitulado “Carta ao presidente do Brasil”, em que é apresentado um ultimato: “Desde 2018, estamos brigando com parentes, amigos, vizinhos, brigando em redes sociais, para tentar mudar esse país, para tentar deixar um país melhor para as outras gerações. Hoje, escutei do senhor Presidente que, dia 7 de setembro, será o último aviso, será a última oportunidade de colocar o país nos eixos. Então, Presidente, quero lhe perguntar: será, mesmo, a última manifestação? Se não houver mudança, no dia 7 de setembro e não vier uma resposta do líder que elegemos com quase 70 milhões de votos, EU DESISTO”. O texto é associado ao jornalista Alexandre Garcia, mas não consta fonte oficial que confirme tal autoria.

Há ainda um texto, apresentado como “mensagem espiritual”, com forte tom religioso, pedindo que “Aqueles que não forem às ruas deverão permanecer em oração em apoio às forças do bem”. No dia seguinte, conteúdos exaltando a dimensão das manifestações também foram compartilhados nos grupos monitorados, mas nenhuma em mais de 12 grupos. Já o link mais compartilhado foi visto 35 vezes. Trata-se do link para o grupo Direita Online no Telegram, que possui mais de 5200 usuários.

O número de compartilhamentos da mesma mensagem por parte de um usuário tem aumentado em relação ao que verificamos nas semanas anteriores, mas, apesar das repetições, não é possível afirmar que a viralização das mensagens se dê por meio de mecanismos automatizados. O usuário mais ativo espalhou a mesma mensagem 12 vezes, algo exequível para um humano. Outros três usuários espalharam o mesmo conteúdo 11 vezes.

Abaixo, uma nuvem de palavras apresenta as que mais foram repetidas nos textos:

 

 

Nas semanas anteriores, a palavra mais recorrente foi Lula. A análise dos dias em torno do 7 de setembro mostra que, com os atos na data comemorativa, o bolsonarismo conseguiu engajar sua base e disputar o rumo da conversação sobre as eleições. À primeira vista, o intuito foi alcançado, mas o número de grupos com movimentação e de mensagens comuns indica que a capacidade de viralização e coordenação das atividades não é a mesma de 2018. A mesma conclusão foi apresentada, neste Observatório, a partir da análise comparativa das mensagens sobre o 7 de setembro no Facebook, nos anos de 2021 e 2022. O uso das redes segue sendo um trunfo importante de Bolsonaro, mas também nesses espaços parece que a “novidade” desbotou.

 

*José Maria Monteiro é professor de Computação da Universidade Federal do Ceará, coordenador do Farol Digital.

Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

O que está em jogo nas eleições 2022: mídia e desinformação

O que está em jogo nas eleições 2022: mídia e desinformação

De acordo com o Democracy Report 2022, do instituto V-Dem (Varieties of Democracy), 2021 viu um número recorde de nações autocráticas em relação aos últimos 50 anos. O extenso estudo aponta para uma mudança na natureza dos governos autocráticos, que agora dependem mais da polarização e da desinformação para moldar a opinião nacional e internacional. Essa combinação é vista em lugares que sofreram golpe militar, como Myanmar, em 2021, e também em países considerados democráticos. Na América Latina, quatro dos principais países da região têm um índice de preocupação com a desinformação superior à média global (56,4%): Brasil (84%), Chile (64,6%), Argentina (60,4%) e México (59,9%), de acordo com o relatório.

Neste período eleitoral, a preocupação com a desinformação no Brasil ganha força, herança do processo que levou Jair Bolsonaro ao poder. É fato que, de 2018 para cá, houve conscientização sobre o tema, medidas foram adotadas pelas plataformas digitais e pelo Judiciário. Ainda assim, há muito em jogo quando o tema é desinformação. Para adentrar essas questões, cumpre ter em vista que tratamos a desinformação como um processo deliberado de produção de desarranjos informacionais, com vistas à obtenção de ganhos políticos e/ou econômicos. É, portanto, uma expressão da disputa histórica em torno da informação. Como tal, não está restrita ao ambiente digital, ainda que este, por suas características (tais como opacidade, mediação algorítmica, grande volume de informações e circulação veloz de conteúdos) favoreça esse tipo de estratégia.

A primeira questão que merece ser mencionada é a mudança nos hábitos de consumo da população. A televisão ocupava espaço central na formação de hábitos e visões de mundo da população brasileira. Falamos de um país em que a principal emissora, a Globo, registrava, em média, 68% de audiência em 1993, participação que, atualmente, não alcança mais de 35%, segundo o Mídia Dados Brasil. Essa mudança ajuda a explicar o motivo de, apesar da cobertura crítica ao governo Bolsonaro por parte da emissora, especialmente durante a pandemia do novo coronavírus, seu posicionamento ter menos impacto que em 1989, para citar o ano da simbólica edição do debate entre os presidenciáveis Lula e Collor de Melo.

Houve, nas três últimas décadas, uma dispersão da audiência, espalhada em canais tradicionais como SBT e Record, que com a Globo ocupam o topo do ranking dos mais vistos, mas também em uma miríade de canais novos, entre os quais vários ligados a grupos religiosos, que foram os que mais ampliaram sua participação na radiodifusão brasileira durante o governo federal atual. Essa variedade de agentes amplia a disputa, inclusive ideológica, no setor. Outro ponto que contribui para um menor impacto dos grupos jornalísticos é a redução da procura da população por esse tipo de conteúdo. A pesquisa do Instituto Reuters, divulgada em 2020, registra que 54% dos brasileiros afirmam “evitar” o noticiário de propósito – índice mais elevado dentre os países pesquisados.

Trazendo esse cenário geral para as eleições, os números sugerem redução do impacto do horário eleitoral, que também teve duração diminuída. O programa em bloco, sequência de propagandas eleitorais, somava 50 minutos nas eleições de 2014, sendo exibido duas vezes por dia na TV e no rádio. Hoje, é dividido em dois blocos diários de 10 minutos, exceto aos domingos. Não se deve, é útil destacar, desconsiderar a importância desse espaço – a relação do Brasil com a radiodifusão e a diversidade do país não devem ser esquecidas. Não obstante, pelo menos, sua presença no cotidiano é menor. 

Por meio da TV, pode-se falar para um público difuso. Para um candidato conhecido, mas bastante criminalizado na mídia como Lula, voltar a estar na casa das pessoas é muito importante. Entre os dias 26 de agosto e 29 de setembro, o líder das pesquisas acumulará 3 minutos e 39 segundos. Bolsonaro é o candidato que fica em segundo lugar, tendo 2 minutos e 38 segundos. Cada candidato à Presidência aparecerá três vezes por semana, duas vezes ao dia. Até agora, evangélicos e pessoas de baixa renda parecem ser o foco dos candidatos a partir da TV. Lula, por exemplo, levou ao ar programa com tom religioso, ao passo que Bolsonaro pretende destacar o Auxílio Brasil.

 

A dispersão da audiência tem como elemento fundamental a ampliação do acesso à internet no Brasil, hoje frequente no cotidiano da maior parte dos brasileiros. Estes costumam usar sobretudo as redes sociais, inclusive porque, em muitos casos, acordos das redes com operadoras fazem com que não haja desconto na franquia de dados para acessá-las. As redes sociais são a principal fonte de informação sobre política para os grupos entre 16 e 24 anos e 25 a 34 anos. Entre 35 a 44 anos, as redes dividem centralidade com a TV. Esta lidera com folga apenas na faixa etária acima de 45 anos. O resultado dessa presença do bolsonarismo nas redes também é identificado pela pesquisa. Entre eleitores que pretendem votar em Bolsonaro, 43% usam as redes para se informar, percentual que chega a 25% quando a fonte é a televisão.

Nas redes, o campo bolsonarista tem tido mais presença e gerado mais interação que o campo lulista, conforme temos mostrado no Observatório das Eleições a partir do acompanhamento de perfis expressivos dos dois lados. O Facebook é a rede em que há maior projeção de aliados do atual presidente, ao passo que o Twitter é um ambiente mais favorável a Lula. No TikTok, a mais nova entre as principais redes, Lula tem tido mais sucesso. Bolsonaro ainda tem mais seguidores em todas as redes. Esse predomínio foi sendo construído nos últimos anos, não só com o apoio de Carlos Bolsonaro, mas de integrantes da extrema direita em âmbito internacional, como bem ilustra Donald Trump. Aqui está em jogo tanto o comportamento desse setor político, que compartilha a expertise entre os seus em fóruns internacionais, bem como a própria dinâmica de funcionamento das plataformas de redes sociais. Uma questão a ser acompanhada é a participação de André Janones, deputado federal e influenciador digital, na campanha de Lula, que pode aportar a ela uma linguagem mais “digital”.

Mas a linguagem é parte de uma dinâmica mais ampla. É que o modelo de negócios das plataformas está ancorado na disputa da atenção do usuário. Para isso, adotam segmentação de mensagens, que são direcionadas de acordo com perfis criados a partir da coleta de dados. Vários atores utilizam plataformas e seu funcionamento algorítmico para conferir diferente relevância a determinados conteúdos, sem que o público entenda quais critérios para uma mensagem chegar ou não a ele, com o objetivo de prever e modular o comportamento do usuário. Campanhas de desinformação e outros tipos de conteúdos foram produzidos em plataformas que não são neutras e são guiadas por termos de uso que funcionam como leis definidas unilateralmente. Também se beneficiam da automação das conversas, artificializando o debate público e gerando silêncio. Tudo isso produz bolhas que prendem as pessoas em circuitos de repetição de argumentos, tornando-as menos expostas à diversidade de ideias e mais vulneráveis à polarização. Tal segmentação é ampliada através de recomendações e publicidades, condicionando a visibilidade do conteúdo ao pagamento. No Brasil, por exemplo, o principal anunciante no Facebook e no Google é o Brasil Paralelo, produtora de conteúdos alinhados à direita. Nenhum grupo à esquerda se aproxima do investimento do Brasil Paralelo nas redes.

Como não houve uma mudança estrutural no modelo de negócios das plataformas nem das regras que devem orientá-las, os problemas vistos em 2018 podem ser revividos. Casos de desinformação nas redes já têm sido registrados pelas agências de checagem, inclusive em falas ao vivo na TV e em conteúdos impulsionados nas redes. Por outro lado, duas questões parecem impedir que a história se reapresente como farsa. Em primeiro lugar, a própria desarticulação do bolsonarismo, que sofreu diversos rachas ao longo do governo. O abandono de Bolsonaro por parte de candidatos locais também dificulta a estratégia de nacionalização de determinados conteúdos, o que foi fundamental para, naquela eleição, dar visibilidade a temas como o suposto “kit gay” nas escolas. Mais homogêneo, o setor evangélico bolsonarista pode ser o carro-chefe para esse tipo de nacionalização de conteúdos críticos ao adversário, Lula.

O segundo elemento que cria empecilhos para a desinformação é a atuação do STF (Supremo Tribunal Federal). Sua ação em relação a empresários bolsonaristas incide bem mais diretamente no ecossistema que produz a desinformação em grande escala do que as medidas acordadas entre o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e as plataformas, que se voltam especialmente à promoção de informações e transparência. São elementos importantes, mas insuficientes. Ainda que esse tipo de ação do STF não seja capaz de reverter a deterioração do debate público, tarefa que o Brasil terá que enfrentar nos próximos anos, pode fazer a diferença em uma eleição curta e em que os eleitores demonstram ter seus votos definidos.

 

Helena Martins é professora da UFC (Universidade Federal do Ceará). Doutora em comunicação pela UnB (Universidade de Brasília), com sanduíche no ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

Nas redes sociais, bolsonarismo ainda ganha em engajamento

Nas redes sociais, bolsonarismo ainda ganha em engajamento

Helena Martins e Eduardo Barbarela*

O primeiro debate entre candidatos à Presidência da República, transmitido pela Band, no domingo, 28, foi também a primeira oportunidade de conferirmos o confronto direto entre Lula e Jair Bolsonaro nas redes. Neste ambiente, tanto no Facebook quanto no Instagram houve maior número de interações em postagens do campo bolsonarista, segundo dados do monitoramento do Observatório das Eleições, que acompanhou, além da movimentação geral, 44 perfis de destaque das redes bolsonarista e lulista nas 12 horas que se seguiram ao confronto.

Tabela 1. Presença dos campos Lulista e Bolsonarista no Facebook, 12 horas após o fim do debate

Total de Interações Total de Postagens Média
Bolsonarismo 2.512.134 193 13.016,24
Lulismo 741.727 177 4.190,548

No Facebook o bolsonarismo dominou, com mais de 2,5 milhões de interações em 193 postagens, gerando uma média de 13 mil interações por publicação, contra uma média de 4,2 mil interações por postagem do campo lulista nas doze horas que sucederam o debate da Band. O campo bolsonarista emplacou as quinze publicações com maior quantidade de interações no período analisado. Dessas 15, nove foram publicações da página de Jair Bolsonaro, que emplacou as quatro primeiras posições. A publicação com maior número de interações foi do presidente agradecendo a audiência dos espectadores do debate da Band. O post teve 177 mil reações, 23 mil comentários e 5 mil compartilhamentos. Uma imagem de bastidor também havia sido a mais “viralizada” na entrevista de Bolsonaro ao Jornal Nacional.

Tabela 2. Presença dos campos Lulista e Bolsonarista no Instagram, 12 horas após o fim  do debate

Total de Interações Total de Postagens Média
Bolsonarismo 4.029.175 45 89.537,22
Lulismo 2.819.755 125 22.558,04

 

No Instagram, o bolsonarismo também dominou quanto ao total de interações e na média de interações, porém o lulismo conseguiu superar no número de publicações. O Bolsonarismo publicou 45 posts com mais de 4 milhões de interações, em uma média de quase 90 mil interações por postagens; o lulista, por sua vez, conseguiu 2,8 milhões de interações em 125 mil publicações, uma média de 22,5 mil interações por post. Nesta rede, apesar de Bolsonaro também liderar, não tivemos o domínio que vimos no Facebook: o campo lulista emplacou a terceira posição com o próprio Lula. O post com maior número de interações foi de agradecimento pela audiência no debate, que também foi o mais compartilhado no Facebook. No Instagram, o post teve mais de 1,3 milhões de likes e quase 60 mil comentários.

No Twitter, a disputa é acirrada entre os dois campos, mas no debate eles dividiram a atenção com Simone Tebet e Ciro Gomes, que tiveram mais menções positivas do que Lula. O tema corrupção foi o assunto mais comentado entre usuários do Twitter. Entre 21h, quando o debate teve início, e 23h50, foram mais de 2,7 milhões de tweets sobre eleições. Interessante notar que o tema foi explorado no debate, especialmente contra o ex-presidente Lula, mas não figura, nestas eleições, entre as principais preocupações da população. Segundo a última pesquisa Quaest, economia (37%), questões sociais (20%) e saúde/pandemia (16%) são, em geral, as preocupações mais frequentes. 

Mesmo nas redes sociais, segundo levantamento deste Observatório, democracia, religião, pandemia e economia estão entre os principais temas abordados nas publicações nesta primeira fase da campanha eleitoral. É possível, portanto, inferir que o debate da Band ampliou a repercussão do tema da corrupção. Um tema que, por enquanto, parece atingir mais negativamente o ex-presidente Lula, apesar das denúncias contra Bolsonaro.

O bolsonarismo, portanto, até aqui ganha no Facebook e no Instagram, mas enfrenta uma disputa mais acirrada neste. No Twitter o jogo é mais duro, com certa projeção da esquerda. As redes sociais são a principal fonte de informação sobre política para os grupos entre 16 e 24 anos e 25 a 34 anos. Entre 35 a 44 anos, as redes dividem centralidade com a TV. Esta lidera com folga apenas na faixa etária acima de 45 anos. O resultado dessa presença do bolsonarismo nas redes também é identificado pela pesquisa. Entre eleitores que pretendem votar em Bolsonaro, 43% usam as redes para se informar, percentual que chega a 25% quando a fonte é a televisão. Os percentuais indicam a importância que as redes possuem para o bolsonarismo – e a necessidade de o lulismo disputá-las.

 

* Eduardo Barbabela é doutor em Ciência Política pelo IESP-UERJ. Pesquisador do IESP-UERJ e subcoordenador do Projeto Manchetômetro.

*Helena Martins é professora de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da UFC e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFC. Pesquisadora do Telas e do Obscom-Cepos.

No WhastApp, bolsonarismo enaltece militares, ataca Globo e mobiliza discurso sobre corrupção

No WhastApp, bolsonarismo enaltece militares, ataca Globo e mobiliza discurso sobre corrupção

Helena Martins e José Maria Monteiro

No WhastApp, bolsonarismo enaltece militares, ataca Globo e mobiliza discurso sobre corrupção

Críticas ao Grupo Globo e mensagens associando práticas de corrupção ao ex-presidente Lula foram os conteúdos que mais circularam em grupos de WhatsApp bolsonaristas públicos entre os dias 24 e 25 de agosto, no contexto da entrevista concedida pelo ex-presidente ao Jornal Nacional. Mensagens religiosas e a tentativa de opor Lula ao agronegócio também povoam a conversação nesses espaços. Ao todo, 17.397 mensagens foram analisadas.

 

A mensagem mais recorrente enalteceu o Dia do Soldado, comemorado em 25 de agosto. Ela apareceu em 11 grupos. Depois, duas postagens de candidatos militares no Amazonas tiveram destaque, uma em 11 grupos e outra em nove. A repercussão da entrevista de Lula ao JN começa a aparecer a partir da quarta posição no ranking das mais compartilhadas, tendo sido registrada em nove grupos diferentes. A primeira delas convoca para não assistir a entrevista. Interessante notar que a mensagem sugere que as pessoas acompanhem a sabatina pelo YouTube após o início dela.

 

A segunda mais frequente sobre a sabatina sugere que a entrevista foi “horário eleitoral gratuito”, indicando que os jornalistas teriam favorecido o petista. O texto chama Lula de “ex-presidiário” e ativa a memória de denúncias de corrupção. Corrupção também é o tema de outra mensagem com bastante alcance que critica os apresentadores do telejornal, que “não descansavam em sua missão de proteger Lula” e que defende a Lava Jato. As demais mensagens seguem o mesmo padrão. Cada mensagem foi vista em, pelo menos, cinco grupos.

 

Os termos mais recorrentes na amostra analisada pelo Farol são mostrados abaixo:

Muitas mensagens (40,91%) usam texto e outras mídias de forma combinada. O link mais compartilhado foi o convite para um grupo no Telegram. O segundo, o link de uma petição pública pelo impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moares. O terceiro link mais compartilhado aponta para o podcast Minuto com Deus.

1.297 contas enviaram mensagens no período, uma média de 13,4 mensagens para cada uma. O usuário com maior número de mensagens, um candidato a deputado estadual, publicou 31 vezes. Usuários de São Paulo, Bahia, Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina e Espírito Santo são os mais presentes na amostra analisada.

O monitoramento de mensagens no WhatsApp, ainda que a partir de um número limitado de grupos, permite visualizarmos o teor da conversação nesses espaços. Comparando os dados do Farol com o do Radar Aos Fatos, plataforma que monitora 180 grupos (não apenas bolsonaristas), notamos o mesmo teor. No Radar, o texto mais compartilhado trata da Globo e de denúncias de corrupção. O conteúdo, que também apareceu na amostra do Farol, seria um e-mail enviado à emissora com críticas sobre o teor “tendencioso” da entrevista. 

Em geral, o Radar classificou a qualidade média das mensagens monitoradas em 3,3, em uma escala de 0 a 10. Os principais conteúdos contendo desinformação estavam relacionados a invasões de terra pelo MST, a um suposto processo envolvendo o pai da apresentadora Renata Vasconcelos e a participação de Lula em um ritual umbandista onde teria sido consagrado filho de Xangô.

O que vemos até aqui são mensagens associandopráticas de corrupção ao PT e a Lula, bem como tentativas de descredibilizar a imprensa. Um tipo de conteúdo diferente do que aparece em outras redes, nas quais, como temos mostrado no Observatório das Eleições, predominam imagens de humor e que demonstram apoio aos candidatos. A diferença reforça a necessidade de uma análise das diferentes redes para a compreensão das estratégias desenvolvidas neste campo de batalha.

 

Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

 

José Maria Monteiro é professor de Computação da Universidade Federal do Ceará, coordenador do Farol Digital

A força do bolsonarismo nas redes: repercussão de entrevista mostra eficiência e engajamento

A força do bolsonarismo nas redes: repercussão de entrevista mostra eficiência e engajamento

Helena Martins*

Eduardo Barbarela**

 

Ataques às urnas, defesa de tratamento precoce contra o coronavírus, desmatamento como resultado de causas naturais. Essas e outras alegações já fartamente repetidas – e desmentidas – vieram novamente à tona na entrevista concedida por Jair Bolsonaro (PL) ao Jornal Nacional, a primeira da série de entrevistas com os presidenciáveis. Ainda que num tom mais comedido, o candidato à reeleição manteve a estratégia de falar para seu público, sem mudar o discurso que vem desenvolvendo ao longo do mandato. Ao contrário, as teorias conspiratórias foram acompanhadas de frases rápidas replicáveis nas redes sobre “liberdade de expressão” e fazer “cumprir a lei”. Nem mesmo a suspeição sobre as eleições foi deixada de lado, apesar da insistência do âncora William Bonner em arrancar compromisso com o resultado das eleições. No máximo, Bolsonaro afirmou que “serão respeitados os resultados das urnas, desde que tenhamos eleições limpas e transparentes”.

Nas redes, a conversação sobre a entrevista foi expressiva, o que mostra a importância da TV e do Jornal Nacional, que registrou 32 pontos em média durante a participação de Bolsonaro. Logo no início, em uma tentativa de direcionar críticas que tem recebido ao interlocutor, Bolsonaro disparou contra William Bonner: “Fake news da sua parte”, afirmou, ao ser questionado sobre xingamentos contra ministros do Supremo Tribunal Federal. A resposta gerou réplica de Bonner, que insistiu na validade de sua afirmação. Nas redes, o confronto entre o presidenciável e o jornalista já estava anunciado. Antes de a entrevista começar, o Twitter registrava 34 mil postagens com a hashtag #BolsonaroNoJN e 23 mil sobre Bonner, 2o e 6o lugares no ranking dos principais assuntos às 20h23. Depois do embate, Bonner era o tema de 72,8 mil tweets. #BolsonaroNoJN, de 47,3 mil, 1o e 3o no ranking, respectivamente. Uma hora e meia após o início da entrevista, havia 446 mil tweets sobre Bonner, o assunto mais comentado de então. Em segundo, #GloboLixo, com 187 mil menções. #JornalNacional já ocupava a 3a posição, seguida de temas tratados na entrevista, como Amazônia e centrão. As hashtags e os principais posts mostram uma disputa nessa rede, com predomínio de conteúdos críticos ao atual presidente. 

Dados do monitoramento do Observatório das Eleições apontam que há um desequilíbrio enorme entre os pólos políticos no Facebook. Acompanhando 44 perfis de destaque das redes bolsonarista e lulista nas 12 horas que se seguiram à entrevista, percebemos que o conjunto dos principais agentes do campo do atual presidente publicou 64 postagens, gerando 2.423.686 interações. A rede de Lula, por sua vez, publicou 57 posts e gerou 159.851 interações nessas publicações. O bolsonarismo aparece com uma média de interações 13,5 vezes maior do que a lulista.

Tabela 1. Engajamento no Facebook do lulismo e do bolsonarismo 12 horas após a entrevista 

Nº de postagens Total de Interações Média de Interações por post
Bolsonarismo 64 2.423.686 37.870,09
Lulismo 57 159.851 2.804,40

 

Os conteúdos com maior repercussão foram postados pela conta oficial de Bolsonaro, sem concorrente à altura. Em primeiro lugar, Bolsonaro reproduz um vídeo de seu encontro com apoiadores no Projac, em Curicica, no Rio de Janeiro. O vídeo, transmitido ao vivo após a entrevista, apresenta uma pequena fanfarra que esperava o presidente nos estúdios da Globo. Ao final, já dentro de um carro, Bolsonaro convida seus apoiadores a participarem dos eventos do dia 7 de setembro no Rio de Janeiro. A postagem obteve mais de 1,18 milhão de visualizações nas 12 horas que se seguiram à participação na Globo.

A segunda publicação com maior taxa de interações é também de Bolsonaro. Trata-se de um texto em que critica a Globo de forma irônica: “Foi uma enorme satisfação participar do pronunciamento de William Bonner Kkkkk. Na medida do possível, com muita humildade, pudemos esclarecer e levar algumas informações que raramente são noticiadas em sua emissora”. Às 8h50 do dia seguinte ao debate, o conteúdo registrava 214 mil reações, 28 mil comentários e 9,9 mil compartilhamentos. Também obteve muito engajamento o vídeo com trecho da entrevista em que o candidato afirma ter enfrentado dificuldades como guerra, pandemia e seca, mas ressalta que “nós fizemos todo o possível para que a população sofresse o menos possível”. O post, que busca dar respostas aos impactos da crise econômica que afeta os brasileiros, somava, na manhã da terça-feira, 125 mil reações, 14 mil comentários e 19 mil compartilhamentos. A postagem de Bolsonaro assistindo ao SBT nos bastidores da Globo, antes da entrevista, recebeu 7,3 mil comentários e 3,6 mil compartilhamentos.

Tabela 2. Publicações do lulismo e do bolsonarismo 12 horas após a entrevista no Instagram

Nº de postagens Total de Interações Média de Interações por post
Bolsonarismo 14 2.329.363 166.383
Lulismo 27 3.175.032 117.594

 

No Instagram, a disputa foi menos desigual e com menos postagens, apenas 41. Do total de posts, 27 foram do núcleo lulista (66%), enquanto 14 foram do núcleo bolsonarista (34%). O núcleo do ex-presidente Lula conseguiu maior quantidade bruta de interações: 3.175.032, contra 2.329.363 da rede bolsonarista. No entanto, quando comparamos as médias, o resultado é pró-Bolsonaro: a rede do atual presidente teve uma média de 166.383 interações por post, enquanto a rede Lulista teve uma média de 117.594 interações por publicação.

Bolsonaro e seus apoiadores também dominaram o topo das publicações com maior número de interações no Instagram. Em primeiro lugar, está uma reprodução de um tweet do presidente agradecendo a audiência de sua entrevista no Jornal Nacional e ironizando a atuação de William Bonner. Publicações de Bolsonaro também aparecem na segunda e terceira posições.

 

Em suma, podemos concluir que tanto no Facebook como no Instagram, o bolsonarismo atuou de forma mais eficiente do que o lulismo. Mesmo que não seja possível avaliar se as publicações furaram as respectivas bolhas ou se as interações foram impactadas pela presença ou não de robôs, os dados demonstram que o bolsonarismo aproveitou melhor o evento para fortalecer sua narrativa dentro das redes sociais, principalmente no Facebook. No Instagram, a situação se demonstrou mais equilibrada, apesar de a rede de Bolsonaro se apresentar mais eficaz na média – a rede de Lula alcançou maior número de interações e publicou um maior número de posts. A estratégia de overposting pode ser uma alternativa para conseguir superar os altos números de seguidores que as páginas bolsonaristas têm, hipótese que se mostrará válida ou não nos próximos passos da campanha.

 

  • Helena Martins é professora de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da UFC e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFC. Pesquisadora do Telas e do Obscom-Cepos.
  • Eduardo Barbabela é doutor em Ciência Política pelo IESP-UERJ. Pesquisador do IESP-UERJ e subcoordenador do Projeto Manchetômetro.