Durante o debate da Band, internautas buscam por pedofilia, corrupção e pandemia

Durante o debate da Band, internautas buscam por pedofilia, corrupção e pandemia

Alexandre Arns, Helena Martins e Maria Alice S. Ferreira

Publicado no GGN

 

A pandemia de coronavírus e a corrupção foram os principais temas que marcaram o primeiro debate do segundo turno entre os candidatos à Presidência da República no domingo, 16 de outubro. O debate foi promovido por um pool de veículos – Band, jornal Folha de S. Paulo, portal Uol e bateu recorde de audiência. Além dos dois temas que apareceram entre os candidatos e os internautas com mais força,  há destaque também para o assunto “pedofilia” e “pintou um clima”, a partir do vídeo de Jair Bolsonaro relatando, em entrevista, um episódio com meninas venezuelans. Sem contar também a avalanche de desinformação que circuou durante o debate, especialmente levada à cena pelo candidato  Jair Bolsonaro. Um resumo desse conjunto  foi apresentado por Jair Bolsonaro nos minutos (quase seis) que o atual presidente teve para falar, sozinho, no penúltimo bloco do debate. Naquele momento, Jair Bolsoanro desfilou o cabedal de fake news que já inunda as redes sociais, como fechamento de templos, proposição de banheiro unissex, menção a grupos criminosos e avaliações enviesadas sobre a política internacional latino-americana, sem que houvesse   a  possibilidade de checagem.

 

Na TV, a audiência da Band ultrapassou a da Record e chegou a se aproximar da audiência  da Globo, especialmente na segunda metade do debate.

Com muito engajamento nas redes, o debate na Band foi apontado como a live jornalística com mais visualizações no YouTube no Brasil, segundo anunciou a emissora. No Twitter, foram mais de 670 mil mensagens com a #DebatenaBand até 22h15.

 

Bolsonaristas demoram a se engajar nas redes

 

Pressionado por dias de críticas sobre possível caso de pedofolia de Bolsonaro, o campo bolsonarista demorou a começar a se engajar no debate. Durante o primeiro e o segundo blocos, em que Lula teve melhor participação, o campo dadireita tentou dar vazão às falas de Bolsonaro. Nikolas Ferreira, o deputado federal mais votado do país,  por  Minas Gerais, teve mais reações em um tweet em que critica o que seria o uso político das mortes da esposa de Lula e de sua sogra e também mobilizou suas redes ao comentar o sorriso de Lula. A a postagem com a fala de Jair Bolsonaro saudando, ironicamente, a jornalista Vera Magalhães, teve ampla repercussão Perto do fim do debate, refletindo a expectativa em torno do tempo livre para Bolsonaro falar, depois de Lula ter esgotado o seu tempo, críticas a falas com palavras equivocadas de Lula mobilizaram as redes, culminando com post tentando subir a hashtag #LulaVergonhaNacional.

 

No campo lulista, André Janones engajou os internautas  com informações de bastidores, especialmente com uma foto de Sérgio Moro e Jair Bolsonaro no estúdio, e fazendo alusões à estratégia do debate. O deputado também trouxe à tona a questão da pedofilia, comentando que Lula estava com um  broche que é símbolo de campanha contra a exploração sexual infantil. O post com maior adesão de Janones referia-se a Bolsonaro como miliciano.

 

“Covid” foi o  mais comentado do debate

 

Carla Zambelli,deputada federal reeleita e uma das principais apoiadoras de Jair Bolsonaro, utilizou a estratégia de contagiar seus seguidores com um certo clima de entusiasmo e otimismo durante o debate. A deputada publicou memes com o rosto de Lula, vídeos de luta e vídeos editados do próprio debate para passar a mensagem de que Bolsonaro havia se saído muito melhor do que  Lula. Além disso, a deputada também publicou um gráfico sobre o desmatamento (citado por Bolsonaro durante o debate) fazendo comparações. Esse dado, porém, foi contestado pelo Observatório do Clima.

 

Alexandre Frota, ex-aliado de Bolsonaro, também utilizou memes e vídeos com trechos do debate em seu feed. Frota, no entanto, publicou vários tuítes desmentindo informações ditas por Jair Bolsonaro durante o debate, como os dados sobre o desmatamento e a afirmação de que ele, Bolsonaro, não  seria o “pai” do orçamento secreto.

 

O Google Trends, na véspera do debate, apontava que as principais buscas relacionadas ao termo “Bolsonaro” nas últimas 24 horas eram “bolsonaro pintou um clima” e “bolsonaro pedófilo”, em razão da repercussão de um vídeo com sua  fala, em entrevista a um podcast, dizendo que “pintou um clima” entre ele e “umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos”. Com relação ao termo “Lula”, nas últimas 24 horas após o debate, as principais buscas relacionadas eram “mané garrincha” e “mané garrincha posse Lula”. A busca por esses  termos leva, como primeiro resultado, um tuíte de Roger Rocha, que criticava o fato de o Google apresentar, como programação de atividades no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, uma festa pela posse de Lula.

Com relação às buscas no YouTube, o Google Trends apresentou um padrão similar ao Google com relação ao termo “Bolsonaro”. No YouTube, as principais buscas relacionadas ao termo  “Bolsonaro” nas 24 horas anteriores ao debate eram “vídeo bolsonaro pintando um clima” e “bolsonaro falando que pintou um clima”. Em contrapartida, as buscas relacionadas a  “Lula” no YouTube eram “lula beija criança” e “lula pedófilo”.

Após o debate, nas 24 horas posteriores, as principais buscas relacionadas a “Bolsonaro” e “Lula” padronizaram, segundo o Google Trends. No Google, relacionadas a “Bolsonaro”, predominaram buscas por “desmatamento governo lula e bolsonaro”, “desmatamento jair bolsonaro”; relacionadas a “Lula” predominaram “desmatamento 2003 e 2006” e “desmatamento da amazônia governo lula”. No Youtube, as buscas eram sobre o próprio debate;  relacionadas a “Bolsonaro” foram “debate lula e bolsonaro na band ao vivo” e “debate lula e bolsonaro ao vivo”, e relacionadas a “Lula” foram “debate lula e bolsonaro 16/10” e “debate lula e bolsonaro na band ao vivo”.

 

Alexandre Arns é pesquisador colaborador do Instituto de Ciência Política da UnB, doutor e mestre em Ciência Política

 

Helena Martins é doutora em Comunicação pela UnB, professora da Universidade Federal do Ceará

 

Maria Alice S. Ferreira é pesquisadora do INCT IDDC. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Grupos bolsonaristas promovem medo e retomam narrativas sobre corrupção, urnas e religião

Grupos bolsonaristas promovem medo e retomam narrativas sobre corrupção, urnas e religião

Helena Martins

Publicado na Mídia Ninja

Em grupos bolsonaristas no WhatsApp, narrativas que associam o ex-presidente Lula à corrupção são as mais recorrentes, ao lado daquelas que promovem medo, atacam as urnas e usam a religião para agregar adeptos do atual presidente. Entre os dias 11 e 12 de outubro, foram mapeados 6.551 conteúdos em 165 grupos associados a Jair Bolsonaro. Os estados com maior número de mensagens, de acordo com os DDDs utilizados, são, pela ordem: São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Paraíba, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais e Pernambuco. Os dados são do Farol Digital, grupo da Universidade Federal do Ceará (UFC), parceiro do Observatório das Eleições.

O período foi estabelecido para verificar o impacto de um programa específico da campanha de Jair Bolsonaro, exibido no dia 11 durante o horário  gratuito de rádio e TV. Nele, Lula era relacionado a presidiários de forma pejorativa, com vídeos mostrando adesão de pessoas presas ao ex-presidente e associando esse suposto apoio ao que seria um comportamento leniente com bandidos. O programa levou a Defensoria Pública da União (DPU) a acionar o Ministério Público Federal (MPF), por considerar a peça racista e discriminatória. Nos grupos mapeados, não foram registradas menções a presidiários. A narrativa sobre corrupção é tão presente que parece dispensar a necessidade de novos conteúdos. 

“Lulladrão” e “Lullarapio” são termos comumente utilizados. Uma das mensagens com bastante projeção nos grupos diz que “filho de Lulladrão e vários políticos de esquerda são os acionistas da Petrobrás, por isso, o PT não quis a CPI”, informação que é creditada à revista Veja. A mensagem termina conclamando: “O STF sai e a Lava Jato fica!”. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) é atacado neste e em diversos outros conteúdos. Os ministros são chamados de “urubus de toga”. Ações do STF em relação a conteúdos desinformativos de Bolsonaro são criticadas, assim como o suposto apoio do Supremo a Lula. Uma das mensagens divulgadas diz: 

“Só precisa as autoridades se levantar a favor da nação brasileira, e não permitir que eles juntos com o Lula, destrua o Brasil, VCS acham que os ministros do STF tiraram o Lula, dá cadeia porque? eles sabem que o Lula, tem uma cambada de pessoas sem noção, igualmente, e todos os bandidos que vota no Lula, ele Alexandre de Moraes, no TSE garantia a Eleições para o lula, no primeiro turno, ai eles dominaria o Brasil, Mais o povo de direita já sabendo que eles ia frauda as urnas, elegeram os deputados e senadores de direita ai ficou difícil”.

Essa não é a única com ataques às urnas. Outro texto anuncia que o “CEO (presidente) da Smartmatic, que é a empresa que controla as eleições brasileiras, acabou de ser preso pelo FBI nos Estados Unidos”, o que já foi apontado como falso por agências de checagem. O áudio mais compartilhado na amostra, com mais de 160 aparições distintas, fala de uma suposta operação para, na apuração, conferir mais votos para Lula no primeiro turno. A mensagem, de quase dois minutos, detalha o que seria uma manipulação das urnas, que resultaria em uma vitória apertada do petista no primeiro turno. Tal conteúdo também é falso.

Convém notar que, nas mensagens de texto, não há qualquer menção a casos de corrupção de Bolsonaro. Contra Lula, ao contrário, elas aparecem das formas mais variadas. O link mais compartilhado é de um site que reúne notícias vinculando Lula e o PT a práticas de corrupção. Segundo a campanha de Lula, o site já foi denunciado, mas ainda não houve decisão por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Mobilizando o medo e a religiosidade

Mensagens categorizadas como “terrorismo psicológico” pelo Farol somam mais de 190. São conteúdos que pregam o medo de um possível governo Lula, os quais são utilizados para convocar os adeptos de Bolsonaro a se mobilizarem em prol campanha. Vídeos e fotos de supostos venezuelanos fugindo do país também ganharam destaque. O recado é claro, ainda que não seja explicitado textualmente: o Brasil não pode virar uma Venezuela. 

O vídeo que mais viralizou, com sessenta compartilhamentos na amostra, apresenta a área interna de uma igreja, com várias imagens de santos quebradas no chão. A pessoa que filma a cena lamenta a situação e diz: “Isso é o começo do comunismo”. Não há informações sobre o local no qual teria ocorrido a ação e nem quando. 54 pessoas distintas compartilharam o vídeo em 41 grupos. Em apenas duas mensagens, o vídeo estava acompanhado de um texto: “ATENÇÃO CATÓLICOS; vejam o início da perseguição da religião”.

Do total de mensagens, pelo menos duzentas tratam sobre religião, o que é expressivo, tendo em vista que os grupos analisados são declaradamente de apoio a Bolsonaro, não sendo, portanto, de conteúdos religiosos ou gerais. Se as mensagens sobre corrupção apresentam forte teor crítico e agressivo em relação ao ex-presidente Lula, a narrativa religiosa emerge como agregadora, definidora de uma identidade comum, de um “nós” que se contrapõe ao “eles”. Esse tipo de oposição é típico do discurso fascista, como ensina o filósofo Jason Stanley, autor de “Como funciona o fascismo: A política do “nós” e “eles”” (publicado no Brasil pela L&PM, em 2018). O “nós” visível nos grupos analisados é conformado por religiosos, patriotas, pessoas preocupadas com a família. “Eles” são os esquerdistas, comunistas e corruptos. 

Um ecossistema midiático diverso

Essas narrativas ganham capilaridade por meio de todo um complexo ecossistema midiático associado ao bolsonarismo, dentro e fora da Internet, que combina uso de desinformação, informações descontextualizadas ou simplesmente parciais. 

Exemplo disso, o segundo link com maior número de aparições na amostra é do programa “Os Pingos nos Is”, transmitido pelo YouTube, pela rede Jovem Pan AM e FM e na TV JP News. A “notícia” tem como centro o questionamento do número de pessoas presentes em ato da campanha de Lula em Belo Horizonte. Além do apresentador, um comentarista reforça a ideia de esvaziamento do ato. Não houve espaço para o contraditório na matéria.

Em um vídeo compartilhado quarenta vezes, a jornalista Carla Cecato, apresentadora do programa Linha de Frente, também da Jovem Pan, elogia Bolsonaro, que ela descreve como “o cara mais humilde, mais simples que eu já vi na vida”. O vídeo tem tom emotivo e apresenta imagens de um Bolsonaro simpático falando sobre futebol. 

Além da emissora, outros portais ajudam a propagar mensagens e aparecem entre os domínios mais presentes, tais como: Pensando Direita, Terra Brasil Notícias, Portal Toca News, Portal Cidade News, Gazeta Brasil, Aliados Brasil Oficial e Contra Fatos. Os dois primeiros, conhecidos por veicular fake news, foram compartilhados mais de duzentas vezes cada. 

A diversidade de estratégias no âmbito da comunicação é um elemento que deve ser considerado na explicação da força demonstrada pelo bolsonarismo no primeiro turno. Mais que ganhar lastro pela repetição, a presença dos conteúdos em diversas mídias e formatos faz com que tais narrativas passem a integrar o cotidiano dos receptores, moldando sua visão de mundo. 

Como explica Jason Stanley, “o objetivo do fascismo (…) é destruir nosso respeito pela verdade, destruir nosso senso de realidade. É nos fazer pensar que há apenas ruído e que devemos escolher um lado”. A batalha da comunicação, tão visível neste segundo turno das eleições brasileiras, é parte essencial da estratégia desenvolvida para atingir tal fim.

Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

 

Por que a disputa na Internet parece descer ladeira abaixo?

Por que a disputa na Internet parece descer ladeira abaixo?

Por Helena Martins e Bia Calza

Publicado no Mídia Ninja

 

A matemática dos votos no primeiro turno deixa claro: a situação de Bolsonaro é bem mais difícil do que a de Lula. O atual presidente ficou atrás do petista por seis milhões de votos. Para virar, Bolsonaro tenta pescar em mares distintos: virar voto de evangélico que votou em Lula, mas não muito convicto; conquistar a população de baixa renda e as mulheres; intoxicar o eleitor que se absteve a ponto de mobilizá-lo a votar no segundo turno. Lula tem que evitar perder esses votos e ampliar, garantindo não só a adesão formal dos candidatos, mas dos apoiadores deles. Os primeiros dias da campanha no segundo turno mostram, portanto, que esta será uma guerra de rejeições. Como parte central dela, as primeiras movimentações escancaram os desafios associados às comunicações, particularmente ao ambiente digital. 

 

Além do já perceptível maior volume de desinformação, há uma diferença em relação aos temas e à dinâmica das redes. Ao longo do primeiro turno, mobilizaram o debate político nas mídias digitais o ataque às urnas e a associação de práticas de corrupção ao ex-presidente. Agora, ganham espaço conteúdos mais duros sobre o comportamento dos candidatos e um apelo às questões de ordem moral e religiosa. No caso do público evangélico, de um lado, apoiadores do presidente Bolsonaro ligam Lula ao satanismo, além de continuarem a  campanha em torno dos conteúdos que já conhecemos: aborto, ideologia de gênero, drogas e suposta perseguição aos cristãos. De outro, um resgate de um vídeo de Bolsonaro na maçonaria ganhou ampla projeção. O tamanho do impacto que pode ter em sua base evangélica é ainda difícil de mensurar, mas o incômodo está posto, como evidencia o fato de o candidato ter se pronunciado sobre o tema.

 

A pauta da maçonaria, que surgiu de forma espontânea, acabou virando rapidamente um dos assuntos mais buscados no Google, e mobilizou eleitores anti-Bolsonaro em diversas redes. No Twitter, por exemplo, entre a base de 43 influenciadores pró-Lula monitorados pelo Observatório das Eleições, foram coletados 228 tweets sobre o assunto na terça-feira (4). Entre os cinquenta perfis bolsonaristas monitorados, apenas 16 tweets mencionavam o assunto, o que mostra que o bolsonarismo buscou silenciar sobre ele.

 

Entre os perfis evangélicos, apenas Silas Malafaia se dedicou ao assunto no dia, enquanto André Valadão, Nikolas Ferreira e Marco Feliciano se calaram. A campanha anti-Bolsonaro percebeu o flanco aberto e intensificou os ataques. Surgiram, então, diversos conteúdos associando Bolsonaro ao Baphomet, figura mítica que acompanha o presidente no encontro com maçons registrado no vídeo. Na quarta-feira (5), a tag “Baphomet” estava entre os assuntos mais comentados das redes. Dada a situação factual que o vídeo retrata, muitos conteúdos desafiam a classificação entre desinformação proposital, malinformation, misinformation ou simples ironia. 

 

Desordem informacional e o papel das plataformas

 

No segundo turno, a dinâmica que temos visto lembra mais aquela de 2018. O bolsonarismo vai se unificando e apelando diretamente para questões religiosas e as chamadas pautas morais com o objetivo de gerar desgaste do adversário. A esquerda, que ainda se mostra surpreendida, parece buscar a mesma estratégia, como o caso do vídeo ilustra. Apela ainda para acusações em torno da religião, inclusive com desinformação como no caso da associação de Damares Alves ao satanismo, e adota conteúdos com estética memetizada, ambas estratégias típicas da direita. 

 

Por um lado, essa situação evidencia a centralidade da religião na vida dos brasileiros hoje. As emissoras de televisão e rádio são amplamente ocupadas por fundamentalistas. Mas há uma questão que precisa ser posta para que a resposta ao cenário atual não seja adotar os mesmos procedimentos que fazem regredir a consciência social: por que esse tipo de conteúdo, inclusive desinformativo, faz sucesso nas redes, a ponto de se tornar quase uma necessidade utilizá-lo? 

 

Mais do que mentiras, o que a estratégia de desinformação promove é uma desordem informacional, um desencontro, de modo que a verdade, as instituições tradicionais e seus portadores parecem afetar pouco uma parcela da população, diuturnamente bombardeada por conteúdos que as afetam de outras formas, especialmente no campo dos valores. Há, nisso, uma profunda dimensão ideológica, no sentido da ideologia como conjunto de crenças. Uma questão antiga, mas que é renovada em novos processos comunicacionais. Ora, aquela parcela da população tem permanente contato com pensamentos semelhantes, pois inserida em bolhas algorítmicas, o que a torna pouco permeável ao diferente e ao contraditório.

 

A disputa em torno da informação, portanto, não é nova, mas as plataformas digitais que organizam a conversação hoje devem ser colocadas em primeiro plano nessa análise do sucesso de conteúdos simplistas ou desinformativos. Tais plataformas não são neutras, produzem o que temos chamado de regulação tecnológica, o que afeta até mesmo a forma do que circula nela. São conteúdos rápidos, padronizados (as dancinhas ilustram isso), permeados de humor, que promovem uma quase indissociação entre o público e o privado. Além disso, baseadas na economia da atenção, as plataformas estimulam a promoção de conteúdos que geram engajamento, ainda que para isso, como é muito comum, promovam conteúdos extremistas ou mesmo desinformativos, que chamam a atenção das pessoas. 

 

Tanto a demanda pela produção constante quanto o tratamento de dados têm se pautado por uma ética de mercado. Interessa às plataformas e às demais empresas envolvidas nos diversos negócios associados a tais práticas que os usuários se mantenham permanentemente conectados, clicando para produzir informações sobre eles mesmos e os outros. Informações que, posteriormente, serão processadas por grupos que as usarão para, entre outras possibilidades, oferecer anúncios ou conteúdos políticos. Ainda que todos os grupos estejam se valendo desse instrumento, eles não são tratados igualmente pelas plataformas. As principais delas comprovadamente promovem mais conteúdos de direita, conforme pesquisas feitas sobre o Facebook, YouTube e Twitter.

Todo esse cenário evidencia que a sociedade deve discutir o funcionamento das plataformas digitais, que cada vez mais controlam o espaço onde se dá boa parte do debate público, superando a visão da neutralidade e do livre mercado de ideias. A regulação das plataformas digitais, nesse sentido, é uma agenda que se mostra cada vez mais necessária. Uma regulação que promova diversidade, equidade, transparência, inclusive em relação à mediação algorítmica dos conteúdos. Obviamente, isso se a eleição consagrar o candidato preocupado com a democracia, pois o que esse cenário também mostra é que é impossível dissociar o problema da comunicação do da política.

 

Helena Martins é professora da UFC. É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

Bia Calza é mestranda em Ciência Política na Universidade de Brasília e estrategista em comunicação política da Avaaz.

Bolsonarismo amplia ataques e se vale de desinformação sobre urnas em busca engajamento

Bolsonarismo amplia ataques e se vale de desinformação sobre urnas em busca engajamento

Helena Martins e José Maria Monteiro*

Publicado no Congresso em Foco

Suspeição sobre urnas e ataques a Lula são temas cada vez mais frequentes no debate eleitoral nas redes sociais. A tentativa é produzir um ambiente crítico ao candidato petista que segue liderando as pesquisas e desacreditar sua vitória. Na reta final da campanha, tais conteúdos são também utilizados para engajar o eleitorado, reanimando o sentimento antipetista. Embora essa mobilização não pareça se refletir nas pesquisas, como mostra a estagnação de Jair Bolsonaro, ela pode fragilizar a democracia. 

Os ataques foram mapeados pelo Farol Digital, da Universidade Federal do Ceará (UFC), parceiro do Observatório das Eleições. O grupo acompanhou a conversação em 266 grupos de WhatsApp de direita, entre os dias 21 e 28 de setembro, dos quais 166 registraram atividade no período. Ao todo, foram analisadas 8.384 mensagens, sendo que a maior parte delas (64,39%) continham mídia, ao passo que uma parcela menor (35,61%), apenas texto.

Além das fake news sobre o sistema eleitoral, os conteúdos mais repetidos em diferentes grupos são sobre questões constantes no repertório bolsonarista. Uma delas, sobre Adélio Bispo, o autor da facada contra Bolsonaro em 2018, que teria concedido uma entrevista à Rede Globo que teria sido proibida pela Justiça de circular durante o período eleitoral (19 grupos com a mesma mensagem e em mais 16 com conteúdo muito semelhante). Outra, de suspeição em relação à urna eletrônica (28 grupos com textos variados sobre o tema), com destaque que convoca os eleitores a fotografarem seus votos para que seja realizada uma contagem manual. A suposta entrevista de Adélio à Globo é falsa, conforme a agência de checagem Aos Fatos, que identificou que “a publicação tinha centenas de visualizações e compartilhamentos no Facebook e mais de 1.600 compartilhamentos no Instagram nesta terça-feira (27)”. Os ataques às urnas também têm sido frequentemente rechaçados pelos órgãos competentes, mas seguem circulando nas redes.

Ataques à justiça, atrelamento de Lula a práticas de corrupção e temor em relação ao comunismo (a partir de referências ao Chile e à China) são outros temas frequentes. O Amazonas é o estado que segue mais comentado nessas mensagens, a partir da divulgação de agendas e propostas de candidatos bolsonaristas.

Revelando que o compartilhamento de conteúdos sobre eleições é uma estratégia de engajamento comercial, outras duas postagens que mais apareceram em diferentes grupos (37 e 25 grupos) têm como chamada “Pesquisa eleitoral para presidente da República em 2022”, mas na verdade levam o internauta para o site “Finanças Web”, que se apresenta como site com informações sobre cartões de crédito e negociações no mercado financeiro brasileiro. 

O terceiro link bastante compartilhado (23 grupos) direciona para um site de enquete que apresenta Jair Bolsonaro em primeiro lugar entre os presidenciáveis. O engajamento com esses conteúdos tem a ver com a disputa em torno das informações que circulam sobre as pesquisas. Todos os institutos tradicionais, como Ipec, mostram Lula em primeiro lugar nas sondagens, o que o bolsonarismo tenta desacreditar, valendo-se, para isso, também de outras fontes.

 

É interessante notar que o número de vezes que as principais mensagens apareceram em diferentes grupos é bem maior do que o que vimos ao longo da semana do 7 de setembro. naquele momento, a mensagem mais “viral” havia aparecido em apenas 12 grupos. Isso mostra uma intensificação da estratégia de compartilhamento de desinformação, o que é revelado também quando observada a atividade de usuários individuais. Em uma semana, o usuário mais ativo, com número registrado no Amazonas, enviou 392 mensagens. Conteúdos enviados por chips estrangeiros também foram mais visualizados. Vale destacar o caso de um número registrado na Argentina, com 174 mensagens enviadas na semana, e outro, norte-americano, com 97 mensagens. 

 

A atividade desses usuários é bastante superior à dos demais, como o gráfico abaixo mostra, o que é um indício de ação automatizada.

Quando mapeados apenas os links compartilhados, vemos a predominância de convites para grupos do Telegram. Além do chamado para um canal de direita em geral, há convites para grupos que reúnem apoiadores de Bolsonaro por estado. Cada link com a informação estadual circulou 83 vezes. Apenas uma conta alinhada a Lula, do jornal A Postagem, tem destaque entre os mais compartilhados.

 

A estratégia bolsonarista de compartilhamento de links de canais e sites desinformativos também foi identificada pela agência Aos Fatos. Entre 16 de agosto e 19 de setembro, a agência acompanhou 578 comunidades de Telegram e 285 grupos de WhatsApp e verificou que links para sites considerados hiperpartidários (conceito adotado pela agência para se referir a sites desinformativos como Terra Brasil Notícias e Pleno News) foram compartilhados ao menos 40.796 vezes. Aos Fatos alerta que o compartilhamento desses links se dá com a monetização de sites por meio de anúncios automáticos no Google AdSense, o que mostra ineficácia das plataformas no combate às fake news. 

 

Com diferentes estratégias e mobilizando todo um ecossistema midiático, portanto, o bolsonarismo tenta repetir o clima de 2018. O domingo e os dias seguintes serão determinantes para sabermos o quanto esse tipo de procedimento é capaz de ameaçar a democracia no Brasil.

 

José Maria Monteiro é professor de Computação da Universidade Federal do Ceará, coordenador do Farol Digital.

Helena Martins é professora da UFC. É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

Pagamento por anúncios eleitorais já somam mais de R$ 100 milhões

Pagamento por anúncios eleitorais já somam mais de R$ 100 milhões

Helena Martins e Rachel Callai Bragatto

Publicado na Carta Capital

A campanha começou no dia 16 de agosto e, com ela, também a corrida pela ampliação da presença das candidaturas nas redes sociais. Dada a lógica de funcionamento das plataformas digitais, que se baseiam em publicidade e têm reduzido o alcance orgânico das postagens, um dos caminhos para isso tem sido recorrer ao impulsionamento pago de conteúdos. Por meio desse mecanismo, os candidatos podem alcançar mais pessoas e, ao mesmo tempo, segmentar o público das mensagens, escolhendo perfis específicos e preparando materiais moldados de acordo com recortes sociais de idade, gênero, renda, localização e interesse. 

Ao todo, entre os dias 19 de agosto e 17 de setembro, anúncios associados às “questões sociais, política e eleições” somaram mais de R$ 76 milhões na Meta, corporação dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, e R$ 24 milhões no Google, detentora do buscador e também do YouTube. Os dados são da Biblioteca de Anúncios da Meta, que apresenta os valores aproximados de todos os candidatos e grupos que propagam informações políticas, e da página de transparência de anúncios políticos do Google.

O líder da disputa presidencial, Lula, também lidera os gastos em impulsionamentos. Foram mas de R$ 322 mil no Facebook e no Instagram e R$ 3,15 milhões em anúncios no Google, tanto de promoção de informações publicadas no site da campanha quanto de vídeos. A diferença mostra a estratégia de Lula de dar projeção a informações textuais que apresentem sua defesa e de criticar Jair Bolsonaro por meio de vídeos. Suas páginas no Facebook e no Instagram, em geral, apresentam imagens positivas da campanha eleitoral. Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PL) também apostam pesado nas empresas do Google. Investiram, respectivamente, R$ 2,05 milhões e 1,47 milhões.

O impulsionamento de conteúdos nas campanhas eleitorais opera em um terreno novo ainda pouco conhecido e regulamentado, dado que se trata de uma atividade permitida apenas nas últimas duas eleições. Ainda assim, a estratégia eleitoral vem tomando grandes proporções, tornando-se elemento importante para a obtenção de lucros pelas plataformas digitais. Por outro lado, cria uma situação de visibilidade condicionada pelo pagamento, o que pode desequilibrar a disputa eleitoral a favor daqueles que dispõem de mais recursos. 

É por meio do pagamento de anúncios que os contratantes podem segmentar o público para os quais apresentarão determinados posts, sendo que o funcionamento dessa segmentação, assim como a sua entrega, são regidos por algoritmos opacos, sobre se sabe e muito se fala. Isso diminui a transparência e pode facilitar a formação de filtros-bolhas ou câmaras de eco. Ou seja, grupos segmentados por interesses e visões de mundo comuns e expostos a conteúdo semelhante, nos quais os indivíduos só vão reforçando os seus próprios pontos de vista e se tornando refratários àqueles opostos. Muito tem se discutido a respeito do impacto disso na democracia, especialmente com relação aos seus efeitos sobre a polarização política em períodos eleitorais.

No caso do Google, mais de vinte mil anúncios foram espalhados na internet. Abaixo, a lista de maiores anunciantes, bem como os valores gastos por eles:

Já em relação às plataformas da Meta, a candidata à presidência da República Simone Tebet lidera o ranking de gastos, com um investimento de R$ 1.124.557, ao passo que dedicou R$ 644 mil para o Google. Ainda pouco conhecida do eleitorado nacional, a atual senadora tem impulsionado conteúdos de apresentação, com dados de pesquisas que mostram crescimento de intenções de votos e também mostrando-se como alternativa à polarização. 

Entre os candidatos à presidência, Ciro Gomes é o que aparece em segundo lugar no ranking do Facebook e Instagram, tendo empregado R$ 656.683 em anúncios. Volume superior foi destinado por Roberto Cláudio, candidato do PDT ao governo do Ceará: R$ 816.138. Logo atrás está Elmano de Freitas, do PT, que disputa com o pedetista o segundo lugar nas intenções de voto no estado. O petista empregou R$ 520.772 no primeiro mês da disputa eleitoral. Do mesmo estado, figura entre os dez maiores clientes da Meta o candidato a deputado federal pelo PV Célio Studart, com R$ 380.230. Assim como em 2020, os candidatos cearenses lideram entre os estados o gasto em impulsionamento na internet.

O candidato ao Senado em Minas Gerais Alexandre Silveira, do PSD, investiu R$ 424.975. Pleiteando o cargo de deputado federal, José Aníbal, do PSDB de São Paulo, dedicou mais de R$ 400 mil para anúncios nas redes da Meta.

Interessante notar que a campanha do presidente Jair Bolsonaro dedicou R$ 126.388. A conta utilizada para esses impulsionamentos foi a do Partido Liberal. A do próprio presidente não aparece entre os anunciantes. Assim, ao passo que outras páginas promovem o presidente e seu ideário, a do próprio adota uma estratégia baseada no engajamento da audiência. 

Nesse ecossistema, outros agentes que também valem-se de impulsionamentos importam. Além dos candidatos, as próprias empresas Facebook Brasil e WhatsApp Brasil aparecerem como anunciantes da categoria “questões sociais, eleições ou política”. Merece destaque também a produtora Brasil Paralelo, que empregou R$ 505.200. Interessante notar ainda a forte participação do “Ranking dos Políticos”, que gastou R$ 362.471 no último mês. Associada a um portal, apresenta-se como “uma iniciativa da sociedade civil que avalia senadores e deputados federais em exercício, classificando-os do melhor para o pior, de acordo com os critérios por eles estabelecidos, como combate aos privilégios, desperdício e corrupção no poder público”. A imensa maioria dos candidatos destacados na plataforma é de direita.

Até o pleito de 2016 no Brasil, os partidos poderiam utilizar a internet de forma orgânica. O impulsionamento em campanhas foi permitido na Minirreforma Eleitoral (Lei nº 13.488) de 2017, que incluiu entre os possíveis gastos eleitorais as formas de impulsionamento de conteúdo por meio da priorização paga de conteúdos em aplicações de busca na internet. Com a mudança ficou “vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes” (BRASIL, Lei nº 13.488/17, art. 57-C). O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio da Resolução nº TSE 23.610, liberou o impulsionamento de conteúdo na internet a partir da pré-campanha, vetando apenas o disparo em massa para um grande volume de usuários por meio de aplicativos de mensagem instantânea, como o WhatsApp. Na prática, tais medidas estimularam o pagamento para a obtenção de visibilidade, o que não ocorre no caso da TV e do rádio, em que os candidatos não podem pagar por anúncios. Na radiodifusão, o tempo de inserções é destinado ao Horário Eleitoral Gratuito e segue a proporcionalidade de representação dos partidos. Os custos para os candidatos e partidos são apenas com a produção do conteúdo e não com a sua veiculação e distribuição.

Em 2020, produzimos levantamento que mostrou que as 50 principais campanhas anunciantes gastaram, juntas, R$ 100 milhões. De 2018 para 2020, foi registrado um aumento superior a 40% no total repassado para tais empresas por meio de impulsionamento de conteúdos. Como os os próximos dias até 2 de outubro serão de fundamental importância para a disputa do eleitorado, é provável que a destinação de recursos para as corporações digitais siga aumentando. O quanto esse mecanismo afeta a isonomia entre as candidaturas, favorecendo a eleição de quem pagar mais, é um ponto que ainda carece de maior acompanhamento, debate e, possivelmente, regulamentação no Brasil. 

Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

Rachel Callai Bragatto é jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR. Foi visiting researcher na University of California – Los Angeles. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC. Interessada em temas como democracia digital, participação política e cibercultura.