O peso dos padrinhos políticos na sucessão ao governo do Ceará

O peso dos padrinhos políticos na sucessão ao governo do Ceará

Monalisa Torres e Luciana Santana

Publicado no JOTA

O Ceará conheceu seu novo governador na noite de domingo (02/10). Surpreendendo analistas políticos, que esperavam uma disputa acirrada em segundo turno, Elmano de Freitas (PT) sagrou-se vitorioso com 54,02% dos votos  válidos (2.808.300 votos). Seus adversários, Capitão Wagner (UB) e Roberto Cláudio (PDT), obtiveram 31,72% e 14,14% dos votos, respectivamente.

Ainda que as sondagens eleitorais apontassem tendência de crescimento de Elmano de Freitas, havia a expectativa de que a disputa fosse levada ao segundo turno dada a resiliência de seu principal adversário, Capitão Wagner.  

Político pouco conhecido, alçado à condição de candidato às vésperas do encerramento do prazo para as homologações das candidaturas e num contexto de racha da base governista, Elmano de Freitas (PT) enfrentou o desafio de concorrer com duas figuras já experientes em disputas majoritárias e mais conhecidas do eleitorado cearense: o deputado federal campeão de votação em 2018, Capitão Wagner (UB) e o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT). Como estratégia, explorou à exaustão a nacionalização das disputas estaduais e a lógica do “voto casado”, colando sua imagem na de seus padrinhos políticos, Lula e Camilo Santana, sintetizado no slogan “Por um Ceará três vezes mais forte”. Tanto em suas peças quanto em falas, associou negativamente Capitão Wagner ao presidente Jair Bolsonaro e Roberto Cláudio a Ciro Gomes, apresentando-se como alternativa a ambos os projetos. 

Já Wagner, do ponto de vista de estratégia de comunicação política, para além da consolidação de uma legítima oposição anti-ferreiragomista, buscou desconstruir a imagem de político autoritário, sempre acionada pelos adversários ao apontarem sua participação nos motins das PMs no Ceará (em 2012 e 2020), e descolar-se de Bolsonaro. Chama a atenção as peças em que dialoga com eleitores insistindo que será o “governador dos cearenses, independente do presidente eleito” e que “acredita na legitimidade do processo eleitoral”, por exemplo. 

Com um eleitorado bolsonarista já consolidado (pesquisa Ipespe aponta que 98% dos eleitores de Bolsonaro tinham Wagner como sua opção para o governo cearense), Wagner tentou furar a bolha e conquistar outros nichos eleitorais. Nesse sentido, não focou na pauta de costumes (tema que coube a aliados como sua candidata ao senado, Kamila Cardoso ou sua esposa, eleita deputada federal, Dayana do capitão), insistindo na tese de que “é independente e que não tem padrinhos políticos” e que manteria relações institucionais “com presidente de qualquer partido”.

Tal como Capitão Wagner, Roberto Cláudio (PDT) trabalhou para cacifar-se como candidato desde 2020 quando encerrou a gestão de Fortaleza com bons índices de aprovação e como o principal responsável pela eleição de seu sucessor, Sarto Nogueira (PDT). No entanto, um racha na base governista mudaria os rumos e resultaria em diferentes obstáculos a sua candidatura. Dificultaram o sucesso de sua candidatura a saída de partidos e lideranças importantes, a exemplo do ex-governador e candidato ao senado Camilo Santana (PT) que carreou prefeitos e deputados, o rompimento com a governadora Izolda Cela (preterida à reeleição pelo PDT), o silêncio dos irmãos Cid e Ivo Gomes e, por fim, o lançamento de uma candidatura que reivindicou o posto de governista.

Restou a Roberto Cláudio a difícil tarefa de apresentar-se como um “candidato a oposição, mas nem tanto”. Espremido entre a popularidade de Wagner e a perspectiva de crescimento da candidatura governista (avalizada por Camilo Santana e Lula), sua primeira peça publicitária deixou clara essa estratégia: Cláudio deu ênfase a sua “experiência e competência comprovadas pelas obras realizadas e os números de aprovação de sua gestão”, se contrapondo aos seus principais adversários e afirmando que “como membro do grupo que fez o Ceará crescer, sabe onde se errou e onde pode melhorar”. 

Numa resposta à estratégia adotada pela candidatura petista, o ex-prefeito de Fortaleza constantemente invocou a memória do eleitor de que foi prefeito durante a gestão de três presidentes diferentes e que, portanto, não dependeria necessariamente do alinhamento com outras figuras políticas. Em suas palavras, “depois de eleitos, os padrinhos ‘vão embora’ e o governador terá que governar sozinho” numa clara sinalização da relação entre Lula, Camilo e Elmano de Freitas (PT). Por fim, abusou de ataques aos ex-aliados, como Camilo Santana e a governadora Izolda Cela, o que, ao invés de estabilizar o crescimento de seu principal adversário, Elmano de Freitas, produziu efeito bumerangue, aumentando seus índices de rejeição e empurrando de vez a governadora para a campanha de Freitas.  

Qual o tamanho de Camilo e dos irmãos Ferreira Gomes no Ceará após a eleição de 2022?

O maior vitorioso dessa eleição no Ceará foi o ex-governador Camilo Santana (PT). Eleito senador com 69,76% dos votos (3.389.513), seu maior feito no pleito de 2022 foi eleger seu candidato ao governo ainda em primeiro turno. Para além do peso de Lula na campanha de Elmano de Freitas, Camilo Santana cumpriu um papel importantíssimo na candidatura do seu partidário. Aliado à estratégia do “voto casado”, Camilo atuou como principal articulador e responsável pela construção de uma coalizão forte em torno da candidatura de Elmano de Freitas. 

Do lado de Roberto Cláudio, a ausência do senador Cid Gomes (PDT) foi sentida. Artífice do condomínio de partidos e lideranças que deram sustentação ao seu governo e de se sucessor, Cid Gomes optou por não se envolver nas disputas ao governo do estado após desentendimentos com seu irmão, o presidenciável Ciro Gomes (PDT).

Nossa hipótese é a de que Cid Gomes, como político habilidoso e conhecedor da história política cearense, apostava na manutenção do grande arco de alianças como estratégia para dar sobrevida ao ciclo político ferreiragonista. Com os sinais de esgotamento do ciclo e do poder político do seu grupo, dado ainda nas eleições de 2020, e com a estratégia de isolar o Ceará das disputas nacionais, como ocorreu em 2018 (quando PT e PDT andaram lado a lado na disputa ao Palácio da Abolição), Cid apostava numa transição menos traumática. 

Ao contrário dele, Ciro optou por romper com o PT numa clara tentativa de distanciamento de um dos seus adversários no plano nacional. Do ponto de vista do discurso político, parecia custoso admitir uma aliança com o PT em seu próprio quintal. O que, acreditamos, foi importante na escolha de Roberto Cláudio como candidato pedetista

As escolhas de Ciro foram desastrosas e se refletiram na campanha de seu aliado, o ex-prefeito Roberto Cláudio, que se viu isolado perdendo apoio de prefeitos e lideranças do interior além de deputados de seu próprio partido, o PDT. Só para se ter uma ideia, Cláudio venceu apenas em um município dos 184 do estado. Elmano foi o mais votado em 178 municípios cearenses. Wagner, venceu em cinco, dentre eles, Fortaleza.

 

A disputa pelos espólios da base governista no Ceará

A disputa pelos espólios da base governista no Ceará

Monalisa Torres, Nathanael Rodrigues, Davi Sousa e Lilian Cavalcante*

 

Foi dada a largada para a corrida ao Palácio da Abolição no Ceará. E após as definições dos partidos, temos os seguintes nomes disputando o cargo de governador e vice, respectivamente: Capitão Wagner (UB) e Raimundo Gomes de Matos (PL); Roberto Cláudio (PDT) e Domingos Filho (PSD); Elmano de Freitas (PT) e Jade Romero (MDB); Zé Batista (PSTU) e Reginaldo Araújo (PSTU); Chico Malta (PCB) e Nauri Araújo (PCB); Serley Leal (UP) e Bita Tapeba (UP). Dessas, as três primeiras candidaturas mostram-se mais competitivas pelo tamanho das coalizões que conseguiram montar e pelos apoios que têm agregado capital político aos seus postulantes. 

Aliado do presidente Bolsonaro (PL), Capitão Wagner consolidou-se como o principal nome da oposição no estado do Ceará. Com forte base eleitoral na capital, lidera as pesquisas de intenção de votos e conta com apoio de seis partidos (União Brasil, PL, Avante, Republicanos, PTB, PODEMOS), que em número de prefeituras soma 16 municípios.

Partidário de Ciro Gomes, Roberto Cláudio (PDT), foi prefeito de Fortaleza e conta também com o apoio de Tasso Jereissati (PSDB). Seu candidato a vice, Domingos Filho, é líder do PSD no Ceará, segundo partido em número de prefeituras. Sua coligação reúne nove siglas (PDT, PSD, PSB, PSC, Patriota, PMN, Agir, DC e PMB), que, somadas, administram 95 prefeituras. 

Por sua vez, Elmano de Freitas (PT), cujo palanque contará com as presenças de Lula e do ex-governador Camilo Santana, compôs uma aliança com nove partidos (PT, MDB, PV, PSOL, PCdoB, PP, Solidariedade, REDE, PRTB), que somados chegam a 61 prefeituras.

 

Os primeiros dias de campanha 

Os primeiros dias de campanha já ofereceram importantes indicativos das estratégias a serem adotadas pelos candidatos ao executivo estadual cearense: a presença forte na capital, Fortaleza, demonstrando a necessidade de ganhar terreno no maior colégio eleitoral do estado, mas também a busca por apoios dos prefeitos dos municípios do interior. 

Observadores das eleições concordam que para um candidato ao governo manter-se competitivo, precisa atingir, no mínimo, 1/3 das intenções de votos na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) para garantir apoio dos prefeitos do interior. Do contrário, corre-se o risco de ver sua base política esvaziar-se. 

Aqui cabe uma lembrança: na história recente do Ceará, as eleições majoritárias mais competitivas foram resolvidas conquistando-se os votos das bases eleitorais do interior. Foi assim que, em 2002, Lúcio Alcântara (PSDB) foi eleito governador em segundo turno. Ou em 2014, quando de virada Camilo Santana (PT) conquista seu primeiro mandato para o executivo cearense. Ou ainda, em 2018, quando Eunício Oliveira (MDB) não é reeleito ao senado em virtude de ter perdido parte de sua base eleitoral no interior.

Outra especificidade das eleições cearenses tem sido a vitória de oposições que derivam de rachas nas bases governistas. Para ficar num exemplo mais recente, citamos o caso de Cid Gomes (PSB) em 2006. Na época, Cid deixou a base do governo Lúcio Alcântara (PSDB), que tentou reeleição, para se colocar como alternativa ao ex-aliado. Com apoio informal de Tasso Jereissati (PSDB), Cid Gomes foi eleito governador ainda no primeiro turno das eleições, vencendo em 164 dos 184 municípios cearenses.

As eleições de 2022 parecem repetir os padrões assinalados acima: 1) a atenção dos candidatos para a contrução de rede de apoio nos municípios do interior e 2) candidaturas fortes que nascem da fragmentação da base governista. Ainda que estejamos no início das campanhas eleitorais, esses dois elementos combinados a um fato inédito na política cearense (a declaração de neutralidade da governadora Izolda Cela, atualmente sem partido), têm produzido um cenário de acirramento e incertezas quanto aos nomes que seguirão para o segundo turno na corrida pelo Palácio da Abolição. 

O racha da base governista e o reposicionamento das bases eleitorais

No momento da escrita desse artigo, dos 184 prefeitos cearenses, oito afirmaram comprometer-se com o candidato Capitão Wagner. Outros 73 oficializaram apoio a Roberto Cláudio e cem prefeitos declararam-se apoiadores de Elmano de Freitas. Apenas quatro prefeitos ainda não oficializaram apoio a nenhum dos postulantes ao governo, dentre eles o prefeito de Sobral, Ivo Gomes (PDT). Outro dado que chama atenção é que 21 prefeitos de siglas que compõem a base de Roberto Cláudio apoiam a candidatura de Elmano e uma prefeita mudou de legenda (do PSD para o MDB) para declarar apoio ao candidato petista. Essas “infidelidades” também ocorrem do lado de Wagner, que viu cinco prefeitos de partidos coligados apoiarem adversários e outros três que ainda não declararam seu apoio (Figura 1).

Figura 1 – Mapa de apoio – eleições 2022 no Ceará

Fonte: elaboração própria.

 

Obviamente esses números poderão mudar até a reta final das campanhas eleitorais, sobretudo após o início do horário eleitoral gratuito no rádio e TV. No entanto, cabe fazer um destaque para a fragmentação da base governista após o racha entre PDT e PT (ver em artigo link ) e do papel que lideranças como Domingos Filho (PSD), de um lado, e Eunício Oliveira (MDB) e Camilo Santana (PT), de outro, têm exercido na costura da base política junto aos prefeitos cearenses.

 O que as pesquisas indicam?

Nos dois últimos levantamentos de intenção de votos, Wagner permanece na liderança e Roberto Cláudio e Elmano de Freitas aparecem empatados tecnicamente. 

Segundo a pesquisa Real Time Big Data, divulgada em 22 de agosto, Wagner apresenta crescimento, de 35% para 38% das intenções de votos. Roberto Cláudio perde 5%, marcando 23% no último levantamento. Elmano sobe de 20% para 24%. Brancos e nulos somaram 7%. Não souberam ou não responderam, 5%. 

Na pesquisa IPESPE/O Povo, de 25 de agosto, Wagner oscilou um ponto para baixo, de 38% para 37% das intenções de voto. Roberto Cláudio também oscilou negativamente dentro da margem de erro, aparecendo com 28% no primeiro levantamento e 25% no segundo.  Elmano foi o único que apresentou evolução, empatando tecnicamente com o ex-aliado, subindo de 13% para 20% das intenções de votos. Brancos e nulos somaram 10%. Não souberam ou não responderam, 7%.

Até o momento, na disputa pelos espólios da base governista, Camilo Santana parece ter logrado os melhores resultados. É o que indica o mapa de apoio e o crescimento de Elmano nas pesquisas de intenção de votos, sobretudo entre os respondentes do interior do estado. Sem o trabalho de composição do habilidoso senador Cid Gomes (PDT), Roberto Cláudio precisará demonstrar a mesma habilidade que mobilizou na campanha vitoriosa de Sarto Nogueira (PDT) à prefeitura de Fortaleza em 2020.

A eleição de 2022, de partida, já se mostra bastante competitiva. O resultado poderá selar o destino do grupo político dos Ferreira Gomes no Ceará. 

 

*Monalisa Torres é professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará. Doutora em Sociologia pela UFC. Pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM-UFC).

Nathanael Rodrigues é aluno de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará. Bolsista IC/UECE vinculado ao projeto “Pactos na cena política cearense: dinâmica de funcionamento de grupos políticos no contexto de transição de ciclos políticos no Ceará”

Davi Sousa é aluno de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará. Bolsista ICT/Funcap vinculado ao projeto “Pactos na cena política cearense: dinâmica de funcionamento de grupos políticos no contexto de transição de ciclos políticos no Ceará”

Lilian Cavalcante é aluna de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará. Pesquisadora voluntária vinculada ao projeto “Pactos na cena política cearense: dinâmica de funcionamento de grupos políticos no contexto de transição de ciclos políticos no Ceará”