As disputas para os governos estaduais na reta final do 2º turno

As disputas para os governos estaduais na reta final do 2º turno

Luciana Santana e Marta Mendes da Rocha

Publicado no JOTA

Nas eleições para os governos estaduais, 15 dos 27 estados definiram a eleição no primeiro turno. Em outros 12 estados a decisão será conhecida neste domingo (30). É o caso de Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. Neste artigo, analisamos a possibilidade de vitória dos candidatos(as) a partir das pesquisas mais recentes realizadas pelo Ipec, divulgadas entre 11 e 28 de outubro.

Disputas nacionalizadas no Sudeste

No Sudeste, dois estados decidirão seus governadores neste domingo e em ambos a disputa segue nacionalizada. No Espírito Santo, contrariando as pesquisas que indicavam a reeleição de Renato Casagrande (PSB) no primeiro turno, a decisão foi adiada e o governador enfrenta o ex-deputado federal Carlos Manato (PL).

A última pesquisa Ipec, do dia 21 de outubro, dava uma vantagem de 9 pontos para Casagrande (49 x 40 nas intenções de voto, correspondendo a 55 x 45 dos votos válidos). Apesar da dianteira do aliado de Lula, Bolsonaro está na frente no estado, com 51% das intenções de voto contra 41% do petista. No primeiro turno, o governador ofereceu um apoio apenas discreto a Lula porque sabia que poderia precisar dos votos dos eleitores de Bolsonaro. No segundo turno, contudo, o cenário tendeu a se nacionalizar com a presença de um desafiante claramente alinhado ao presidente.

Em São Paulo, a disputa entre Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) reproduz com força a polarização da eleição presidencial. Haddad terminou o primeiro turno com 35,7% dos votos válidos, atrás de Tarcísio de Freitas com 42,3%, contrariando o que indicavam todas as principais pesquisas. Segundo pesquisa Ipec do dia 25 de outubro, na reta final da campanha, os candidatos aparecem empatados tecnicamente, com 46% de Tarcísio contra 43% de Haddad, equivalente a 52% x 48% em votos válidos. Na pesquisa espontânea, na qual não são lidos os nomes dos candidatos, eles também estão muito próximos, com Tarcísio à frente com 35% contra 32% de Haddad.

O ex-ministro de Bolsonaro busca colar cada vez mais sua imagem à do presidente e conta com apoio do atual governador Rodrigo Garcia (PSDB), que terminou o 1º turno em terceiro lugar. Haddad, por sua vez, tenta explorar a seu favor a ideia de que Tarcísio não conhece São Paulo e o acontecimento recente envolvendo a equipe de campanha de Tarcísio em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Há indícios de que a equipe possa ter tentado forjar um atentado em evento que resultou na morte de Felipe Silva e Lima, de 28 anos. Um dos seguranças de Tarcísio teria sido o responsável pela morte. Além disso, a campanha foi acusada de tentar destruir provas. A pesquisa a ser divulgada pelo Ipec às vésperas da eleição dirá se este fato impactou o eleitorado contra Tarcísio e a favor de Haddad. Contudo, não se pode subestimar a força do antipetismo no estado: segundo a última pesquisa Ipec, Haddad apresenta 43% de rejeição contra 31% de Tarcísio. Esta pesquisa também mostrou empate técnico entre Bolsonaro (47% das intenções de voto) e Lula (44%).

Entre o bolsonarismo e a neutralidade em disputas nos estados do Sul

No Sul do país, em dois estados a disputa será decidida no segundo turno. Em Santa Catarina o cenário não traz muitas surpresas. O senador Jorginho Mello (PL), que terminou o primeiro turno à frente com 38,6% dos votos válidos, lidera as pesquisas na segunda rodada. Ele aparece na última pesquisa Ipec (18 de outubro) com 59% das intenções de voto contra 26% do ex-deputado federal e ex-prefeito de Blumenau, Décio Lima (PT). Em votos válidos Jorginho tem 69% contra 31% do petista.

O cenário não surpreende devido à força da direita e de Bolsonaro no estado. No primeiro turno, Bolsonaro venceu em 263 cidades catarinenses ante 32 de Lula, e teve 62,2% dos votos válidos contra 29,5% do ex-presidente. O candidato alinhado a Bolsonaro recebeu o apoio dos candidatos derrotados no primeiro turno (com exceção do PDT) e das principais forças políticas do estado. Assim, embalado no fortalecimento de uma direita mais ideológica e na força de Bolsonaro, Jorginho não deve encontrar problemas para confirmar seu favoritismo no próximo domingo.

No Rio Grande do Sul, depois da surpresa do primeiro turno quando o ex-ministro de Bolsonaro Onyx Lorenzoni (PL) terminou à frente com 37,5% dos votos contra 26,81% de Eduardo Leite (PSDB), alguns analistas esperavam o alinhamento de Leite com a candidatura de Lula a nível nacional como forma de atrair os votos da esquerda gaúcha. Este alinhamento não ocorreu. Leite optou por permanecer neutro frente à uma candidatura fortemente alinhada a Bolsonaro, contando que poderia atrair os votos dos lulistas devido à rejeição ao candidato do PL. Sua estratégia pareceu acertada, já que mesmo sem o apoio de Leite, o PT gaúcho declarou voto crítico no candidato do PSDB, visto como alternativa menos pior diante da possibilidade de vitória de um dos principais aliados de Bolsonaro.

Segundo a última pesquisa Ipec, divulgada no dia 28 de outubro, Leite aparece com 50% das intenções de voto contra 40% de Onyx, o correspondente a 56% x 45% dos votos válidos. Se o favoritismo de Leite se confirmar neste domingo, o Rio Grande do Sul reelegerá pela primeira vez um governador desde que esta possibilidade foi introduzida, em 1997, e o PSDB terá garantido uma sobrevida no comando do quinto maior colégio eleitoral do país.

Bolsonarismo vivo na única disputa no Centro-Oeste e nas disputas na região Norte
Único estado da região Centro-Oeste com disputa em segundo turno para o cargo de governador, a eleição em Mato Grosso do Sul tem sido marcada pela força do bolsonarismo, seja no alinhamento de Capitão Contar (PRTB) à candidatura presidencial de Bolsonaro ou por impulsionar a neutralidade de Eduardo Riedel (PSDB). O resultado do primeiro turno no estado refletiu o peso do apoio de Bolsonaro na região, e deixou fora do segundo turno políticos tradicionais do estado. A eleição sul-mato-grossense é uma das mais incertas deste segundo turno e deve ser decidida voto a voto. Segundo a última pesquisa Ipec, os dois candidatos aparecem com 45% das intenções de voto ou 50% dos votos válidos.

Bolsonaro também influencia as duas disputas na região Norte. Em Rondônia, os dois candidatos estão alinhados ao presidente, em uma competição ainda indefinida. De acordo com a última pesquisa Ipec, Marcos Rogério (PL) e Coronel Marcos Rocha (União Brasil) possuem 45% das intenções de voto ou 50% dos votos válidos cada um.

No Amazonas, Wilson Lima (União Brasil) disputa a reeleição contra o ex-governador Eduardo Braga (MDB), com boas chances de ser reconduzido. Na pesquisa Ipec de 21 de outubro, Lima aparece com 53% das intenções de voto contra 41% de Braga, o que significa 56% dos votos válidos contra 44%.

A força da esquerda nas disputas no Nordeste

A movimentação do xadrez político alagoano despertou atenção não apenas no estado, mas de todo o país, seja pelo apoio de lideranças nacionais às candidaturas que disputam o segundo turno, seja por decisões judiciais como a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afastou o governador e candidato à reeleição, Paulo Dantas (MDB), ou a da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu, por unanimidade, lhe devolver o mandato no último dia 25 de outubro.

Dantas é o candidato do grupo do senador Renan Calheiros (MDB) e tem hoje apoio de Lula. Na pesquisa Ipec divulgada no dia 20 de outubro, Dantas aparecia com 49% das intenções de voto ante 40% de Rodrigo Cunha (União Brasil). Entretanto, a pesquisa do dia 28 aponta empate técnico entre os dois candidatos, 46% de Dantas contra 42% de Cunha, o que representa, em votos válidos, 52% contra 48%. Apesar do favoritismo de Dantas, o cenário ainda é muito incerto. Seria um caso inédito de virada do segundo colocado no 1º turno sobre o primeiro, já que Cunha teve apenas 26,79% dos votos válidos ante 46,6% de Dantas.

A Bahia é o quarto colégio eleitoral mais importante do país e surpreendeu todos os diagnósticos eleitorais que apontavam a vitória de ACM Neto (União Brasil) em 1º turno. Pela primeira vez a disputa no estado seguiu para o 2º turno, e Jerônimo Rodrigues (PT) terminou a disputa à frente de ACM Neto. A pesquisa Ipec divulgada no dia 21 de outubro mostra uma disputa bastante polarizada. Na pergunta estimulada a diferença entre os dois é de 4 pontos, Jerônimo é citado por 48% dos entrevistados e ACM por 44%. Considerando apenas votos válidos, o petista teria 52% contra 48% de ACM. Apesar do cenário de incerteza, pela trajetória eleitoral desde o primeiro turno, Jerônimo aparece com mais chances de vencer o pleito e manter a hegemonia do PT no estado.

A judicialização da disputa em Sergipe teve reflexos na disputa acirrada entre as candidaturas que disputam o 2º turno. A candidatura de Valmir de Francisquinho (PL) foi impugnada ainda no 1º turno, seu nome apareceu nas urnas, mas seus votos foram invalidados. A disputa ficou entre Rogério Carvalho (PT), sustentado por redes de apoio profissionais, e Fábio Mitidieri (PSD), que manteve palanque neutro e consolidou uma base de apoio formada essencialmente por grupos políticos de base familiar. Na pesquisa de 20 de outubro, o petista aparece com 43% ante 40% de Mitidieri, um resultado apertado quando traduzido em votos válidos: 51% a 49%. Um cenário marcado por muita indefinição no estado.

Além de Fátima Bezerra, reeleita para o Rio Grande do Norte, o Nordeste terá mais uma governadora eleita neste domingo, em Pernambuco, com a disputa entre Marília Arraes (Solidariedade) e Raquel Lyra (PSDB). Raquel, que preferiu não declarar apoio a uma candidatura presidencial, lidera as pesquisas. De forma espontânea é citada por 43% contra 34% de Arraes na pesquisa divulgada no dia 25 de outubro. Na estimulada, a distância entre elas passa a ser de 8 pontos, Raquel tem 51% das intenções de votos contra 43% de Marília, o que corresponde a 54% de votos válidos ante 46%. Nessa toada, o PSDB pode ter uma governadora eleita em Pernambuco.

Na Paraíba, o governador João Azevêdo (PSB) lidera as pesquisas e enfrenta uma situação mais confortável para ser reeleito. A diferença para o seu adversário Pedro Cunha Lima (PSDB) é de 5 pontos, com 47% ante 42% do tucano, o equivalente a 53% dos votos válidos ante 47%.

Apoios aos candidatos no segundo turno

Assim como no primeiro turno, a posição dos candidatos (as) em se alinharem (ou não) às candidaturas presidenciais tornou-se uma estratégia de sobrevivência, com o principal objetivo de ampliar suas bases eleitorais. No segundo turno, dentre os eleitos, 9 declararam apoio a Bolsonaro e 6 a Lula.

Nos demais estados que ainda disputam o segundo turno, 4 deles possuem disputadas polarizadas e alinhadas às candidaturas presidenciais: Amazonas, Espírito Santo, Santa Catarina e São Paulo. Em outros 7 estados, pelo menos uma das candidaturas não oficializou um palanque presidencial: Rodrigo Cunha em Alagoas, ACM Neto na Bahia, Eduardo Riedel em Mato Grosso do Sul, Pedro Cunha Lima na Paraíba, Raquel Lyra em Pernambuco, Fábio Mitidieri em Sergipe e Eduardo Leite no Rio Grande do Sul. Em Rondônia, Bolsonaro possui dois palanques, Marcos Rocha e Marcos Rogério.

A neutralidade em alguns palanques parece ter sido uma estratégia eficiente, mas não deve ser o que definirá a situação em alguns estados nos quais fatores locais também impactam na decisão do eleitor.

 

Luciana Santana
Mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e do PPGCP/UFPI, líder do grupo de pesquisa Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a diretoria da regional Nordeste da ABCP.

Marta Mendes da Rocha
Professora associada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde coordena o Núcleo de Estudos sobre Política Local (Nepol). Possui doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Foi pesquisadora visitante na University of Texas at Austin com bolsa da Fulbright Fundation. Web page: martamrocha.com

O futuro climático do planeta: o que o projeto autocrático de Bolsonaro tem a ver com isso?

O futuro climático do planeta: o que o projeto autocrático de Bolsonaro tem a ver com isso?

Helena Dolabela Pereira

Publicado no JOTA

 

 

Entramos na última semana que antecede o segundo turno da eleição presidencial de 2022 no Brasil. É preciso recuperar o foco sobre uma das questões atuais mais complexas e urgentes que a humanidade enfrenta: a crise climática. O que o pleito tem a ver com isso?

Noam Choamsky, reconhecido professor de linguística do MIT e ativista político, concedeu uma entrevista há dois dias do primeiro turno para o programa Democracy Now no qual foi perguntado sobre o significado da eleição brasileira. Ele disse: “é muito significativo não apenas para o Brasil mas para todo o mundo. No Brasil, por vários aspectos, mas um deles é o fato de que a maior parte da Região Amazônica está no Brasil. São dois candidatos. Um deles é o presidente em curso, Bolsonaro, que é, basicamente, comprometido com a destruição da Amazônia. (…) É sabido há algum tempo que, cedo ou tarde, se a destruição da Amazônia continuar, não existirão mais nutrientes para a sua reprodução e deixará de ser um sumidouro de carbono e passará a produzir carbono transformando-se em uma savana. Isso é uma catástrofe para o Brasil e, de fato, para todo o mundo”.

A política anti-ambientalista do presidente Bolsonaro ao longo de todo o governo já foi analisada em textos publicados pelo Observatório das Eleições. Uma forma de entender esse direcionamento governamental é utilizando a chave dualista das diferentes concepções de desenvolvimento: de um lado, o crescimento econômico; de outro, o conservacionismo ambientalista. Estas linhas foram borradas pela narrativa do desenvolvimento sustentável aceita pela esquerda e pela direita, mas não resolve os conflitos nos casos concretos já com forte propensão a ceder ao poder dos grupos econômicos. 

No caso do governo Bolsonaro, o pêndulo direcionou-se fortemente para os grupos econômicos que se beneficiam da exploração irrefreada dos recursos naturais, algumas vezes de forma irregular. Contudo, não se trata somente da defesa pelo lado econômico (e lucrativo) do desenvolvimento, mas de uma ideologia populista de extrema direita que têm fundamentado várias políticas e ações nos últimos quatro anos. É assim que a questão climático-ambiental no atual contexto brasileiro precisa ser decifrada para que possamos dimensionar o alcance do resultado das eleições de 2022 no Brasil.

O projeto populista de Jair Bolsonaro é baseado na figura de um líder messiânico que representa diretamente a vontade do povo, rejeita as instituições de mediação (como os partidos e a mídia tradicional) e o arranjo constitucional de freios e contrapesos. Este último aspecto ganhou maior destaque na semana que passou pela declaração do presidente a favor do aumento do número de ministros do STF com vistas a conseguir um alinhamento com o seu projeto de poder. Alguns estudiosos também têm apontado como característica de governos populistas a sua faceta negacionista relacionada ao anti-intelectualismo, a inferiorização do saber científico e a afeição a teorias da conspiração. Os cientistas políticos Leonardo Avritzer, Lucio Rennó e Priscila Delgado , em estudo sobre a o populismo e a pandemia da Covid-19 no Brasil, defendem que a conduta do presidente brasileiro neste período não foi uma ação irracional, mas o posicionamento de um líder populista que escolheu o distanciamento da ciência na medida em que esta se alinhava com o sistema político tradicional.

O negacionismo governamental também afetou a política ambiental por meio, entre outras ações, das constantes críticas às metodologias empregadas para aferir os números sobre queimadas e desmatamentos na Amazônia e outros biomas, publicados por instituições oficiais reconhecidas internacionalmente como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Neste cenário de uma atuação governamental anti-constitucionalista e negacionista, cresceu a importância das instituições de justiça, especialmente a atuação do Judiciário brasileiro para fazer frente aos retrocessos em matéria climático-ambiental. Houve um aumento expressivo da chamada litigância climática nos últimos quatro anos, com a propositura de ações judiciais por parte do Ministério Público, partidos políticos e associações civis – com destaque para a atuação de associações indígenas – em defesa dos direitos socioambientais e climáticos.

A clara inclinação autocrática do governo Bolsonaro mostra o risco de uma sua eventual reeleição. Não se trata, contudo, de um fenômeno local. O mundo todo vive um processo de autocratização, ainda que a natureza deste tenha se alterado, como mostra o volume da Revista V-Dem – The Democracy Report 2022: The Autocratizachion Changing Nature?. Este relatório nos ajuda a justificar, com base em dados científicos, quais são os dividendos da relação entre democracia e mudança climática. Compilando estudos sobre a relação entre governos democráticos e cooperação para o clima, identificou-se que: democracias de alta qualidade têm um compromisso político quase 20% maior com a mitigação das mudanças climáticas do que autocracias fechadas como a China. Também equivale a uma diferença nas metas da política de redução do Acordo de Paris de 1,6%. Isto é, democracias se comprometem objetivamente mais com medidas para a redução da emissão de gases de efeito estufa. E, ainda, aponta-se que um aumento de 1% nas liberdades civis gera uma redução de 0,05% nas emissões nacionais de CO2.

A conclusão é clara: são as democracias que fornecem a arena para sociedade civil defender as questões relacionadas às mudanças climáticas e, assim, poder pressionar internamente os sistemas políticos. Por outro lado, o tratamento de um problema que não respeita fronteiras depende de comportamentos governamentais cooperativos no âmbito das relações exteriores. O Brasil é um ator político fundamental e fiel da balança na discussão sobre o clima. A sua posição geopolítica em relação às mudanças climáticas é de interesse de todo o planeta. As expectativas mundo afora em relação ao resultado das eleições são opostas. 

Se Bolsonaro ganhar, a capacidade de construção de consensos e compromissos em torno de uma pauta climático-ambiental avançada será fortemente prejudicada, colocando em xeque qualquer esforço diplomático global. O Brasil continuará sendo um pária internacional nos organismos multilaterais. Por outro lado, a vitória de Lula é vista como uma retomada mais do que urgente das negociações diplomáticas na questão climática, já prenunciada durante a campanha eleitoral pelo encontro do candidato com parlamentares da União Européia para a construção de um diálogo e o compartilhamento de um termo de cooperação envolvendo a proteção da floresta amazônica.  

A nós, eleitoras e eleitores do Brasil, no dia 30 de outubro, será dado o direito de decidir o futuro da presente e das próximas gerações, não apenas do Brasil, mas de todo o planeta.

 Helena Dolabela é pesquisadora de pos-doutorado no INCT IDDC. Doutora em Antropologia e mestre em Ciência Politica pela UFMG. Pesquisa temas como conflitos socioambientais e litigância climática.

Eleição no Rio Grande do Sul: nada de muito novo no front

Eleição no Rio Grande do Sul: nada de muito novo no front

Paulo Peres

Congresso em Foco

 

As votações do primeiro turno no Rio Grande do Sul foram surpreendentes. Como mostram os dados da Tabela 1, as duas últimas pesquisas realizadas antes do comparecimento às urnas fotografaram Eduardo Leite (PSDB) muito à frente do segundo colocado, Onyx Lorenzoni (PL). Edegar Pretto (PT), quase fora do enquadramento das lentes, aparecia num distante terceiro lugar, completamente fora do páreo. Os votos digitados nas tão malhadas urnas eletrônicas, entretanto, registram uma paisagem marcadamente destoante das pesquisas.

 

Já durante a apuração, os tucanos gaúchos viram a sua plumagem se eriçar mais e mais a cada nova contabilização. Lorenzoni, para assombro geral, cruzou a linha de chegada em primeiro lugar, com uma votação muito acima do previsto e numa folgada distância do segundo colocado. Pasmos, os riograndenses ainda assistiram a acirrada competição, palmo a palmo, voto a voto, pela outra vaga ao segundo turno. Leite, até então o pole-position nas pesquisas, quase viu as suas chances de seguir no Palácio do Piratini derraparem na última curva eleitoral – acossado pelo expressivo desempenho da candidatura petista, chegou na dianteira por uma diferença de pouco mais de inacreditáveis dois mil votos. É fato: as estimativas das pesquisas eleitorais mostraram-se substantivamente equivocadas.
Tabela 1. Pesquisas de Intenção de Voto X Resultado Eleitoral*

* Margens de erro: RTBD [3%] e IPEC [3%].

**Os dados referentes às demais candidaturas estão excluídos, por isso o total não soma 100%.

***Real Time Big Data.

**** Bancos/Nulos/Não souberam responder/Não quiseram responder.

***** Somatória dos votos em branco e nulos apurados.

 

Não obstante, embora surpreendente, o resultado confirmou as expectativas que tinham sido delineadas no artigo anterior. Em primeiro lugar, em paralelo com as intenções de voto deste ano, o padrão histórico-eleitoral do estado apontava para a maior probabilidade de haver segundo turno. Isto se confirmou. Em segundo lugar, (a) a persistência da centro-direita como a principal força política nas disputas para governador (MDB e PSDB), somada (b) ao gradativo declínio eleitoral da centro-esquerda (PT) desde 2010 e (c) ao crescimento da direita desde 2018, davam pistas de que o conteúdo ideológico da recorrente bipolaridade assumiria uma nova configuração: centro-direita versus direita. Antes, vale lembrar, havia sido entre centro-direita e centro-esquerda (1982-2014), e, depois, em 2018, entre duas forças de centro-direita (MDB versus PSDB). Isto também se confirmou. Agora em 2022 a esquerda voltou a crescer e quase ultrapassou a candidatura de centro-direita, provavelmente catapultada pela campanha nacional sob a liderança de Lula.

 

A terceira expectativa, a se confirmar no dia 30 de outubro, é a reeleição de Eduardo Leite. A evolução das intenções de voto registradas pelas pesquisas, em parte, reforça essa possibilidade. Os dados dos dois levantamentos da Paraná Pesquisas, exibidos na Tabela 2, são os únicos que mostram Lorenzoni em efetiva vantagem na disputa – os números capturados em 6 de outubro praticamente se repetiram na pesquisa do dia 20. No caso da pesquisa da Real Time Big Data, houve modificação nas intenções de voto entre os dias 12 e 19 de outubro. Apesar disto, ambas as candidaturas estão parelhas. 

 

Tal dinâmica foi confirmada pela única pesquisa que a Atlas-Intel realizou até o momento e que foi divulgada há pouco mais de uma semana. O empate técnico mensurado por esse levantamento está no limite das margens de erro, com Leite numa posição mais próxima de alcançar a vitória. Na primeira pesquisa do IPEC, Leite já apareceu à frente de Lorenzoni, fora da margem de erro, e cujos valores voltaram a ser registrados na pesquisa do dia 21. 

*Margens de erro: Paraná Pesquisas [2,5%], RTBD [3%], IPEC [3%] e Atlas-Intel [2,5%].

**Real Time Big Data.

De fato, essa dinâmica expressa a própria racionalidade da transferência dos votos depositados no primeiro turno aos competidores do segundo turno. O Gráfico 1 mostra que, no colégio eleitoral do Rio Grande do Sul, houve uma expressiva dissintonia nos votos para presidente e governador das candidaturas do PL e do PT. No caso do PL, a diferença das votações em Lorenzoni e Bolsonaro totaliza 11,4%. Podemos inferir disto que alguma parcela desta ‘sobra’ tenha se distribuído, principalmente, nas candidaturas alternativas de direita (PP, PSC e Novo), que, somadas, obtiveram 6,9% dos votos. Dessa maneira, é plausível supor que os 4,5% restantes, provavelmente, votaram em Eduardo Leite. Portanto, a candidatura de Onyx Lorenzoni tem um potencial de votos abaixo dos cerca de 49% recebidos por Bolsonaro no estado. Sintomaticamente, a somatória dos votos de Lorenzoni no primeiro turno com os votos das demais candidaturas de direita resulta em 43,6%, um valor muito próximo ao registrado pelas pesquisas da Atlas-Intel e do IPEC. Vá lá, na melhor das hipóteses, o potencial de votos de Lorenzoni é igual à votação de Bolsonaro no primeiro turno – 48,9%.

 

A diferença nos votos para governador e presidente, no caso do PT, também foi expressiva – 15,6 pontos percentuais. Por um lado, isso mostra a base eleitoral cativa do PT, que se situa em torno dos 27% dos votos em Edegar. Por outro, o excedente (15,6%) exprime um posicionamento eleitoral seja de adesão à figura pessoal de Lula seja de rejeição a Bolsonaro, ou as duas coisas simultaneamente. Seja como for, os donos dos votos excedentes à base eleitoral petista, por coerência, não tenderão a votar em Lorenzoni no segundo turno. Ainda menos coerente seria esperar que uma quantidade relevante dos eleitores de Edegar venham a escolher o candidato de Bolsonaro no RS (não obstante exista uma coerência de longo prazo para alguns petistas que decidirem votar em Lorenzoni, mas que aqui, por carência de espaço, não convém explorar).

 

É possível supor que alguma parcela dos 15,6% de votos que Lula teve a mais do que Edegar tenham sido dados, em menor número, às candidaturas alternativas de esquerda (PDT, PSB, PSTU e PCB), que somaram 2,03% de votos, e, em maior quantidade, ao próprio Eduardo Leite. Descontando-se os votos somados das candidaturas alternativas de esquerda do voto excedente de Lula no estado, temos 13,57% como uma fatia do eleitorado possivelmente antibolsonarista, que, por lógica, votou no PT para presidente e no PSDB para o governo do estado. Subtraindo este valor da votação alcançada por Leite, no primeiro turno, temos 13,23% de prováveis eleitores de centro-direita que não apoiam nem o PT e nem o PL no estado – claro, alguns podem apoiar Bolsonaro, mas não Lorenzoni.

 

Não é por menos, então, que, no segundo turno, Leite manteve a estratégia de evitar a nacionalização da campanha e, assim, ter que se posicionar mais claramente na competição para a Presidência da República. Boa parte do seu eleitorado votou em Lula no primeiro turno; outra parte rejeita o PT. Agora, Leite não poderá perder os votos recebidos daqueles que (a) rejeitam Lorenzoni e Bolsonaro, (b) rejeitam Lorenzoni, mas não Bolsonaro, (c) rejeitam o PT, mas não Lula (d), (e) rejeitam o PT, Lula e Bolsonaro e (d) rejeitam o PT, Lula, Lorenzoni e Bolsonaro. Além disto, terá que ser ‘merecedor’ dos 26,7% que votaram em Edegar – se receber a transferência total desses votos e mantiver a sua base eleitoral do primeiro turno, Leite tem um potencial eleitoral de 53,5%, mais do que suficiente para quebrar o ‘tabu da reeleição’.

 

Entretanto, aqui cabe uma nota de cautela. Embora tenha como premissa a coerência ideológica do voto, este exercício é uma conjectura que pressupõe uma série de condições que não necessariamente serão mantidas. Em outras palavras, não se trata de uma previsão – ver antes o que, certamente, acontecerá –, mas de uma projeção – jogar para o futuro um cenário plausível de fatos presentes. Como em qualquer projeção, este exercício apresenta uma expectativa, uma hipótese a ser confirmada pelos eventos. Entretanto, temos elementos para concluir que a dura competição neste segundo turno pelo governo do estado se dá num contexto propício à recondução de Eduardo Leite ao Palácio do Piratini.

 

Aqui também cabe uma reflexão interpretativa final que transcende a disputa em curso. Este segundo turno no estado é fundamental para o jogo político nacional dos próximos anos. Em primeiro lugar, o PSDB aposta as suas últimas fichas na eleição do seu candidato para evitar que o partido vá de vez à bancarrota. Em segundo lugar, se eleito, Leite terá a possibilidade de buscar a projeção necessária para que venha a se tornar uma liderança da centro-direita do país com vistas à eleição presidencial de 2026.

 

Paulo Peres é doutor em Ciência Política pela USP e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde também é diretor do Núcleo de Estudos sobre Partidos e Democracia.