Garimpo e as eleições de 2022: setor aposta em candidaturas federais e estaduais para garantir  expansão da atividade

Garimpo e as eleições de 2022: setor aposta em candidaturas federais e estaduais para garantir expansão da atividade

Giovanna Valentim

Publicado no Congresso em Foco

 

Em agosto de 2021, o Mapbiomas divulgou um estudo sobre o avanço da mineração e do garimpo no Brasil entre 1985 e 2020. Alguns dados chamam a atenção: a área ocupada pelo garimpo saltou de 31 para 206 mil hectares, representando 52% de todas as áreas mineradas no país. 93,7% dessa atividade concentra-se na Amazônia Legal. Essas informações ganham ainda maior relevância quando inseridas no atual cenário político, marcado pelo desmantelamento de instituições de proteção ambiental e pelo incentivo oficial por parte do Governo Federal ao garimpo em unidades de conservação e em terras indígenas – onde, de 2010 a 2020, a atividade cresceu 301% e 495%, respectivamente.

A expansão do garimpo não foi apenas territorial. Com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, o segmento, que já vinha se organizando, cresceu também em poder político. O presidente tem uma íntima relação com o garimpo, que se traduziu em diversas medidas durante seu governo para expandir a legalidade da atividade, consolidando-a como uma base aliada, cujos candidatos vêm despontando na eleição de 2022. 

Esta breve análise oferece um panorama da organização do garimpo para a próxima eleição, em níveis federal e estadual. O foco são as candidaturas da Amazônia Legal, vez que o já mencionado estudo do Mapbiomas identificou que 6 dos 10 estados mais garimpados do Brasil se encontram na região, assim como os dez municípios que encabeçam a lista.  

Na disputa à Presidência da República, é a candidatura de Jair Bolsonaro (PL) que incorpora os anseios dos garimpeiros. Contando com seu apoio desde as eleições passadas, Bolsonaro fidelizou o setor com iniciativas como o Projeto de Lei 191/2020, que visa autorizar a exploração econômica de recursos naturais em terras indígenas, e com as constantes manifestações contrárias à destruição do maquinário do garimpo ilegal apreendido por agentes do Ibama e do ICMBio. Curiosamente, a única menção à atividade em seu plano de governo é o combate ao narcogarimpo na Amazônia. No entanto, há menção à legalização da mineração em terras indígenas. 

Apesar de não discutir diretamente a questão do garimpo em seu plano de governo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirma estar comprometido com o combate à mineração ilegal na região amazônica –  o candidato condenou, em redes sociais e em eventos públicos, o garimpo ilegal, principalmente em terras indígenas. A desintrusão de garimpeiros desses territórios e de unidades de conservação tornou-se uma de suas promessas de campanha.

Nos executivos estaduais, grande parte dos estados da Amazônia Legal conta com candidatos ligados ao garimpo. Como Antonio Denarium (PP), que concorre à reeleição em Roraima depois de um mandato no qual autorizou o garimpo ilegal e proibiu a destruição de equipamentos apreendidos. Outros exemplos são Helder Barbalho (MDB), candidato à reeleição que criou o “Dia do Garimpeiro” no Pará, e Wilson Lima, atual governador do Amazonas, que pleiteia a recondução ao cargo apesar de não ter atuado para combater crimes ambientais nem no episódio das balsas garimpeiras no Rio Madeira, quando disse que negociaria com o Congresso Nacional a exploração mineral dos rios de seu estado. 

Em Rondônia, o Comendador Valclei Queiroz (AGIR), empresário do ramo da mineração, carrega a irrestrita legalização do garimpo como uma de suas principais bandeiras políticas. Já Mara Rocha (MDB), atual deputada federal pelo Acre e candidata ao governo do estado, votou favoravelmente ao regime de urgência para votação do PL 191/20. 

Outros exemplos de candidaturas ligadas ao garimpo são a de Flexa Ribeiro (PP) ao Senado no Pará – personalidade central no lobby para a legalização do garimpo em terras indígenas e unidades de conservação – e a de Rodrigo Martins de Mello, ou Rodrigo Cataratas, a deputado federal por Roraima. Cataratas, líder do movimento “Garimpo é legal”, que organiza candidaturas do setor, é investigado pela Polícia Federal por esquemas de exploração ilegal na Terra Indígena Yanomami e é também o único a possuir a Permissão de Lavra Garimpeira no estado – título que permite o exercício legal da atividade e foi expedido no governo Bolsonaro, de quem é aliado.

As candidaturas do garimpo também contam com algumas representantes femininas. Duas delas são Letícia Garimpeira (PSC) e Branca Oliveira (Podemos) – ambas candidatas à Assembleia Legislativa do Pará.

O trabalho para a legalização irrestrita da atividade garimpeira e o empoderamento decorrente do desmonte do aparato ambiental são os pontos em comum das candidaturas citadas. Depois de quatro anos de uma gestão federal empenhada em facilitar e assegurar a prática do garimpo, a eleição de 2022 aparece como uma grande oportunidade de líderes de associações e empresários do ramo alçarem-se à institucionalidade política nacional com apoio de Jair Bolsonaro. 

A provável eleição de parte desses candidatos dará continuidade a um processo de rebranding do garimpo, que teve início na esfera federal com o resultado do pleito de 2018. Neste período, além do PL 191/2020, o governo federal tentou alterar o Código de Mineração e editou uma série de decretos cujo objetivo final é transformar o garimpo em “mineração artesanal”, vendendo a narrativa de que a atividade é desenvolvida em baixa escala e não causa nenhum dano ambiental, servindo exclusivamente para o sustento de famílias ribeirinhas – o que não corresponde, de forma alguma, à realidade. 

Operado por maquinários pesados e caros – uma draga pode custar até um milhão de reais -, o garimpo passou de questão ambiental para problema de saúde e segurança pública. O último relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, publicado pelo Conselho Missionário Indigenista, ilustra a situação indicando o garimpo como parte fundamental de uma cadeia de crimes que vão de danos ao patrimônio até assassinato de indígenas, passando pela associação com organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC). A isso, soma-se a crescente contaminação por mercúrio que, transmitida verticalmente de mãe para filho, tem feito com que mulheres Munduruku  não queiram  mais engravidar. 

Dada a capilaridade da organização política garimpeira, a eleição para o Executivo nacional não será suficiente para determinar o futuro do movimento e da pressão pela expansão da fronteira extrativista sobre territórios antes protegidos. A apresentação de alternativas econômicas viáveis para os trabalhadores do garimpo, a reformulação dos mecanismos de registro do ouro garimpado e a reconstrução dos órgãos de controle ambiental são algumas das necessidades que se impõem para a construção de uma solução sustentável para o problema. O desafio dos próximos mandatários será o de pautar essas iniciativas ao lado daqueles que batalharam pela expansão irrefreada do garimpo.

Giovanna Valentim é mestranda em Ciência Política e bacharela em Direito pela Universidade de São Paulo, com duplo diploma pela Université Lyon III. Faz parte do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas (POPIAM) e do Grupo de Pesquisa e Estudos de Inclusão na Academia (GPEIA/USP).

A disputa pelo Setentrião: crise e reordenamento político no Amapá

A disputa pelo Setentrião: crise e reordenamento político no Amapá

Ivan Henrique de Mattos e Silva

 

Após o término do período previsto para a realização das convenções partidárias – cujo prazo se encerrou no dia 05 de agosto –, o quadro eleitoral nos estados se coloca, enfim, de modo mais nítido. A despeito do número total de candidaturas registradas na Justiça Eleitoral para o executivo do Amapá, a disputa efetiva parece estar circunscrita ao candidato do Solidariedade, de um lado, e ao candidato do PSD, de outro. De acordo com os dados da Pesquisa Rede Amazônica/IPEC, divulgada no dia 24/08, Clécio (Solidariedade) ocupa a primeira posição, com 41%, seguido por Jaime (PSD), com 35%, e, em terceiro lugar, Gilvam Borges (MDB), com 5%. Já na pesquisa mais recente da Genial/Quaest, divulgada no dia 06/09, Clécio aparece com 44% das intenções de voto, seguido por Jaime, com 34%, e, em terceiro lugar, novamente Gilvam Borges, com 4%.

Três aspectos principais compõem o pano de fundo da disputa eleitoral para o governo amapaense deste ano: a acentuada deterioração do padrão de vida no estado (já historicamente marcado por debilidades e problemas estruturais), o aprofundamento de uma guinada conservadora na trajetória do voto amapaense (verificada em todos os níveis e para todos os cargos), e uma importante reorganização das forças políticas locais.

Em relação ao primeiro aspecto, essa deterioração pode ser verificada em, pelo menos, três chaves distintas. Em primeiro lugar, quanto ao fornecimento de energia elétrica: embora seja um problema histórico (mesmo que o estado possua quatro usinas hidrelétricas em seu território), a situação piorou bastante nos últimos anos, e o estado ainda vive os ecos – tanto no imaginário social, como nas quedas constantes de energia – de uma crise energética de ampla magnitude ocorrida no estado no final de 2020, quando um apagão chegou a atingir 13 dos 16 municípios amapaenses, e cujos efeitos diretos se estenderam por 22 dias. Em segundo lugar, quanto ao empobrecimento da população na esteira da pandemia de COVID-19, já que o Amapá, entre novembro de 2019 e janeiro de 2020 passou à condição de estado com a maior proporção de pessoas vivendo na pobreza em todo o país (55,9%). E, por fim, quanto ao acelerado crescimento da violência: segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, divulgado no dia 28 de junho, entre 2020 e 2021 Macapá figurou como a capital mais violenta do país, com um índice de 63,2 mortes violentas por 100 mil habitantes.

Embora não seja uma exclusividade do Amapá, e esteja, em linhas gerais, em consonância com uma tendência mais ou menos generalizada no Brasil ao longo dos últimos pleitos eleitorais, o segundo aspecto, ou seja, a guinada conservadora, é bastante evidente no contexto amapaense. Desde 2002, quando consideradas as eleições para a Câmara dos Deputados, Senado, Assembleia Legislativa do Estado do Amapá (Alap), Presidência da República e Governo do Amapá (GEA) há duas claras tendências: o encolhimento eleitoral dos partidos de esquerda pari passu a um crescimento da competitividade dos partidos de direita. Para o escopo desta reflexão, dois dados, em especial, merecem atenção: as trajetórias ideológicas do voto para a Presidência da República e para o GEA:

 

 

Após pontuações muito próximas de zero nas eleições gerais de 2002, 2006 e 2010, e 1,8% em 2014, os votos no Amapá em partidos de direita alcançam a marca de 45,1% dos votos totais no primeiro turno de 2018. Enquanto isso, os partidos de esquerda, que chegaram a receber 91,4% dos votos totais em 2002, caem para 46,6% em 2018 (embora as pesquisas de intenção de voto indiquem vantagem de Lula nas eleições deste ano). E a mesma tendência se verifica quando analisados os votos para o GEA, embora de modo menos evidente:

 

 

 

Embora a esquerda siga sendo o campo que mais aglutina os votos no estado do Amapá, os partidos de direita, que praticamente não receberam votos em 2002 e 2006, flutuam em torno de 20% dos votos totais em 2010 e em 2014, para, enfim, ultrapassar a marca de 35% dos votos totais em 2018. No mesmo período, a esquerda, que chegou a receber 96% dos votos em 2006, cai para 65% em 2018.

O último aspecto considerado aqui diz respeito a um reordenamento do panorama político no estado do Amapá. Ao longo das últimas décadas, dois partidos hegemonizaram, em grande medida, as disputas pelo GEA, vinculados a duas tradicionais famílias políticas amapaenses: o PSB, vinculado à família Capiberibe, e o PDT, vinculado à família Góes. O atual governador, Waldez Góes (PDT), está finalizando seu quarto mandato no executivo estadual, e João Capiberibe – principal liderança do PSB – já foi governador por duas vezes, e seu filho, Camilo Capiberibe (atualmente deputado federal pelo PSB), uma. Pela primeira vez, desde 2002, nenhum dos principais concorrentes ao governo do Amapá é filiado a um desses partidos – que, aliás, sequer figuram como cabeças de chapa.

O reordenamento do cenário político amapaense ainda contém um segundo elemento de contexto: após anos ocupando posições opostas nos pleitos eleitorais, PSB e PDT estarão juntos na disputa de 2022. O PDT, que hoje governa o estado, apoiará o candidato Clécio Luís , ex-prefeito da capital por dois mandatos (tendo, inclusive, indicado o candidato a vice-governador), que também contará com o apoio do PSB – embora não figure na coligação. Seu principal opositor, Jaime Nunes , constrói uma campanha de oposição ao atual governo liderado por Waldez Góes, embora seja seu vice-governador.

As duas principais candidaturas ao GEA devem reproduzir, no âmbito local, a polarização verificada no âmbito nacional. Quase todos os partidos de esquerda e centro-esquerda apoiam a chapa liderada por Clécio Luís ainda que de modo informal e sem figurar na coligação – sobretudo em função da escolha de Davi Alcolumbre (União Brasil) para compor a chapa como o candidato ao Senado ao invés do ex-governador João Capiberibe. O candidato do Solidariedade também conta com o apoio do ex-presidente Lula. E, ainda que não haja, até aqui, apoio formal do presidente Bolsonaro à chapa liderada por Jaime Nunes, algumas das principais lideranças do bolsonarismo local estão ao seu lado, com destaque para Cirilo Fernandes (PODEMOS) e Guaracy Jr. (PTB).

 

Ivan Henrique de Mattos e Silva é Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos, com período sanduíche na Brown University (EUA). Atualmente é Professor Adjunto de Ciência Política na Universidade Federal do Amapá e vice-coordenador geral do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL).

A pauta ambiental na disputa pelo Governo do Amapá

A pauta ambiental na disputa pelo Governo do Amapá

Ivan Henrique de Mattos e Silva*

 

No âmbito da eleição para o governo do Amapá, duas candidaturas se apresentam com larga vantagem em relação às demais: Clécio Luís, do Solidariedade, e Jaime Nunes, do PSD. De acordo com os dados da Pesquisa TV Record/RealTime Big Data (18/08), ambos os candidatos têm 37% das intenções de voto, seguidos por Gilvam Borges (MDB), com apenas 4%. Já na pesquisa da Rede Amazônica/IPEC (24/08), Clécio ocupa a primeira posição, com 41%, seguido por Jaime, com 35%, e, em terceiro lugar, novamente Gilvam Borges, com 5%.

O Amapá ocupa uma posição bastante privilegiada em comparação a outras unidades federativas da Amazônia Legal. Com 62% do seu território sob modalidades especiais de proteção, a legislação ambiental amapaense ainda apresenta freios importantes ao avanço do desmatamento verificado na Região, mesmo considerando que esta legislação tenha sido foco, na última legislatura, de disputas importantes no sentido da sua flexibilização. Embora a questão ambiental apareça nos planos de governo das duas principais candidaturas ao executivo estadual, as abordagens diferem bastante – tanto do ponto de vista do enquadramento, quanto do espaço reservado à agenda do meio ambiente.

O Plano de Governo da Coligação Amapá Para Todos (Solidariedade, União Brasil, PDT, PL, Republicanos, Partido Progressista e Federação Sempre Pra Frente), encabeçada pelo candidato Clécio Luís, possui sessenta páginas e está estruturado em cinco eixos de desenvolvimento (Social e Direitos Humanos; Desenvolvimento Econômico Regional; Infraestrutura e Logística; Segurança Pública e Defesa Social; e Gestão, Governo Digital e Recursos Humanos), subdivididos em várias políticas e estratégias. A questão ambiental aparece, de modo genérico, logo no início do documento, tanto naquilo que o plano define como sendo a sua visão de futuro, sintetizada na proposta de “tornar o Estado do Amapá uma referência em desenvolvimento e sustentabilidade” , como nos valores defendidos pela chapa, repetindo, aqui, o conceito de sustentabilidade.

De modo mais detalhado, o documento explora a agenda ambiental no Eixo 2 – Desenvolvimento Econômico Regional. A primeira proposta que versa sobre o tema é o item d) da política 2.2. – Economia de Mercado, e consiste em uma proposta de incentivo a uma matriz produtiva sustentável tanto do ponto de vista ambiental como sociocultural, a partir do fortalecimento da bioeconomia da produção indígena e do mercado local do município de Oiapoque. Os itens g), h), i) e l), da política 2.4. – Pecuária, Agricultura Familiar e Extensão Rural, seguem a mesma linha de políticas que combinam o incentivo a matrizes produtivas locais, fortemente ancoradas em atividades de populações tradicionais, e a preservação do meio ambiente, com foco nas cadeias produtivas do açaí, da castanha do Pará e da fruticultura, além da construção do Centro de Agroindústria de Frutas, em parceria com o Instituto Federal do Amapá (IFAP).

A parte mais estrutural das propostas, contudo, está na política 2.6. – Gestão Ambiental, que conta com seis estratégias específicas:

 

Imagem 1 – Política de Gestão Ambiental (Clécio)

 

Mais sucinto, o Plano de Governo da Coligação Pra Mudar de Verdade (PTB, PSC, PROS, PSD, AGIR), liderada por Jaime Nunes, possui 15 páginas, e está dividido em cinco eixos temáticos: Estado Inovador, Bem-Estar Social, Infraestrutura e Caminhos da Integração, Desenvolvimento Empreendedor e Governança para uma Agenda Comum.

 

Imagem 2 – Eixos Temáticos do Plano de Governo (Jaime)

 Fonte: Plano de Governo – Jaime (2022, p. 8) 

 

Os eixos, todavia, são definidos em termos bastante genéricos e superficiais, e, em geral, em textos de duas a três linhas. Junto aos eixos, o documento elenca, no item III, alguns pressupostos e premissas que seriam fundamentais para o sucesso do governo, e os divide em quatro pilares: Segurança Jurídica, Infraestrutura Logística, Comunicação e Conhecimento.

 

Imagem 3 – Pressupostos para o Sucesso do Plano de Governo (Jaime)

 

Fonte: Plano de Governo – Jaime (2022, p. 7)

 

A primeira vez que a questão ambiental é mencionada é justamente no escopo desses pilares, vinculada – sob o nome de gestão ambiental – ao pilar Segurança Jurídica. Novamente, a definição do pilar é bastante genérica e resumida, apenas mencionando que a legislação ambiental é um dos elementos que “merecem uma atenção especial”.

Os aspectos mais detalhados das propostas aparecem mais adiante no documento na forma de Desafios/Propostas vinculados aos eixos já mencionados aqui. A questão ambiental aparece em três momentos – todos eles vinculados ao eixo Desenvolvimento Empreendedor –, duas vezes de maneira genérica, e, outra, de maneira mais específica: em primeiro lugar, na Proposta 32, que sugere “promover a exploração sustentável da biodiversidade amapaense por meio de novos modelos de concessões florestais otimizando o uso de produtos florestais madeireiros e não madeireiros” ; em segundo lugar, na Proposta 39, que visa “promover o desenvolvimento do turismo regionalizado e sustentável” ; e, por fim, na Proposta 42, que busca “dinamizar e desburocratizar o licenciamento ambiental” .

Bem mais genérica e superficial, a proposta de política ambiental da Coligação Pra Mudar de Verdade limita-se a menções rápidas à questão da sustentabilidade e/ou ao meio ambiente e três propostas – duas das quais também genéricas. A única proposta mais concreta versa sobre a flexibilização da legislação ambiental no estado, facilitando, assim, o licenciamento. Embora o documento não esclareça o que significa efetivamente desburocratizar, o sentido do enunciado é bastante claro.

Há, nos programas de governo apresentados ao TRE, duas concepções antagônicas de desenvolvimento para a Amazônia: uma, do candidato Jaime Nunes, que resgata um modelo bastante arraigado no país ao longo da sua experiência nacional-desenvolvimentista da fase autoritária, que contrapõe o desenvolvimento econômico à preservação do meio ambiente; e outra, do candidato Clécio Luis, em sintonia com os recentes desenvolvimentos teóricos e normativos, e com parte importante da agenda internacional, que assume como premissa fundamental a complementaridade indissociável entre o desenvolvimento econômico e social e a preservação do meio ambiente, a partir da exploração do potencial econômico da biodiversidade, em consonância com os modos de vida das populações tradicionais. 

A Amazônia será um componente importante na disputa pela Presidência da República, e, ainda que de modo restrito, dado o seu tamanho diminuto, o Amapá será parte do palco dessa disputa.

 

*Ivan Henrique de Mattos e Silva é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos, com período sanduíche na Brown University (EUA). Atualmente é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Amapá e vice-coordenador geral do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL).

Os indígenas bolsonaristas e as eleições de 2022

Os indígenas bolsonaristas e as eleições de 2022

Leonardo Barros Soares

Um vídeo com imagens de indígenas segurando uma faixa de apoio ao atual presidente durante o ritual Quarup, no Xingu, foi divulgado por Jair Bolsonaro, pelo seu filho Carlos Bolsonaro e por bolsonaristas como Carla Zambelli . Com o título de “indiociata” – referência às já famosas “motociatas”- o vídeo quer transmitir uma mensagem simples: os indígenas (sim, todos eles) “estão com Bolsonaro”. Outro vídeo mostra uma indígena – “a dona da festa”- indo retirar a faixa das mãos de seus parentes e pedindo respeito. A altercação parece ter findado aí, mas é fato que a situação revela algo importante a ser dito: sim, existem indígenas bolsonaristas e é sobre eles que gostaria de discutir brevemente.
Comecemos, portanto, com o óbvio que, como sói acontecer, precisa ser afirmado e nunca presumido como de conhecimento geral: a população indígena brasileira é um segmento demográfico diverso, que compreende mais de trezentos grupos culturalmente e linguisticamente distintos, espalhados por um território de dimensões continentais. Assumir que populações racializadas pensam, agem e se articulam politicamente de forma homogênea é, para ficarmos numa palavra, racismo. Uma pessoa branca não fala por todas, certo? Por que uma pessoa negra ou indígena falaria? A ilusão – que é simétrica entre direita e esquerda – de que “todo indígena é de esquerda” deve ser desfeita de imediato, a bem do melhor conhecimento do que está em jogo em processos eleitorais como o em curso.
Isso não quer dizer, em absoluto, que não existam representantes políticos dos povos indígenas. É claro que existem e são cada vez em maior número. Uma vez que indígenas interagem com as forças políticas locais, regionais e nacionais, é razoável supor que eles se filiem a visões de mundo distintas e, por vezes, até mesmo antagônicas. Joênia Wapichana, candidata à reeleição como deputada federal, é uma grande liderança da Rede Sustentabilidade. Mário Juruna foi eleito deputado federal pelo PDT, que também abriga, hoje, o escritor e militante Daniel Munduruku, candidato ao mesmo cargo. Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, é candidata à Câmara Federal por São Paulo pelo PSOL. Em que pese serem todos membros de partidos situados no amplo espectro político da esquerda, não é possível afirmar que eles articulem visões políticas unificadas, nem que façam a mesma leitura da conjuntura política do país.
Um dado que talvez surpreenda o leitor/ a leitora é de que, conforme o levantamento relativo às eleições municipais de 2020, feito pelo professor da Universidade Federal do ABC, Luís Roberto de Paula, em que pese o fato do PT ser o partido que lançou o maior número de candidaturas indígenas, são os partidos de direita que, quantitativamente, em seu conjunto, superam os de esquerda. Em outras palavras, para as eleições municipais – que é o nível federativo em que o maior número de representantes indígenas consegue se eleger – um contingente considerável de indígenas está filiado a partidos de direita e centro-direita. Assim, se tomarmos a filiação partidária como um indicativo da ideologia do postulante, o mito do “todo indígena é de esquerda” não encontra amparo nos dados disponíveis.
É sabido que algumas lideranças indígenas se beneficiaram durante os quatro anos do governo Bolsonaro, até mesmo galgando cargos de relevância em algumas autarquias, secretarias e ministérios. Outros endossam a política da “nova Funai” de focar em processos de facilitação de algumas atividades econômicas no interior das terras indígenas. O “choque” de alguns analistas diante dessa realidade deriva, provavelmente, do fato de o governo Bolsonaro – e o presidente em particular – ser o mais antiindígena de toda a história republicana do país, com repercussões trágicas em áreas tais como a demarcação de terras indígenas e no combate à pandemia. Parafraseando o psicanalista Wilhelm Reich, em seu estudo sobre as massas e o fascismo, creio que a pergunta que não quer calar é: como podem alguns indígenas desejarem sua própria repressão?
Sem querer enveredar por esse caminho, penso que o fenômeno dos indígenas bolsonaristas ainda deve ser investigado de forma mais aprofundada. Parece-me que uma parte da explicação está no processo denominado por Paulo Freire de “aderência ao opressor”: a tendência de oprimidos adquirirem a mentalidade dos seus exploradores, especialmente em contextos coloniais, na ausência de uma educação libertadora. Mais que isso, não sou capaz de afirmar. Não me sinto à vontade para dizer que alguns indígenas estão sendo “manipulados” ou “cooptados”, embora muitos estejam, de fato. Nesse particular, é preciso atentar para o papel que alguns grupos missionários evangélicos estão desempenhando junto às populações indígenas de recente contato. Ao fim e ao cabo, no entanto, não é possível escapar do truísmo que vale para todos: escolhas políticas têm consequências. Minorizar essa população, alegando que “não entendem” o jogo político é, mais uma vez, uma postulação racista, que perpetua o desejo de tutela para com esses grupos.
Resultados de estudos preliminares que estou conduzindo sobre fatores que concorrem para a conclusão de processos demarcatórios indicam que o que chamamos de “coesão grupal” das lideranças indígenas é elemento central para o sucesso dos procedimentos. Grupos com lideranças fragmentadas, que estão em constante desentendimento, tendem a ter mais dificuldade de verem seus territórios tradicionais demarcados. Assim, tenho argumentado que é possível que o legado bolsonarista – na eventualidade de Bolsonaro não ser reeleito – será particularmente perverso para as populações tradicionais porque o radicalismo que suscita terá o condão de aprofundar divergências políticas internas. A tessitura comunitária politicamente fraturada pela cizânia, por sua vez, tornará menos provável que aquele grupo possa trabalhar em conjunto para obter, do Estado brasileiro, o reconhecimento de seu direito constitucional ao usufruto exclusivo de seus territórios tradicionais.
Estamos há menos de trinta dias para as eleições presidenciais. Afirmamos, em outro texto, que se trata do pleito mais importante para o país e, em particular, para o meio ambiente, desde a constituição de 1988. É igualmente crucial para as populações originárias do país. Portanto, compreender a extensão da influência do bolsonarismo sobre os povos indígenas se impõe como um desafio de grande relevância para todos aqueles interessados em entender o Brasil do presente e do futuro.

 

*Leonardo Soares Barros é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Mestre e doutor em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Université de Montréal. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas.

Mudança Climática e disputa eleitoral: o que se esperar para o ano de 2022?

Mudança Climática e disputa eleitoral: o que se esperar para o ano de 2022?

Helena Dolabela*

Publicado no Jota

 

Na semana que passou, a Rede Globo realizou uma rodada de entrevistas com quatro candidatos à Presidência da República. O tema da crise climática ganhou evidência na segunda entrevista, com a participação de Ciro Gomes, na qual o jornalista Willian Bonner destacou a escala planetária do problema. Após uma primeira resposta do candidato sobre as suas propostas de enfrentamento à questão, a jornalista Renata Vasconcellos afirmou que o Plano de Governo de Ciro Gomes não contemplava um “plano específico” sobre emergência climática, o que foi contestado em seguida pelo entrevistado: “está, sim, no meu plano! ”. Esse episódio parece sugerir que o tema da mudança climática pode entrar de vez no debate eleitoral, ao menos no nível federal.

Na definição da ONU, as mudanças climáticas são transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima. Por um lado, como cientistas de várias áreas do conhecimento vêm comprovando, este fenômeno, quando relacionado às atividades humanas possui especificidades – como demonstrado recentemente em amplo estudo científico contendo casos brasileiros, e o cerne do seu enfrentamento é a redução das emissões de gases de efeito estufa em escala global. Isso tem levado à construção de marcos normativos e acordos diplomáticos como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e o tratado do Acordo de Paris, além do desenvolvimento de mecanismos de “financiamento dos ajustes necessários” e “adaptação aos impactos climáticos”. Por outro, sinaliza um ponto importante: não é possível tratar o tema da crise climática sem levar em conta a sua inter-relação com outras áreas como relações externas, energia, ciência e tecnologia, meio ambiente, direitos dos povos e comunidades tradicionais, entre outros. Este é o principal desafio para uma análise sistemática sobre o compromisso das candidaturas neste tema específico.

Um olhar generalizado mostra que todos os planos de governo neste ano de 2022 contemplam os desafios climáticos. Isso não representa uma grande inovação em relação aos planos de Haddad e Ciro de 2018. Já naquela oportunidade, a mudança climática tinha espaço transversal. O atual plano de Ciro defende a “floresta em pé”, conciliando-a à lavoura e à pecuária, a regularização fundiária, a redução do desmatamento e das emissões de gases e a realização de um zoneamento econômico e ecológico, especialmente na Região Amazônica. Declara-se pelo respeito, preservação e não exploração ilegal das reservas territoriais indígenas por outros grupos étnicos.  

Já o de Lula, propõe uma transição ecológica com base nos “conhecimentos tradicional e científico”, a transformação das atividades produtivas, o reflorestamento e a conservação dos ecossistemas e a diversificação da matriz energética. Reforça o compromisso com a proteção dos direitos e territórios tradicionais, garantindo a posse das terras e combatendo atividades predatórias, a defesa da Amazônia contra a “política de devastação” e crime ambiental, o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente e da FUNAI. Expressa, ainda, o cumprimento das metas de redução de emissão de gás carbono assumidas na Convenção de 2015 em Paris, e ressalta os custos econômicos (redução do PIB), sociais e humanos do não enfrentamento da emergência climática.

Foto Bruno Kelly/Amazônia Real.

 

As maiores novidades estão no atual plano de Bolsonaro, o qual apresenta uma guinada em relação ao anterior, e o plano de Tebet, candidata pela primeira vez na disputa eleitoral para a Presidência. A candidata tem dado destaque à defesa de uma “economia verde” que incorpora ações para mitigação das mudanças climáticas. No seu plano de governo estão incluídas diretrizes como o compromisso com o Acordo de Paris e o REED+ (Acordo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), a intenção de “acelerar e antecipar o alcance de metas de redução de gases de efeito estufa e de reflorestamento” e implementar mecanismos de compensação como o mercado de carbono. Partindo de uma crítica severa à atual política ambiental – “nunca se destruiu tanto como agora” – pretende a retomada e o fortalecimento de instituições como Ibama, ICMBio, INPE, e também FUNAI. Ainda são mencionadas a transição para uma matriz energética limpa, a agricultura de baixo carbono e o apoio à agricultura familiar. Manifesta-se, claramente, pelo cumprimento rigoroso da legislação na defesa dos direitos dos povos originários e na proteção de seus territórios.

O plano de Bolsonaro 2022 apresenta o Brasil como parte da “solução para vários desafios do planeta”, entre eles, a “mudança climática”. Embora represente uma mudança de rumo, traz algumas inconsistências. O “Eixo Sustentabilidade Ambiental” aborda o uso da tecnologia no controle e fiscalização das queimadas ilegais, desmatamento e crimes ambientais, modelos produtivos sustentáveis, justiça ambiental e desenvolvimento sustentável da Amazônia. Sobre a Amazônia brasileira exalta a sua soberania e a “cobiça externa” e caminhos para desenvolvimento sustentável, dando continuidade às ações de combate aos crimes ambientais. Sustenta a utilização de energia limpa e “soluções climáticas” como combustíveis limpos, veículos elétricos e híbridos, e “mercado de carbono”, entre outros. O Brasil aparece, ainda, dentro da política externa como “País Verde Desenvolvido”. Não há, contudo, qualquer menção ao cumprimento das metas para redução de emissões de carbono estabelecidas no Acordo de Paris.

Essa visível mudança de orientação para uma maior abertura na questão climática parece se explicar pela repercussão negativa da política ambiental do atual governo não apenas no Brasil, mas também no exterior, e o aumento exponencial dos focos de queimadas e desmatamento ilegal. Não há dúvidas de que o atual plano de governo Bolsonaro é mais robusto e enfrenta pela primeira vez a questão da mudança climática, mas isso se dá a partir de uma visão de Estado de viés libertário, ou seja, com forte ênfase na sua não-intervenção como está expresso no princípio da “liberdade para o uso responsável dos recursos naturais” por parte de todos, incluindo indígenas, quilombolas, ribeirinhos. No rol das atividades para o etnodesenvolvimento inclui a exploração mineral. Especialmente em relação a este aspecto, apresenta uma grave inconsistência uma vez que os territórios indígenas são verdadeiras barreiras verdes contra o desmatamento e a favor da regulação do clima. Somam-se a estas incongruências, a ausência de demarcação de territórios originários e a proposta de concessão de florestas para a iniciativa privada.  

Ao que tudo indica a temática da mudança climática terá um espaço maior do que já teve em outras campanhas e debates eleitorais, mas esta previsão ainda está por se confirmar. Uma coisa, no entanto, é certa: esta é uma temática ampla e vai bem além do uso de palavras em voga como “soluções climáticas”, “descarbonização”, “baixo impacto de carbono”. O seu enfrentamento depende de coerência nas propostas e ações que são transversais a várias políticas. É a isso que estaremos atentos daqui para frente. 

 

*Helena Dolabela é advogada, mestre em Ciência Politica e doutora em Antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora em estágio pos-doutoral no INCT-IDDC. Membro da equipe do Observatório das Eleições 2022.

Do combate ao desmatamento ilegal à crítica da ideia de intocabilidade da Amazônia: os planos dos candidatos ao governo do Acre

Do combate ao desmatamento ilegal à crítica da ideia de intocabilidade da Amazônia: os planos dos candidatos ao governo do Acre

Luci Maria Teston*

Publicado no Congresso em Foco

 

Há entendimentos divergentes sobre meio ambiente entre os sete candidatos a governador do Acre em seus planos de governo. Propostas desde zerar o desmatamento ilegal até a necessidade de reformar as consideradas “draconianas” leis ambientais do estado são apresentadas nos documentos.

Como última fronteira a ser incorporada ao sistema econômico dominante, a Amazônia vem se tornando o centro de discussões globais envolvendo o meio ambiente. Parte deste debate relaciona-se aos desafios decorrentes da exploração ilegal de madeira, do avanço da agropecuária e da mineração. Regionalmente, permanece o eterno dilema entre preservação e desenvolvimento econômico. 

A poucas semanas para as eleições gerais, o plano dos principais candidatos a governador do Acre foram analisados quanto à inclusão da problemática ambiental, considerando as ações propostas pelos postulantes ao cargo. 

 

Gladson defende regularização ambiental e manejo florestal sustentável

 

Favorito nas últimas pesquisas, o governador Gladson Cameli (PP), eleito no primeiro turno em 2018 na onda do conservadorismo, busca a reeleição. Disputa os votos bolsonaristas com antigos aliados, os senadores Sérgio Petecão (PSD) e Márcio Bittar (União Brasil), além de Mara Rocha (MDB), deputada federal eleita com o maior percentual de votos nominais no Acre nas últimas eleições. 

Em seu plano “Compromissos de governo”, o candidato traz a questão ambiental como eixo estratégico e propõe ações relacionadas à área ambiental, boa parte associada ao ordenamento territorial, regularização ambiental e fundiária. Defende a desburocratização do sistema de licenciamento ambiental e o apoio à expansão da prática de manejo florestal sustentável. 

Gladson pretende ainda contribuir para a redução dos impactos ambientais oriundos do descarte de resíduos sólidos, investir em fontes renováveis de energia e atuar de forma integrada com organismos nacionais e internacionais pela redução dos impactos causados pelas mudanças climáticas.

 

Jorge Viana fala em “agronegócio sustentável” 

O ex-governador por dois mandatos, Jorge Viana (PT), tenta retomar o domínio petista no estado. O partido esteve no poder por vinte anos anos, a mais duradoura hegemonia na história política do Acre. É o único dos candidatos competitivos que aglutina os votos dos eleitores lulistas e petistas.

Com maior destaque ao meio ambiente se comparado aos demais, o plano “Compromissos para melhor servir ao povo acreano” inclui somar-se ao esforço mundial contra a crise climática e a retomada de ações de combate ao desmatamento ilegal. Também propõe “reformar os regulamentos e o sistema de licenciamento do manejo florestal madeireiro”, “criar incentivos para restauração e recomposição florestal”, bem como “combater todo e qualquer tipo de grilagem e invasão de terras e contribuir na mediação de conflitos agrários”. 

No plano é detalhado o conceito de “agronegócio sustentável” e sugeridos caminhos possíveis para uma agenda de desenvolvimento econômico com foco nas áreas de floresta e de agropecuária. Estes caminhos incluem a “restauração da floresta original” e o aumento das exportações de produtos compatíveis com a sua conservação. Além disso, propõe “aproveitar as oportunidades apresentadas pelos mercados de carbono para as partes da floresta que ainda estão de pé” e sugere criar “oportunidades para aumentar a produtividade agrícola no Acre” para atender a demanda de expansão do agronegócio.

 

Petecão pretende revisar e implementar plano de combate ao desmatamento 

 

Apesar do tema não constar como um eixo estratégico no plano de governo do candidato do PSD, o senador Sérgio Petecão elenca oito ações relacionadas à agenda ambiental. No documento “Com a Força do Povo” propõe fortalecer a gestão nas unidades de conservação estadual, revisar e implementar o Plano de Gestão de Recursos Hídricos e o Plano de Combate ao Desmatamento e Queimadas Ilegais. 

Outras propostas visam criar e fortalecer os programas de regularização de vazios fundiários nas regionais do estado, bem como realizar campanhas educativas de preservação ambiental e de uso consciente da água.

 

Bittar defende reforma nas “draconianas leis ambientais do estado”

Ao ganhar projeção como relator do Orçamento da União em 2021, o candidato do União Brasil, senador Márcio Bittar, traz em seu plano a defesa do governo federal e tece críticas à forma como foi e é conduzida a política ambiental.

Em “Ordem, Progresso e Competência para fazer”, critica a ideia de intocabilidade da região Amazônica. Dificuldades estariam sendo impostas para “atender interesses estrangeiros, alguns explícitos e outros ocultos, e não permitir que a região seja um celeiro de produção”. 

O candidato propõe flexibilizar as leis ambientais para tornar a região um “celeiro de produção” e enfatiza a “loucura que foi a tal da florestania”, conceito elaborado durante o governo de Jorge Viana, que teria obtido resultados para além de “discursos submissos e ofensivos à soberania nacional”. 

Também critica a postura do atual governo estadual, enfatizando não haver vontade política nem “coragem para fazer uma reforma, mínima que fosse, nas draconianas leis ambientais do estado. Tudo continuou travado e nada mudou”. 

No documento são elencadas três ações pontuais relacionadas à pauta ambiental:  “remoção de inibidores à exploração da terra”, “alocar recursos e programas de fomento que destravem a exploração da terra e da própria floresta com o menor dano possível”, além de “recuperar centenas de milhares de hectares de terras degradadas”, incentivando sua exploração. 

 

Perspectivas e desafios para o meio ambiente

 

Apesar dos dados alarmantes de desmatamentos e queimadas na Amazônia, quando são analisadas percepções do eleitorado da classe C, o tema apresenta-se como secundário em comparação com economia e saúde pública, sendo considerado assunto pouco sensível para esta população

Não obstante essa percepção, torna-se difícil desconectar o meio ambiente das questões econômicas e sociais. Há importantes relações entre meio ambiente e economia. Também não se pode desconsiderar a conexão com a saúde pública quando se observa o crescimento considerável de doenças respiratórias decorrentes da baixa qualidade do ar em função das queimadas em períodos de seca. Somente no Acre, entre agosto de 2021 e julho deste ano, foram desmatados 865km2, segundo dados do Imazon.

Essa incompreensão em relação ao meio ambiente e sua conexão com a vida das pessoas pode ser uma das respostas às diversas formas como o tema é apresentado no plano de governo dos candidatos.

Uma transformação da ordem estabelecida pressupõe trazer o meio ambiente para o centro das discussões e não como um elemento periférico no debate eleitoral. Enxergá-lo como um tema que permeia e é permeado, influencia e sofre as consequências de decisões em outros campos. A vida das pessoas é afetada pelo meio ambiente, mesmo que elas não se deem conta disso.

 

*Luci Maria Teston é professora no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre (UFAC). Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e mestra em Ciência Política pelo antigo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Graduada em Direito, em Administração e em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo.