Ivan Henrique de Mattos e Silva*

 

No âmbito da eleição para o governo do Amapá, duas candidaturas se apresentam com larga vantagem em relação às demais: Clécio Luís, do Solidariedade, e Jaime Nunes, do PSD. De acordo com os dados da Pesquisa TV Record/RealTime Big Data (18/08), ambos os candidatos têm 37% das intenções de voto, seguidos por Gilvam Borges (MDB), com apenas 4%. Já na pesquisa da Rede Amazônica/IPEC (24/08), Clécio ocupa a primeira posição, com 41%, seguido por Jaime, com 35%, e, em terceiro lugar, novamente Gilvam Borges, com 5%.

O Amapá ocupa uma posição bastante privilegiada em comparação a outras unidades federativas da Amazônia Legal. Com 62% do seu território sob modalidades especiais de proteção, a legislação ambiental amapaense ainda apresenta freios importantes ao avanço do desmatamento verificado na Região, mesmo considerando que esta legislação tenha sido foco, na última legislatura, de disputas importantes no sentido da sua flexibilização. Embora a questão ambiental apareça nos planos de governo das duas principais candidaturas ao executivo estadual, as abordagens diferem bastante – tanto do ponto de vista do enquadramento, quanto do espaço reservado à agenda do meio ambiente.

O Plano de Governo da Coligação Amapá Para Todos (Solidariedade, União Brasil, PDT, PL, Republicanos, Partido Progressista e Federação Sempre Pra Frente), encabeçada pelo candidato Clécio Luís, possui sessenta páginas e está estruturado em cinco eixos de desenvolvimento (Social e Direitos Humanos; Desenvolvimento Econômico Regional; Infraestrutura e Logística; Segurança Pública e Defesa Social; e Gestão, Governo Digital e Recursos Humanos), subdivididos em várias políticas e estratégias. A questão ambiental aparece, de modo genérico, logo no início do documento, tanto naquilo que o plano define como sendo a sua visão de futuro, sintetizada na proposta de “tornar o Estado do Amapá uma referência em desenvolvimento e sustentabilidade” , como nos valores defendidos pela chapa, repetindo, aqui, o conceito de sustentabilidade.

De modo mais detalhado, o documento explora a agenda ambiental no Eixo 2 – Desenvolvimento Econômico Regional. A primeira proposta que versa sobre o tema é o item d) da política 2.2. – Economia de Mercado, e consiste em uma proposta de incentivo a uma matriz produtiva sustentável tanto do ponto de vista ambiental como sociocultural, a partir do fortalecimento da bioeconomia da produção indígena e do mercado local do município de Oiapoque. Os itens g), h), i) e l), da política 2.4. – Pecuária, Agricultura Familiar e Extensão Rural, seguem a mesma linha de políticas que combinam o incentivo a matrizes produtivas locais, fortemente ancoradas em atividades de populações tradicionais, e a preservação do meio ambiente, com foco nas cadeias produtivas do açaí, da castanha do Pará e da fruticultura, além da construção do Centro de Agroindústria de Frutas, em parceria com o Instituto Federal do Amapá (IFAP).

A parte mais estrutural das propostas, contudo, está na política 2.6. – Gestão Ambiental, que conta com seis estratégias específicas:

 

Imagem 1 – Política de Gestão Ambiental (Clécio)

 

Mais sucinto, o Plano de Governo da Coligação Pra Mudar de Verdade (PTB, PSC, PROS, PSD, AGIR), liderada por Jaime Nunes, possui 15 páginas, e está dividido em cinco eixos temáticos: Estado Inovador, Bem-Estar Social, Infraestrutura e Caminhos da Integração, Desenvolvimento Empreendedor e Governança para uma Agenda Comum.

 

Imagem 2 – Eixos Temáticos do Plano de Governo (Jaime)

 Fonte: Plano de Governo – Jaime (2022, p. 8) 

 

Os eixos, todavia, são definidos em termos bastante genéricos e superficiais, e, em geral, em textos de duas a três linhas. Junto aos eixos, o documento elenca, no item III, alguns pressupostos e premissas que seriam fundamentais para o sucesso do governo, e os divide em quatro pilares: Segurança Jurídica, Infraestrutura Logística, Comunicação e Conhecimento.

 

Imagem 3 – Pressupostos para o Sucesso do Plano de Governo (Jaime)

 

Fonte: Plano de Governo – Jaime (2022, p. 7)

 

A primeira vez que a questão ambiental é mencionada é justamente no escopo desses pilares, vinculada – sob o nome de gestão ambiental – ao pilar Segurança Jurídica. Novamente, a definição do pilar é bastante genérica e resumida, apenas mencionando que a legislação ambiental é um dos elementos que “merecem uma atenção especial”.

Os aspectos mais detalhados das propostas aparecem mais adiante no documento na forma de Desafios/Propostas vinculados aos eixos já mencionados aqui. A questão ambiental aparece em três momentos – todos eles vinculados ao eixo Desenvolvimento Empreendedor –, duas vezes de maneira genérica, e, outra, de maneira mais específica: em primeiro lugar, na Proposta 32, que sugere “promover a exploração sustentável da biodiversidade amapaense por meio de novos modelos de concessões florestais otimizando o uso de produtos florestais madeireiros e não madeireiros” ; em segundo lugar, na Proposta 39, que visa “promover o desenvolvimento do turismo regionalizado e sustentável” ; e, por fim, na Proposta 42, que busca “dinamizar e desburocratizar o licenciamento ambiental” .

Bem mais genérica e superficial, a proposta de política ambiental da Coligação Pra Mudar de Verdade limita-se a menções rápidas à questão da sustentabilidade e/ou ao meio ambiente e três propostas – duas das quais também genéricas. A única proposta mais concreta versa sobre a flexibilização da legislação ambiental no estado, facilitando, assim, o licenciamento. Embora o documento não esclareça o que significa efetivamente desburocratizar, o sentido do enunciado é bastante claro.

Há, nos programas de governo apresentados ao TRE, duas concepções antagônicas de desenvolvimento para a Amazônia: uma, do candidato Jaime Nunes, que resgata um modelo bastante arraigado no país ao longo da sua experiência nacional-desenvolvimentista da fase autoritária, que contrapõe o desenvolvimento econômico à preservação do meio ambiente; e outra, do candidato Clécio Luis, em sintonia com os recentes desenvolvimentos teóricos e normativos, e com parte importante da agenda internacional, que assume como premissa fundamental a complementaridade indissociável entre o desenvolvimento econômico e social e a preservação do meio ambiente, a partir da exploração do potencial econômico da biodiversidade, em consonância com os modos de vida das populações tradicionais. 

A Amazônia será um componente importante na disputa pela Presidência da República, e, ainda que de modo restrito, dado o seu tamanho diminuto, o Amapá será parte do palco dessa disputa.

 

*Ivan Henrique de Mattos e Silva é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos, com período sanduíche na Brown University (EUA). Atualmente é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Amapá e vice-coordenador geral do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL).