Luciana Santana, Marta Mendes e Gustavo Paravizo

Publicado no JOTA

 

Passado o primeiro turno das eleições, padrões e excepcionalidades podem ser observadas nos resultados das disputas pelos governos estaduais. Eles também nos dão pistas sobre o segundo turno nos estados e nacionalmente. Ao todo, 12 dos 14 governadores que tentaram a reeleição foram reconduzidos ao cargo pelos seus colégios eleitorais, dois a mais do que no primeiro turno de 2018. Outros cinco foram ao segundo turno e aguardam a definição em 30 de outubro. 

 

Enquanto Acre, Amapá, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Tocantins e o Distrito Federal escolheram seus mandatários já no primeiro momento, São Paulo e Santa Catarina rejeitaram as candidaturas de seus atuais governadores no primeiro turno. Em outros doze estados a decisão ficou para a segunda rodada: Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. 

 

Do ponto de vista partidário, o PT larga na frente com vitória em três estados, todos do Nordeste (Ceará, Piauí, e Rio Grande do Norte). PP (Acre e Roraima), União Brasil (Goiás e Mato Grosso) e MDB (Distrito Federal e Pará) conquistaram dois estados cada. Solidariedade, PSB, Novo, PSD e Republicanos, por sua vez, garantiram apenas um governo estadual cada. PT e PL ainda disputam, cada um, quatro governos estaduais com candidatos próprios no segundo turno e também contam com apoios de candidaturas de outros partidos.

 

Apesar da discrepância entre os dados das pesquisas em alguns estados, a lógica se confirmou em vários deles e os candidatos mais bem posicionados nas venceram. Em outros, a disputa promete se intensificar em função do crescimento de alguns candidatos no primeiro turno. Além disso, há uma histórica dificuldade de virada dos segundos colocados na reta final: em 2018, apenas duas candidaturas conseguiram reverter a derrota parcial nas catorze disputas que foram ao segundo turno. 

 

Os resultados do primeiro turno oferecem o “mapa da mina” sobre o que vem pela frente e também nos dão pistas sobre a dinâmica de apoios gerada pela disputa entre Lula e Jair Bolsonaro. Comecemos pelas surpresas.

 

Surpresas e novos arranjos nas corridas estaduais 

 

A mais expressiva surpresa, sem dúvida, aconteceu em São Paulo onde Tarcísio de Freitas (Republicanos) terminou à frente de Fernando Haddad (PT). O maior colégio eleitoral do país contrariou as pesquisas e deu guarida para o carioca que cresceu 11 pontos e venceu em 500 cidades. Haddad conquistou a capital e outras 90 cidades, mas não avançou no interior do estado. A eleição marcou a primeira derrota do PSDB na corrida pelo executivo estadual em 28 anos. Rodrigo Garcia apoiará Tarcísio no segundo turno a despeito da avaliação da campanha de que ter o apoio do PSDB significa dialogar com o velho. Tudo indica que o estado será o fiel da balança presidencial com  grandes chances de nacionalização da corrida para o executivo estadual.

 

No Rio de Janeiro, as pesquisas de intenção de voto mostraram um crescimento significativo de Claudio Castro (PL) na última semana de campanha. Ele recebeu 58,67% dos votos e confirmou a tendência de alta, reforçando a dificuldade dos institutos em medir os votos ligados ao bolsonarismo. Promovido a governador depois do impeachment de Witzel, Castro não só surpreendeu vencendo a disputa como também ampliou sua margem sobre Marcelo Freixo (PSB), registrando uma vantagem de 27 pontos percentuais. Castro também já reforçou apoio a Bolsonaro no Rio de Janeiro, segundo maior colégio eleitoral do país, onde o atual presidente venceu Lula em 70 dos 92 municípios.

 

Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) confirmou seu favoritismo com 56,18% dos votos válidos. Ele venceu na capital e em mais 658 municípios (77% do total de cidades do estado). Apesar do apoio de Lula, Alexandre Kalil (PSB) enfrentou uma dupla dificuldade: competir com a máquina comandada pelo atual governador e com o desconhecimento de seu nome. Depois do  “Lulécio” e do “Dilmasia”, a novidade da vez é o “Luzema” – o voto cruzado dos mineiros em Zema no estado combinado à escolha de Lula para a presidência. No segundo turno, Zema apoiará Jair Bolsonaro, algo que não foi feito no primeiro turno pelo temor da alta rejeição de Bolsonaro e da grande capilaridade de Lula no estado. Ainda não é possível saber se o eleitor mineiro alterará sua preferência devido ao apoio do governador. 

 

No Espírito Santo, é a primeira vez em 28 anos que o estado vai ao segundo turno para a escolha do governador. As pesquisas indicavam vitória de Renato Casagrande (PSB) em primeiro turno com 34 pontos percentuais de vantagem. A decisão, no entanto, foi adiada para o dia 30 de outubro. A principal razão é a nacionalização da disputa estadual: com apoio de Bolsonaro, Carlos Manato (PL) cresceu 8% na reta final e assistiu Magno Malta (PL), candidato ao Senado, ultrapassar e vencer a líder nas pesquisas, Rose de Freitas (MDB). O atual governador recebeu 46,94% votos e agora soma oito pontos de vantagem em relação a seu adversário. Se na primeira rodada Casagrande ofereceu um apoio apenas discreto a Lula devido à alta popularidade de Bolsonaro no estado, agora terá que se empenhar mais na campanha do petista. 

 

Na Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT) terminou em primeiro lugar com 49,45% dos votos contra 40,8% de ACM Neto, com grande crescimento na reta final. A última vez que o estado decidiu a eleição para governador no segundo turno foi em 1994. Derrotado nas urnas, o bolsonarista João Roma (PL), que obteve 9,08% dos votos, já declarou que é contra o Partido dos Trabalhadores e condicionou seu apoio a ACM a este retribuir com apoio à candidatura de Bolsonaro. Um apoio de alto risco na Bahia, quarto maior colégio eleitoral do país e um dos estados mais alinhados politicamente com Lula, que recebeu 69,73% votos válidos contra 24,31% de Jair Bolsonaro. 

 

Algumas vitórias no primeiro turno também chamaram a atenção no Nordeste pela diferença notada entre as pesquisas ao longo da campanha e os resultados eleitorais. É o caso dos estados do Piauí, Maranhão e Ceará. No Piauí havia forte indicativo de que a eleição seria levada para o segundo turno, com perspectiva de vitória do candidato do União Brasil, Sílvio Mendes. No entanto, o eleitor piauiense deu a vitória em primeiro turno ao candidato petista, Rafael Fonteles (PT), ex-secretário Estadual da Fazenda, com 57,17%, dando continuidade à hegemonia do partido que está à frente do governo no estado a 19 anos. O estado também elegeu para o Senado o ex-governador, Wellington Dias (PT).

 

Apesar de liderar as pesquisas de intenção de votos no Maranhão, o candidato do PSB, Carlos Brandão, tinha como principal adversário o bolsonarista Lahesio Bonfim (PSC). As pesquisas indicavam que a disputa poderia ser resolvida no segundo turno. Entretanto, com o apoio de Flávio Dino, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da família Sarney, Brandão cresceu na reta final e venceu no primeiro turno com 51,14% dos votos válidos. 

 

O Ceará foi palco de uma das disputas mais interessantes. Os desarranjos políticos no quintal de Ciro Gomes fizeram com que o candidato petista, Elmano Freitas (PT), que figurava em terceiro lugar nas pesquisas de opinião ainda no mês de agosto, ganhasse corpo e vencesse a eleição no primeiro turno com 54,02%. Ele bateu o deputado federal e bolsonarista Capitão Wagner (UB), que ganhou protagonismo na eleição para a Prefeitura de Fortaleza em 2020 e que acabou em 2022 com 31,72%. O candidato do PDT, Roberto Cláudio, terminou a disputa em terceiro lugar com 14,14% dos votos válidos. 

 

No Rio Grande do Sul, uma inesperada virada também roubou a cena. Onyx Lorenzoni (PL) passou em primeiro lugar para o segundo turno, com votação bem acima da prevista nas pesquisas, com 37,5%. Do mesmo modo, o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) fez o mesmo movimento e ultrapassou Olívio Dutra (PT) na disputa pelo Senado. Além disso, o atual governador, Eduardo Leite (PSDB), que liderou todas as pesquisas de intenção de voto, por muito pouco não ficou fora do segundo turno. A diferença em relação ao terceiro colocado, Edegar Pretto (PT), foi de apenas 2441 votos. No segundo turno, o apoio de Lula e Pretto pode significar uma faca de dois gumes para Leite: embora seja difícil recusar o apoio da esquerda, este pode lhe custar votos junto ao eleitorado de direita. Bolsonaro tem palanque certo com Lorenzoni e Mourão no quinto colégio eleitoral do país. 

 

Em outros oito estados a decisão ficou para o segundo turno. Em quatro, mudanças de cenário também alteraram o panorama da corrida eleitoral e confrontaram as medições. No Amazonas, Eduardo Braga (MDB) ultrapassou Amazonino Mendes e disputará o segundo turno contra Wilson Lima (UB). No Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (MDB) deu lugar no segundo turno ao Capitão Renan Contar (PRTB). Este era o terceiro nas pesquisas e foi ao segundo turno na primeira colocação contra Eduardo Riedel (PSDB).

 

Em Pernambuco, o segundo turno será entre Marília Arraes (Solidariedade) e Raquel Lyra (PSDB). Marília teve votação bem abaixo do que indicavam as pesquisas, terminando com 24%, contra 20,6% de Lyra. Em Santa Catarina, Moisés (Republicanos) que aparecia empatado em primeiro lugar nas pesquisas, acabou fora do segundo turno que será disputado entre Jorginho Mello (PL) e Décio Lima (PT). A subida do candidato do PT foi uma surpresa em um estado em que todos os candidatos mais bem posicionados durante a campanha estavam alinhados a Bolsonaro.

 

Em outras quatro unidades federativas o resultado confirmou o que foi apontado pelas principais pesquisas. Em Alagoas, Paulo Dantas (MDB) enfrentará Rodrigo Cunha (UB); João Azevedo (CD) e Pedro Cunha Lima (PSDB) disputarão o segundo turno na Paraíba; em Rondônia a disputa será entre Marcos Rocha (UB) e Marcos Rogério (PL); e em Sergipe, depois da impugnação da candidatura de Valmir de Francisquinho (PL), o segundo turno terá Rogério Carvalho (PT) e Fábio Mitidieri (PSD).

Dinâmicas estaduais e apoios presidenciais no segundo turno

 

Considerando a fotografia em mãos, Bolsonaro leva vantagem entre os governadores eleitos com três apoios a mais que Lula. Contudo, o número de aliados é igual quando consideramos as candidaturas mais votadas que passaram ao segundo turno. 

 

Quatro observações podem ser feitas considerando o cenário atual. Primeiro, os custos de associação de eleitos e candidatos a Bolsonaro, em função da rejeição apontada pelas pesquisas, parece ter diminuído por conta do bom desempenho eleitoral. Segundo, cabos eleitorais nos estados podem ser decisivos para Lula considerando a falta de palanque no Rio de Janeiro, Minas Gerais e a necessidade de conquistar votos no interior de São Paulo. Além disso, é necessário saber qual a real capacidade de mobilização de votos por parte dos governadores eleitos e dos candidatos, já que há estados que podem repetir o chamado “voto cruzado”. Por fim,  dado o nível de atenção que será dedicado às eleições presidenciais, é provável que haja uma nacionalização ainda maior nas disputas pelos governos estaduais. A saber se confirmaremos estas perspectivas e/ou se novas surpresas entrarão para a memória destas eleições.

 

Luciana Santana é professora da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e da UFPI (Universidade Federal do Piauí). Mestre e doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha). Líder do grupo de pesquisa Instituições, Comportamento político e Democracia e Secretária Executiva da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).

 

Marta Mendes da Rocha é professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), onde coordena o Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local). É doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisadora do CNPq. Foi pesquisadora visitante na Universidade do Texas em Austin (EUA). Webpage: martamrocha.com

 

Gustavo Paravizo é jornalista, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisador do Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local).