Marta Mendes da Rocha

Publicado no Jota

 

Findado o primeiro turno das eleições, Bolsonaro tem palanque único em onze estados: contabiliza o apoio de governadores eleitos em nove e conta com palanque único em outros dois onde ambos os competidores são seus aliados. Já Lula saiu com o apoio de governadores eleitos em seis estados e vai poder contar com candidatos que lideram as pesquisas em outros três estados onde os concorrentes até agora preferiram permanecer neutros. Em outros cinco a disputa de segundo turno tem tudo para ser bastante nacionalizada com candidatos fortemente alinhados a Lula e a Bolsonaro.

Desde o início da campanha presidencial grande atenção tem sido colocada no movimento dos candidatos na costura de alianças e obtenção de apoios nos estados. Inicialmente, a atenção ficou no número, na consistência e na competitividade das alianças construídas por cada candidato. 

Passado o primeiro turno, a questão central passou a ser quem poderia contar com palanque único e em que estados o segundo turno seria nacionalizado. A energia gasta pelos candidatos na construção das alianças e na busca de apoios nos induzem a pensar que eles importam e podem ser decisivos. 

Mas a verdade é que a Ciência Política não tem uma resposta para isso. Existem poucos estudos que abordam esta questão no contexto brasileiro de modo que é difícil estimar com precisão a importância do apoio do governador ou de um candidato ao governo. 

Nos Estados Unidos, são comuns os estudos sobre o que eles chamam de coattail effect, ou seja, a capacidade de um candidato a um cargo executivo de grande projeção transferir votos para seus co-partidários em outros níveis da disputa. 

Um bom exemplo brasileiro ocorreu no Brasil em 2002,  quando na esteira da vitória de Lula para a presidência, o PT elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados, repetindo o bom desempenho em 2006 e 2010. Algo semelhante deu-se nas eleições de 2018 e 2022, quando PSL e PL tiveram seu desempenho nas eleições legislativas impulsionado pela popularidade de Bolsonaro. 

Outro tipo de transferência de votos mas que não se encaixa no que a literatura considera efeito coattail é a que ocorreu no Brasil nas eleições de 2010 e 2018, quando Lula desempenhou o papel de grande eleitor ao conseguir transferir seu capital político e eleitoral, primeiro para Dilma Rousseff, e depois para Fernando Haddad. Mesmo que este último tenha saído derrotado, foi impressionante a capacidade de transferência de votos de Lula no Nordeste, onde Haddad (ou “Andrade”) ganhou em todos os nove estados, apesar de ser muito pouco conhecido na região.

Há poucas pesquisas sobre transferência de votos no Brasil. Um estudo sobre o caso brasileiro sugere que os eleitores utilizam-se dessas alianças como uma espécie de atalho cognitivo para escolher seus candidatos, baseando-se no posicionamento das lideranças políticas nacionais para tomar suas decisões no nível subnacional. O estudo mostra que, no caso de eleições próximas com um número baixo de candidatos à Presidência, haverá convergência entre os resultados das eleições nacionais e subnacionais. Contudo, outras variáveis são importantes para a compreensão dessa dinâmica. 

Também é comum que candidatos ao Executivo municipal e estadual exibam sua proximidade e bom relacionamento com o presidente ou com um candidato competitivo a presidente como símbolo de prestígio ou um diferencial que pode garantir acesso privilegiado ao governo federal e mais recursos para o município ou estado. Essa estratégia é particularmente importante para municípios e estados pobres e mais dependentes de transferências intergovernamentais. A literatura em Ciência Política apresenta evidências de que o eleitor vota para cargos nacionais com considerações locais em mente e que ele valoriza o alinhamento entre governo subnacional e federal.

Entretanto, no contexto das eleições de 2022, o interesse maior está no efeito inverso (o chamado reverse coattail effect), de baixo para cima, que ocorre quando candidatos no nível local ou estadual desempenham o papel de cabos eleitorais e mobilizam votos para candidatos competindo em níveis superiores. Alguns estudos trazem evidências de coordenação partidária para maximizar votos em diferentes níveis e diferentes rodadas eleitorais. Assim, um desempenho positivo na eleição municipal estaria associado a um desempenho positivo na eleição legislativa dois anos depois. Não há, contudo, evidências inequívocas destes efeitos sobre a eleição para presidente, de modo que não temos como estimar o efeito do apoio de governadores e/ou candidatos ao governo estadual sobre a quantidade de votos obtida pelos candidatos a presidente. Uma análise do segundo turno das eleições de 2018 mostrou convergência nos resultados da eleição para presidente e governador nos 14 estados em que a disputa foi decidida na segunda rodada. Mas este efeito não é o mesmo para todos os casos, sugerindo que existem diferentes mecanismos em operação. 

A pergunta que devemos nos fazer é: como ou sob que condições o apoio do(da) governador(a) e/ou de candidatos(as) ao governo estadual pode ajudar o candidato a presidente e fazer diferença no resultado da eleição? Há algumas formas pelas quais uma liderança política estadual pode ser efetiva em transferir votos.

Popularidade. Uma liderança carismática e popular no estado, com altos índices de aprovação, capital político robusto e confiança entre os eleitores empresta sua confiança e reputação para o candidato a presidente. Uma questão importante é assegurar que a maior parcela do eleitorado seja capaz de associar os dois candidatos, isto é, tem que ficar claro para o eleitor quem esta liderança apoia. O apoio aqui desempenha a função de atalho cognitivo para os eleitores que não querem ou não podem arcar com os custos de informação.

Identificação. A transferência funciona devido a uma forte identificação entre os candidatos, seja porque eles pertencem ao mesmo partido ou porque estão associados com um mesmo programa político, pautas e bandeiras. O limite da transferência, neste caso, está na capacidade de mobilização de votos e na rejeição da liderança estadual. Esta parece ser a forma como Fernando Haddad em São Paulo e Claudio Castro, no Rio de Janeiro, poderiam auxiliar Lula e Bolsonaro, respectivamente. Note que o mecanismo da identificação partidária deve funcionar mais para Lula do que para Bolsonaro,uma vez que o rótulo “PT” aporta muito mais conteúdo e significado para os eleitores do que o rótulo “PL”. Este mecanismo também pode operar nos demais estados onde o PT tem governadores eleitos (RN, CE, e PI) ou na disputa do segundo turno (BA e SC). Para Bolsonaro pode funcionar nos estados em que há governadores ou candidatos fortemente associados às pautas bolsonaristas. Ainda assim, alguém poderia objetar que este seja um mecanismo relevante no segundo turno da eleição de 2022 uma vez que as pesquisas indicam alto grau de consolidação do voto. Em outras palavras, é mais provável que quem apoie um candidato a governador ou um candidato no estado, seja por identificação partidária ou programática, também já apoie seu aliado na disputa pela presidência.

Controle da máquina. Outro mecanismo pelo qual a transferência de votos pode ocorrer é pelo uso da máquina pública, o que se aplica para os governadores em exercício. Neste caso, a transferência não seria tanto resultado da ascendência do governador sobre os eleitores devido à sua popularidade e carisma, e mais pela mobilização de sua autoridade e recursos em benefício de um determinado candidato. O controle da máquina coloca nas mãos do governador recursos decisivos, com os quais ele pode mobilizar apoio de outros grupos e atores, com destaque para os prefeitos. Com estes recursos ele pode, inclusive, tentar cooptar apoiadores do candidato adversário. Essa via de transferência de votos parece ser a mais importante quando não há identificação partidária ou forte associação programática entre o(a) governador(a) e o candidato a presidente. Esta parece ser a forma pela qual Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais, Ratinho Jr. (PSD) no Paraná e Rodrigo Garcia (PSDB) em São Paulo, podem ajudar Bolsonaro nesta reta final. 

Demonstração de força. Outra forma pela qual o apoio de governadores e de candidatos ao governo pode fazer diferença é mais indireta e simbólica. Ter o apoio de muitas lideranças estaduais pode comunicar para o eleitor a viabilidade e o favoritismo da candidatura, enquanto o oposto sinaliza isolamento político. Esses apoios, somados aos de outros tipos de lideranças, podem provocar um efeito de adesão ao candidato melhor posicionado para vencer. 

Controle de espaço. O palanque único reduz o espaço político do adversário, limitando suas possibilidades de mobilização (por meio de realização de eventos, por exemplo) e restringindo suas portas de entrada. É o que parece ocorrer em Rondônia e Mato Grosso do Sul onde os dois candidatos que disputam o segundo turno apoiam Bolsonaro. Em se tratando de controle de espaço, a questão central é que, independentemente do efeito que o apoio pode produzir, o importante é assegurar que ele não esteja ao alcance do adversário. Uma situação na qual um candidato tem palanque único porque conta com o apoio do governador ou de todos os candidatos competitivos amplia para o adversário a importância de outras lideranças, como parlamentares e prefeitos co-partidários e aliados.

Seja qual for o tamanho do efeito do apoio de governadores e candidatos ao governo sobre a votação dos candidatos a presidente e os mecanismos subjacentes, não deveríamos supervalorizar esta dimensão da disputa. O caráter multifacetado da eleição mostra que o jogo se desenrola simultaneamente em muitas arenas e, em cada uma delas, diferentes atores despontam como relevantes. Nenhum deles, isoladamente, poderá decidir os rumos do pleito. Mais que isso: no fim das contas pode muito bem acontecer que, sendo ambos lideranças populares, os candidatos à Presidência se mostrem muito mais efetivos em mobilizar votos para os candidatos aos governos estaduais e não o contrário.