Na reta final das eleições, deep fakes e a reação da imprensa

Na reta final das eleições, deep fakes e a reação da imprensa

 Marisa von Bülow, Eliara Santana e Thayla Souza

Publicado no GGN

O fundamental é entender que esse vídeo é parte de uma estratégia coordenada de construção de um caos informacional

Na semana que passou, a viralização do trecho de uma reportagem do Jornal Nacional com dados recentes da pesquisa Ipec causou grande furor e aumentou ainda mais a tensão eleitoral da reta final. A reportagem mostrava, pela voz do âncora William Bonner, que o candidato Jair Bolsonaro estava à frente do candidato Lula. Mas o vídeo era falso, e as vozes dos apresentadores Bonner e Renata Vasconcellos haviam sido adulteradas para apresentar dados falsos da também falsa pesquisa eleitoral. O potencial de estrago em termos de desinformação era grande, mas parece que os efeitos foram contrários – o vídeo gerou fortes reações negativas de amplos setores políticos e da imprensa.

 

Há polêmica se o vídeo é mesmo um exemplo de deep fake ou se seria apenas shallow fake (uma versão menos sofisticada), mas, no fundo, isso não é o importante. O fundamental é entender que esse vídeo é parte de uma estratégia coordenada de construção de um caos informacional, que tem no anonimato e na capilaridade das redes sociais seus principais trunfos, e que vai ser ainda mais agressiva à medida que chegamos perto do dia da eleição.

 

Para entender melhor qual foi o impacto da repercussão do vídeo, fizemos uma análise do debate sobre le no Twitter, entre os dias 19 e 20 de setembro. Devido à presença dos principais atores do mundo da política e da mídia, o Twitter é uma plataforma que permite tomar o pulso dos debates e das narrativas utilizadas. E também dos silêncios.

Apesar de os internautas no Twitter terem marcado as contas do presidente Bolsonaro e de seus filhos em várias das mensagens da nossa base, nosso monitoramento mostra que não houve uma participação expressiva desses atores no debate. A conta oficial de Carlos Bolsonaro no Twitter, por exemplo, não publicou comentários sobre o tema (até o momento de fechamento deste artigo). No dia 20 de setembro, Flávio Bolsonaro bateu na tecla da fraude nas pesquisas, tuitando:

O ex-presidiário não enche um botequim, mas para o DataFolha e o Ibope (Ipec) o ladrão está liderando em todos os cenários.

A verdadeira pesquisa é o DATAPOVO! Essa não falhou em 2018 e não vai falhar em 2022!!

1º turno!!!! https://t.co/saI2w3kV7Z

 

Por outro lado, alguns defensores do presidente e candidato se mobilizaram publicando respostas na página do Jornal Nacional no Twitter. Duas foram as narrativas mais comuns. A primeira buscou atacar a credibilidade da Rede Globo de forma geral, sem entrar no mérito do caso específico: Deepfake é o que a Globo demonstra todos os dias, não precisam adulterar nada, tuitou um apoiador do presidente. A segunda narrativa buscou aprofundar ainda mais o clima de desconfiança ao jogar as suspeitas da autoria do vídeo para os apoiadores ou para a própria campanha de Lula.

 

A imprensa contra-ataca

O debate no Twitter foi dominado por mensagens críticas à desinformação, vinculando a deep fake diretamente à campanha bolsonarista. O grafo apresentado abaixo traz a visualização do comportamento dos atores, a partir do reencaminhamento de mensagens entre eles. Os maiores nós e de cor mais forte são aqueles responsáveis pelas postagens de maior disseminação na plataforma.

 

As cinco contas que tiveram suas mensagens mais reencaminhadas na rede são todas de jornalistas ou de organizações da mídia. O maior cluster se organiza em torno à conta do próprio Jornal Nacional, graças à ampla repercussão da publicação do vídeo desmentindo a deep fake, reencaminhada mais de 7 mil vezes. No dia 19 de setembro, o Jornal Nacional trouxe uma nota/matéria de mais de dois minutos que apontou o dedo e identificou a principal estratégia do bolsonarismo: a produção reiterada de fake news. Na matéria, William Bonner e Renata Vasconcellos enfatizaram que o vídeo fake que estava circulando tinha o objetivo claro de desinformar os eleitores e que era uma arma nova na guerra travada na internet nestas eleições. Foi de fato uma reação bem forte, que marcou um importante posicionamento do jornal, que não mediu palavras para apontar os responsáveis e ligar a produção de fake news a Jair Bolsonaro.

A publicação da resposta do Jornal Nacional repercutiu em destaque pelos usuários, sendo o conteúdo de maior replicação na plataforma durante o período monitorado. Outros atores da imprensa também foram centrais na rede mapeada, como as contas da Revista Fórum, do Intercept e de jornalistas como Vera Magalhães e Leandro Demori.

De forma geral, esses atores foram altamente críticos ao uso de estratégias de desinformação e mostraram preocupação com os possíveis impactos desse tipo de iniciativa. O tom das mensagens foi de alerta e preocupação com a integridade do processo eleitoral. A @revistaforum (438,1 mil seguidores) associou diretamente a utilização de deepfake à estratégia da campanha de Jair Bolsonaro, inclusive utilizando a expressão “fraude bolsonarista”. Segundo o site WFS News, que faz o monitoramento dos temas em destaque no Twitter (os chamados trending topics), a publicação da Revista Fórum, que aparece no nosso grafo, foi uma das mais populares.

Rede de Retuítes sobre a Deep Fake do Jornal Nacional (19 e 20 de setembro)

 

 

De fato, nem a escolha do conteúdo (o foco em pesquisas eleitorais) e nem dos atores (os âncoras do Jornal Nacional) foram aleatórias. O objetivo central da estratégia do caos informacional é semear desconfiança com relação ao processo eleitoral como um todo, seja lançando dúvidas sobre a lisura dos institutos de pesquisa, seja questionando a confiabilidade das urnas, da imprensa ou das autoridades eleitorais. Não importa tanto se os interlocutores acreditam ou não piamente no conteúdo encaminhado, contanto que se consiga semear a dúvida e causar controvérsia. Também não importa se o conteúdo é coerente com outras mensagens. Importa menos o teor, e mais o sentido político da mensagem. Paradoxalmente, a deep fake que se utilizou do Jornal Nacional é perfeitamente compatível com mensagens que questionam a lisura dos principais institutos de pesquisa e da Rede Globo. 

O que seria extremamente positivo e saudável – sem questionamento e crítica não há debate democrático – transforma-se em uma manipulação perversa, que dá margem não só ao crescimento da desconfiança, mas também à apatia política. Se o processo é corrompido, por que votar? E em quem, afinal, podemos acreditar?

Nota metodológica: A coleta de dados foi realizada entre os dias 19 e 20 de setembro de 2022. Foram coletadas publicações contendo o termo “deep fake” (e variações) em associação com o Jornal Nacional e seus respectivos âncoras. A extração das publicações se deu por meio da API oficial do Twitter. A base de dados contém 30.936 entradas, entre postagens únicas (1.267) e replicações de conteúdos sobre o tema.

Brasileiros se posicionam contra golpe militar, mas disposição de defender democracia ainda é baixa

Brasileiros se posicionam contra golpe militar, mas disposição de defender democracia ainda é baixa

Leonardo Avritzer e Eliara Santana
Publicado no Pulso

Pesquisa de opinião pública feita presencialmente revela ambiguidades dos eleitores do país em relação ao tema
Em 2018, a primeira versão da pesquisa “A Cara da Democracia”, realizada pelo INCT-IDDC, revelou que a maioria de brasileiros era favorável à ruptura democrática em determinadas situações. Isso demonstrou, portanto, que havia ali, àquela época, um sinal de alerta em relação à democracia brasileira. Em 2022, a boa notícia é que, em nova rodada da pesquisa, temos dados melhores do que aqueles de 2018 — há uma maioria bastante clara de brasileiros que rejeitam golpe, intervenção militar ou ruptura democrática, tal como mostra o gráfico abaixo, de nossa nova pesquisa feita no período de 9 a 14 de setembro.

Circunstâncias que justificariam um golpe

A cara da democracia 2022 – 07 a 15 de setembro

Podemos, com certeza, comemorar a ampla rejeição dos brasileiros a uma ideia de golpe – intermitentemente defendida pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), ao afirmar que, em determinadas situações, não haveria eleição ou que seria melhor fechar instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, temos ainda motivos para nos preocupar em relação ao apoio dos brasileiros à democracia, que continua baixo. Na pesquisa de opinião pública aplicada pelo INCT na segunda semana de setembro, um dado importante chama atenção e desperta preocupação.

Disposição para defender a causa

Nos referimos aos brasileiros que se disporiam a se manifestar ou a participar de manifestações ou de algum tipo de atividade em defesa da democracia. Esse número, de 27%, é significativamente mais baixo do que o de brasileiros contra o golpe e também mais baixo do que de entrevistados que se proporiam a se manifestar em caso da existência de muita corrupção, que alcançou a marca de 53% dos entrevistados. O gráfico abaixo, com esses dados, mostra que, ainda que brasileiros já percebam a importância da democracia e se posicionem contra o golpe, ainda não têm a disposição de se manifestarem abertamente em defesa da democracia como uma de suas principais prioridades.

 

Esse dado relativo à disposição dos brasileiros em se manifestar em caso de golpe é muito importante porque, na verdade, o que nós sabemos é que a democracia brasileira não está sofrendo ataques genéricos. São ataques específicos por parte de um ator político, nesse caso, o presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro. Ele tem afirmado recorrentemente que as urnas eletrônicas não são confiáveis ou que, dependendo da inexistência de um processo de auditagem dessas mesmas urnas, ele não reconheceria o resultado eleitoral. Sendo assim, é muito importante saber o número de brasileiros que se dispõem a se manifestar em defesa da democracia.

Transição entre dois mundos políticos

O fato de que, no Brasil, neste momento, o número de indivíduos que estão dispostos a defender a democracia (27%) é praticamente o mesmo daqueles que não estão nem um pouco dispostos (31%) ainda aponta na direção de ambiguidades importantes da população brasileira em relação ao tema.

Assim, o resultado da pesquisa mostra o início de uma transição entre dois mundos políticos nos quais o Brasil se dividiu desde 2018. De um lado, o da antipolítica e do ataque à democracia, que defendeu a ideia de golpe e ruptura democrática; do outro, um cenário de respeito ao Estado Democrático de Direito. Tudo indica que essa concepção de política antagônica à democracia será rejeitada pelos brasileiros nas urnas em outubro. Ainda assim, é necessário perceber que a reconstrução de uma nova ordem democrática será um caminho difícil e que demandará uma grande orquestração política envolvendo os mais diversos atores.
Feita pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), a pesquisa entrevistou presencialmente 1.535 eleitores em 101 cidades de todas as regiões do país entre os dias 9 e 14 de setembro e foi contratada pelo CNPq e Fapemig. A margem de erro total é de 2,5 pontos percentuais para mais ou menos com índice de confiança de 95%.
*Leonardo Avritzer é professor titular do departamento de Ciência Política da UFMG.

Eliara Santana é jornalista, doutora em Linguística e Língua Portuguesa com foco na Análise do Discurso e pesquisadora do Observatório das Eleições (INCT IDDC).

Forças Armadas e desinformação

Forças Armadas e desinformação

A pesquisa “A cara da Democracia”, produzida pelo INCT IDDC na segunda quinzena de setembro, mostra que 54,3% dos brasileiros apoiam uma apuração paralela das eleições 2022 feita pelas Forças Armadas. Esse dado, que revela de imediato uma opção de parte da população por um arranjo de certa forma inédito na história democrática brasileira – a tutela das Forças Armadas em relação ao processo eleitoral – precisa ser analisado e bem observado também à luz do sistema de desinformação que se estrutura e se consolida com a ascensão do bolsonarismo. 

A desinformação sistemática e sistematizada do bolsonarismo e do governo Jair Bolsonaro tem produzido uma realidade paralela no país, o que sem dúvida provoca um estado de dúvida, insegurança e medo na população. O ecossistema de fake news tem, na tríade crenças + valores + medos, um componente potente que é trabalhado e bem utilizado. 

Portanto, esse apoio não é uma preferência pura e simples, é uma percepção construída meticulosamente utilizando esses “ingredientes” principais na produção dos discursos. Os eleitores brasileiros não acordaram, num belo dia, e pensaram: “Achamos interessante que as Forças Armadas façam uma apuração paralela da eleição”. Essa percepção, essa vontade, esse apoio, tudo isso foi cuidadosamente construído discursivamente e inoculado na população como vírus a partir da operação desse sistema de desinformação, com o bombardeio minuto a minuto de fake news, lives do presidente, declarações do presidente, notícias falsas nos portais fakes, ação de pastores nos cultos. Não é obra do acaso, tampouco uma percepção firme da população. 

Isso nunca esteve no âmbito da discussão das pessoas em relação às eleições no Brasil. Tal questão nunca esteve colocada, nunca foi minimamente considerada, nunca existiu, na verdade. Esse novo “atributo” das Forças Armadas no país foi uma construção – mais uma – da realidade paralela do sistema de desinformação bolsonarista. Nesse sentido, quero destacar aqui três aspectos importantes, em termos da produção discursiva, que me parecem muito relevantes para compreendermos esse cenário.

O primeiro deles se refere ao ataque sistemático às urnas. Desde 2018, com breves intervalos, Jair Bolsonaro ataca sistematicamente as urnas eletrônicas, o sistema eleitoral brasileiro, apontando fraude e ineficácia. No monitoramento que realizamos no âmbito da Editoria de Redes do Observatório das Eleições, o peso desses ataques é bastante evidente nas redes sociais – o termo “urna eletrônica”, no campo bolsonarista, tem sempre um aspecto pejorativo e de dúvidas sobre sua eficácia, o que gera bastante engajamento. Em suas lives, o presidente Jair Bolsonaro lança, reiteradamente, dúvidas sobre a eficácia das urnas, além de insinuar abertamente que qualquer resultado que não seja sua vitória será fraudulento. Esse discurso, meticulosamente produzido, tem uma capilaridade enorme, sendo disseminado pelas redes sociais, ganhando espaço em cultos e programas religiosos e até mesmo pautando a mídia tradicional – TVs, rádios e jornais passam a responder aos ataques do presidente sobre a eficácia das urnas. 

O outro aspecto é o medo da violência política, que tem ganhado espaço com os sucessivos casos envolvendo até mesmo o assassinato de opositores ao bolsonarismo. A partir desse medo que fica evidente na população – o chamado “voto envergonhado” é um indício importante desse estado –, o discurso relativo às Forças Armadas procura então mostrá-las como garantidoras de certa ordem e como instrumentos de força a coibir a violência ou a fraude. Portanto, esses discursos constroem uma percepção também positiva das FAs, o que pode levar à constatação, de parte da população, de que, se existe possibilidade de fraude, essa apuração paralela se justifica de alguma forma.   

Por fim, como terceiro aspecto, chamo atenção para a avalanche de produções mostrando resultados falsos de pesquisas falsas. Na última semana, circulou pelas redes sociais um suposto recorte de uma reportagem do Jornal Nacional dando o resultado de uma pesquisa Ipec com Jair Bolsonaro bem à frente de Lula. O vídeo é uma mostra do estrago que as deep fakes conseguem fazer. Em linhas bem gerais, esse recurso utiliza inteligência artificial para modular a voz e a expressão facial das pessoas, o que possibilita colocar em qualquer personagem qualquer tipo de discurso. O vídeo com a  suposta reportagem do JN impressiona pela qualidade – para um leigo, é impossível perceber que se trata de conteúdo fraudulento, mentiroso, inventado. Vale lembrar que um recurso com essa qualidade não é de baixo custo, ou seja, há ainda em operação um forte esquema de financiamento para produção e disseminação de fake news no Brasil. Esses conteúdos falsos aliam-se às declarações do presidente da República de que as pesquisas realizadas por institutos de reconhecida credibilidade – como Datafolha e Ipec – são mentirosas e que não reproduzem a realidade. Em contraposição, Bolsonaro cita reiteradamente o que ele chama de “datapovo”, ou seja, as pessoas nas ruas em apoio a ele. Pois bem, esse tipo de conteúdo e de declaração causa, sim, uma grande confusão para as pessoas que estão sendo bombardeadas com declarações oficiais – as declarações de pessoas públicas têm grande impacto na avaliação e  na construção da percepção das pessoas em relação aos fatos.

Esses três aspectos, coordenados, criam a percepção, na população, de que é positiva uma tutela das Forças Armadas nas eleições. Portanto, esse apoio à apuração paralela resulta também, sem dúvida nenhuma, desse poder de criação e disseminação de discursos e percepções do real que é fruto do complexo sistema de desinformação consolidado sob o bolsonarismo no Brasil. Na terra da realidade paralela, nada é aleatório.  

O 7 de Setembro e o pós-bolsonarismo

O 7 de Setembro e o pós-bolsonarismo

Leonardo Avritzer e Eliara Santana*

Publicado no Pulso

O 7 de setembro deste ano, momento no qual o Brasil celebrou 200 anos de independência, foi completamente sequestrado pelo bolsonarismo e sua necessidade de mobilização eleitoral. Num dia que deveria ser festivo para o país, data nacional e não momento de campanha, o Brasil assistiu ao espetáculo grotesco de um presidente que, praticamente sozinho no palanque, ficou exaltando as virtudes de sua suposta virilidade. Ainda que esse tenha sido um momento patético da história nacional, é importante perceber outros movimentos, que foram desconsiderados pelos principais analistas, mas que apontam na direção da superação do bolsonarismo.

Em primeiro lugar, vamos destacar a evidente falta de apoio institucional a Bolsonaro: no palanque, no dia do evento, o presidente estava sozinho como protagonista daquele espetáculo questionável — ao seu lado, somente o vice-presidente, Hamilton Mourão, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e o empresário Luciano Hang, que é alvo de operação da Polícia Federal autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Nenhum representante dos outros Poderes da República estava ali – nem mesmo o aliado Arthur Lira, do centrão, sinalizando um aprofundamento do isolamento institucional do presidente.

Vale recordar o que foi o evento do 7 de setembro de 2021, quando o presidente Jair Bolsonaro atacou fortemente os outros poderes da República, em especial o Judiciário, na figura do STF, demonstrando, naquele momento, boa capacidade de desestabilizar as relações entre os Poderes e a democracia brasileira. Uma comparação entre aquele momento com o atual 7 de setembro mostra as fraquezas do capitão na sua campanha pela reeleição e pela desestabilização da democracia no Brasil.

Em 2021, Bolsonaro usou o evento como auge de sua disputa com o STF, em torno do direito de divulgar fake news e de desestabilizar as instituições. Naquele momento, Bolsonaro, ao convocar caminhoneiros a Brasília, defender o fechamento do STF e desafiar o ministro Alexandre de Moraes, afirmou: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República”. Ou seja, ameaças reais ao STF foram feitas em 2021. Mas, neste ano, independentemente do fato de Bolsonaro ter sequestrado as comemorações do 7 de setembro como ato de campanha, é importante considerar que os limites da capacidade do presidente de desestabilizar as instituições democráticas já ficaram bem mais claros.

A ação preventiva do STF contribuiu fortemente para impor esse limite: mesmo com a dimensão da mobilização já convocada pelos aliados bolsonaristas e pelo próprio presidente, o Supremo proibiu o acesso de caminhões à Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Num claro embate e desrespeito ao STF, o presidente Bolsonaro autorizou a entrada dos caminhões, mas foi imediatamente desautorizado pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Assim, Jair Bolsonaro não teve condições de usar sua capacidade de mobilização para desafiar o STF e acabou desautorizado por outras autoridades, como foi o caso do governador do DF.

Em terceiro lugar, e ainda mais importante, vale ressaltar que, em 2021, vários setores das polícias militares, em especial a PM de São Paulo, corriam o risco de aderir, por meio de seus comandantes, às manifestações bolsonaristas. O então governador João Doria acabou demitindo o comandante da PM no interior de São Paulo, Aleksander Lacerda, que convocava abertamente a adesão às manifestações e atacava o ministro do STF, Alexandre de Moraes. Neste ano, não vislumbramos nenhum movimento nessa direção, e até mesmo as Forças Armadas dissuadiram o presidente em relação às suas intenções de militarizar as comemorações no Rio de Janeiro.

O ‘imbrochável’ não surtiu efeito

A série de monitoramentos feita pelo Observatório das Eleições durante toda a semana do 7 de Setembro – especialmente nos dias 6, 7 e 8 –, mostrou elementos importantes para confirmar essa incapacidade do bolsonarismo de desafiar as instituições nesta reta final de campanha em 2022. Ainda que mantenha um engajamento maior nas redes sociais, a demonstração de força por parte do bolsonarismo não se consolidou – no Facebook, por exemplo, os números de interações com publicações sobre a Independência foram menores em comparação com 2021, principalmente entre os apoiadores do presidente Bolsonaro. A publicação no dia 7 com o discurso de Bolsonaro alcançou apenas 1,5 milhão de visualizações – em 2021, a divulgação de um vídeo da página de Jair Bolsonaro com sua participação no desfile de Brasília rendeu mais de 8 milhões de visualizações; no Youtube, os vídeos mais visualizados foram aqueles com críticas ao comportamento e ao discurso do presidente.

Em termos de narrativas que surgiram e ganharam corpo após as comemorações do bicentenário da independência, tiveram destaque aquelas com tom crítico ao discurso do presidente – elas tiveram mais visualizações e engajamento; a questão do machismo surgiu com bastante força, e foi expressiva a presença de conteúdos negativos para a imagem de Jair Bolsonaro em escala nacional e internacional no Twitter. O engajamento dos usuários com tuítes se deu, essencialmente, com conteúdos publicados por opositores a Bolsonaro, e além de menções negativas à postura presidencial, observou-se a utilização de tom humorístico e irônico nas publicações para abordar o assunto. Um dado importante: os tuítes com maior replicação (retuitados) no dia 7 foram de publicadores do jornalismo tradicional, ou seja, jornalistas, preferencialmente mulheres, e com tom crítico ao discurso do presidente.
A cena patética da demonstração pública de uma autoproclamada virilidade, quando o presidente da República puxa para si o coro de “imbrochável” não surtiu efeito nenhum na demonstração de força do presidente. Parece até que foi um tiro pela culatra que confirma a perda paulatina de vigor do bolsonarismo.

*Leonardo Avritzer é professor titular do departamento de Ciência Política da UFMG. Eliara Santana é jornalista, doutora em Linguística e Língua Portuguesa com foco na Análise do Discurso e pesquisadora do Observatório das Eleições (INCT IDDC).

A perda de vigor das redes bolsonaristas e as ações do TSE

A perda de vigor das redes bolsonaristas e as ações do TSE

Eliara Santana

Leonardo Avritzer

Publicado na Carta Capital

Entre os muitos fenômenos atípicos das eleições de 2022, um tem sido pouco analisado até o momento em relação à campanha do presidente Jair Bolsonaro: a sua dificuldade em manter, neste momento, uma vantagem significativa, nas redes sociais, em relação à campanha do ex-presidente Lula. Em 2018, a campanha de Jair Bolsonaro surpreendeu por dois motivos principais: primeiro, por romper completamente uma dinâmica de campanha que estava em vigor no Brasil desde meados do século 20, já com o advento da televisão, que tinha como base o tempo livre na TV aberta; segundo, por estabelecer vantagens significativas nas redes sociais em relação às outras campanhas. A maior parte dos analistas considerou que esse desempenho se manteria ao longo na campanha de 2022. 

 

No entanto, não é isso o que temos observado no desenrolar desta eleição. Vamos considerar os dados coletados em monitoramento das redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram) nas últimas duas semanas de agosto, feito pelo Observatório das Eleições e o Manchetômetro. Em um período de um mês, considerando-se agosto, o ex-presidente Lula ganhou quase 72 mil seguidores no Facebook; no Instagram, o ganho foi de 738.978 seguidores.  Portanto, o ex-presidente Lula está crescendo mais nas redes e demonstrando força competitiva em relação a Bolsonaro – Lula cresce mais tanto em quantidade total quanto em percentual.

Ainda que o engajamento da campanha de Jair Bolsonaro ou de suas redes e de seus filhos seja significativamente superior ao engajamento das redes do ex-presidente Lula, quando verificamos o engajamento total na plataforma, já podemos constatar uma melhoria significativa no desempenho da campanha do ex-presidente Lula – e uma piora no desempenho das redes do presidente Bolsonaro.

O mesmo se observa em algumas situações de interação no Facebook. A que devemos essa mudança no perfil de engajamento da campanha bolsonarista? Neste artigo, trabalhamos com duas hipóteses.  

A primeira é o efeito que as ações do ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, têm tido em relação às redes de desinformação bolsonaristas. Essas redes se constituíram como formas de ampliação das agendas do presidente Jair Bolsonaro, seja em suas lives semanais, seja em postagens nas redes sociais.   

A outra hipótese com a qual trabalhamos é a de uma enorme ampliação do engajamento nas redes do ex-presidente feita fundamentalmente pelo avanço em perfis nas redes sociais de atores distintos – especialmente artistas e influenciadores. 

 

Alexandre de Moraes e o combate ao financiamento da desinformação

 

Desde 2018, o Brasil observou se estruturar um verdadeiro ecossistema de desinformação, caracterizado por uma bem montada estrutura, com diversas ramificações, vários atores envolvidos, um esquema profissional de produção e disseminação de conteúdo falso e falseado, aporte do poder público e forte financiamento para manter a estrutura em funcionamento. Esse ecossistema foi e continua a ser responsável por uma verdadeira avalanche de fake news que confunde a população e impacta as instituições. Nesse ecossistema, a atuação das milícias digitais garantia o sucesso das agendas bolsonaristas e também a consolidação dos ataques às instituições, como o STF e o TSE.

Em julho de 2021, o ministro Alexandre de Moraes abriu o inquérito das milícias digitais antidemocráticas, com investigações centradas nos núcleos de produção, publicação e financiamento de fake news. À época, o ministro ressaltou que as investigações “apontaram fortes indícios da existência de uma organização criminosa voltada a promover diversas condutas para desestabilizar e, por que não, destruir os Poderes Legislativo e Judiciário a partir de uma insana lógica de prevalência absoluta de um único poder nas decisões do Estado”.

Naquele mês, levantamento da Polícia Federal no inquérito dos atos antidemocráticos mostrou que o Youtube pagou quase 7 milhões de reais – no período de 2018 a 2020 – a 12 canais de apoio a Bolsonaro, canais esses que eram suspeitos de envolvimento nos protestos contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso em 2021. É um valor bastante considerável, tendo sido apurado apenas para uma plataforma. 

Em agosto deste ano, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a PF a fazer busca e apreensão contra sete empresários que, num grupo de rede social, defendiam golpe de Estado caso o candidato Lula vença as eleições. Essas ações do ministro têm grande impacto, portanto, em um dos braços desse ecossistema, qual seja, o financiamento do esquema de produção e disseminação de fake news. Pois, nessa estrutura de desinformação que se consolida com o bolsonarismo, a produção profissional de fake news e a disseminação eficaz do conteúdo sempre demandaram grande aporte financeiro. 

 

O efeito dos novos atores

 

A segunda hipótese que levantamos para o arrefecimento do engajamento das redes bolsonaristas refere-se ao papel de atores específicos, como artistas e influenciadores. Além dos artistas badalados que estão declarando apoio a Lula – como a cantora Anitta, que recentemente recebeu o VMA pela melhor música latina –, um ator importante que queremos destacar é o deputado André Janones, recentemente incorporado à campanha lulista. 

Para termos um pouco mais clara a dimensão desse ator, vamos trazer alguns dados de coletas feitas pelo Observatório das Eleições na plataforma Facebook. Na primeira quinzena de agosto, as publicações de André Janones tiveram 11 milhões de visualizações. Em comparação, o ex-presidente Lula teve 5 milhões, o que mostra que Janones tem mais expressão que Lula nas redes em termos da capacidade de alcance de internautas. Em interações, a dupla Janones + Lula somou 5,6 milhões e se aproxima do resultado de Jair Bolsonaro (com 7,8 milhões).

 

Portanto, a partir desses levantamentos, podemos afirmar que, se Jair Bolsonaro estiver contando com as redes sociais para reverter a vantagem de aproximadamente 12% dos votos que o ex-presidente Lula mantém em relação a ele, dificilmente terá novamente, nas redes, um local para desequilibrar a produção de informação e de notícias, tal como fez em 2018.