Em quais estados a eleição pode ser resolvida no primeiro turno e como esse resultado pode impactar a corrida presidencial

Em quais estados a eleição pode ser resolvida no primeiro turno e como esse resultado pode impactar a corrida presidencial

Marta Mendes da Rocha, Luciana Santana e Gustavo Paravizo

 

Iniciadas a campanha eleitoral para escolha de novos governadores e governadoras e a realização de pesquisas de intenção de voto, já é possível ter uma ideia de em quais estados a disputa pode ser encerrada ainda no primeiro turno e onde ela está mais acirrada. Devido ao fato de as eleições estaduais e nacionais ocorrerem simultaneamente, a definição do resultado da eleição para governadores no primeiro turno pode ter importantes implicações para a corrida presidencial que, tudo indica, será decidida na segunda rodada.

 

Os eleitos e eleitas no primeiro turno poderão se dedicar integralmente à eleição de seu aliado na corrida presidencial. Isso pode ser particularmente importante nos grandes colégios eleitorais do país. Há também a possibilidade de que candidatos até agora reticentes em declararem apoio a Lula (PT) ou a Bolsonaro (PL), uma vez eleitos, sintam-se mais seguros para se posicionarem. Além disso, nos estados em que houver segundo turno é muito provável que a disputa para o governo estadual acabe reproduzindo de forma mais intensa a polarização nacional. 

 

Disputas estaduais com chance de decisão no primeiro turno

 

Considerando as sondagens de opinião, observa-se que em 13 unidades federativas há chances da disputa se encerrar no primeiro turno: Acre, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima e Tocantins. Em onze deles os governadores tentam a reeleição. Analisamos a possibilidade de vitória no primeiro turno considerando a intenção de votos no candidato(a), com base nas pesquisas mais recentes do Ipec, divulgadas na segunda quinzena de agosto, e o quanto isso representaria em termos de votos válidos (excluindo-se brancos, nulos e indecisos). 

 

Os candidatos melhor posicionados para encerrarem o jogo ainda na primeira rodada são ACM Neto (UB), na Bahia, com 69% das intenções de voto e Renato Casagrande (PSB), no Espírito Santo, com 68%. Em seguida aparecem Mauro Mendes (UB) no Mato Grosso com 63% e Helder Barbalho (MDB) no Pará com 62% (este último, segundo pesquisa do Instituto RealTime Big Data de final de julho). Ronaldo Caiado (UB), Ratinho Jr. (PSD) e Fátima Bezerra (PT) aparecem com 60% das intenções em Goiás, Paraná e Rio Grande do Norte, respectivamente. Com intenções de voto entre 50% e 60%, também com chances de serem eleitos no primeiro turno, aparecem Romeu Zema (Novo), em Minas Gerais, com 58% das intenções de voto, Antônio Denarium (PP), em Roraima, e Wanderlei Barbosa, no Tocantins, ambos com 52%, e Silvio Mendes (UB) e Gladson Cameli (PP), ambos com 51%, no Piauí e no Acre, respectivamente.

 

Esse cenário sinaliza a possibilidade de que, ao final do primeiro turno, o União Brasil, partido criado em 2021 da fusão entre o DEM e o PSL, eleja quatro governadores. Também sinaliza maior tendência de continuidade na região Centro-Oeste, já que os atuais governadores podem se reeleger no primeiro turno em três dos quatro estados da região, a exceção sendo o Mato Grosso do Sul. Vale destacar, também, a vantagem do ex-prefeito de Salvador ACM Neto (UB) na Bahia e de Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais, dois dos maiores colégios eleitorais do país.

 

Disputas estaduais com chance de decisão no segundo turno

 

Em outros 14 estados, as pesquisas sugerem que a disputa será decidida no segundo turno: Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. Em sete estados os atuais governadores lideram a corrida e devem chegar ao segundo turno em vantagem, segundo as últimas pesquisas do Ipec. Contudo, isso não significa que eles terão vida fácil no caminho para uma possível reeleição. 

 

Conforme apuramos, pelo menos cinco governadores eleitos em 2018 devem passar ao segundo turno se não com ampla dianteira, pelo menos com alguma folga (pelo menos 15 pontos de diferença em relação ao segundo colocado): João Azevedo (PSB), na Paraíba, com 40% das intenções de voto; Carlos Brandão (PSB), no Maranhão, com 39% dos votos válidos; Eduardo Leite (PSDB), no Rio Grande do Sul, com 43% (podendo se tornar o primeiro governador reeleito na história gaúcha). Também na liderança, mas com uma vantagem um pouco menor em relação ao segundo colocado aparecem o atual governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), com 40% dos votos válidos, e Carlos Moisés (Republicanos), em Santa Catarina, com 31%.

 

A disputa deve ser mais competitiva em pelo menos quatro estados. Em Rondônia, o atual governador Marcos Rocha (UB) e o senador e ex-governador Ivo Cassol (PP) estão empatados tecnicamente com 36% e 35% das intenções de voto, respectivamente. No Amazonas, o governador Wilson Lima (UB), e o ex-prefeito de Manaus e ex-governador, Amazonino Mendes (Cidadania), têm 35% dos votos válidos cada um. O cenário também é indefinido em Alagoas onde o governador Paulo Dantas (MDB) tem 30% e está tecnicamente empatado com Rodrigo Cunha (UB), com 27%. Apoios estratégicos têm deixado a competição política mais incerta no estado, sobretudo pelo endosso de Arthur Lira e Jair Bolsonaro às candidaturas desafiantes. 

 

Em outros sete estados, as eleições ocorrem sem a presença dos atuais governadores na corrida. Apesar disso, muitos deles trabalham para garantir a vitória de sucessores. Ao mesmo tempo, grupos locais se mobilizam diante da possibilidade de alternância na política estadual. No Amapá, por exemplo, Clécio Luís (SD) conta com o apoio do governador, Waldez Góes (PDT), e aparece com 49%. Ele é seguido de perto por Jaime Nunes (PSD), com 42%. No Mato Grosso do Sul, o ex-governador André Puccinelli (MDB) tem 31% dos votos válidos contra 20% do ex-prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD) e 17,5% de Eduardo Riedel (PSDB), este último apoiado pelo governador, Reinaldo Azambuja.

 

Por fim, no Ceará, Capitão Wagner soma 40% e tem pequena vantagem sobre Roberto Cláudio (PDT), com 35%. Elmano de Freitas (PT), candidato respaldado pelo governador Camilo Santana (PT), depois de um atrito com o PDT de Ciro Gomes, é apenas o terceiro colocado.  Já em Sergipe, Valmir de Francisquinho (PL) – que depende de decisão do TSE para seguir candidato – tem 42% dos válidos contra 23% de Fábio Mitidieri (PSD), que conta com o apoio do governador Belivaldo Chagas (PSD). 

 

Entre os desafiantes que lideram as pesquisas, a situação mais confortável é a de Fernando Haddad (PT) em São Paulo, que registra 49% das intenções de voto e de Marília Arraes (SD), que abriu uma boa vantagem na última pesquisa e aparece agora com 42% dos votos válidos em Pernambuco. 

 

Impactos sobre a corrida presidencial

 

Ainda há muita coisa para acontecer até o dia 2 de outubro, mas se o cenário acima se confirmar, quais são as implicações para a corrida presidencial e um provável segundo turno entre Lula e Bolsonaro? Dos treze candidatos que podem se eleger ainda no primeiro turno, cinco contam com o apoio ou apoiam oficialmente Bolsonaro contra dois que apoiam Lula. Quatro optaram por não se alinhar abertamente ou não foram bem sucedidos na conquista do apoio dos presidenciáveis. Romeu Zema já deu indícios de que pode se alinhar a Bolsonaro em um eventual segundo turno, o que daria uma importante vantagem para o candidato do PL em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país. Os candidatos que lideram as pesquisas na Bahia, no Piauí e em Goiás já sinalizaram que pretendem permanecer neutros. Apenas no Pará, Lula se beneficiaria da vitória de Barbalho no primeiro turno. 

 

Nos estados com maiores chances de segundo turno, quatro das treze candidaturas que lideram as disputas para os governos estaduais estão alinhadas a Jair Bolsonaro já no primeiro turno, incluindo Claudio Castro no Rio de Janeiro, o terceiro maior colégio eleitoral do país. Em Santa Catarina, todos os candidatos competitivos oferecem palanque a Bolsonaro e em Rondônia, onde o presidente teve votações expressivas em 2018, há disputa judicial entre os candidatos pelo uso da imagem de Bolsonaro. Se os candidatos que lideram em Sergipe e no Ceará confirmarem sua presença no segundo turno, Bolsonaro ainda pode ganhar dois palanques fortes na região Nordeste. Uma situação peculiar é a de Clécio Luís (SD-AP) que recebe o apoio de Lula e Bolsonaro no Amapá.

 

Entre os candidatos que lideram nos estados onde a disputa está mais apertada e deve se decidir no segundo turno, cinco estão alinhados com Lula desde o início do período eleitoral, entre eles Fernando Haddad, em São Paulo, maior colégio eleitoral do país. Os outros quatro aliados de Lula lideram em estados do Nordeste onde o candidato do PT conta com importante vantagem em relação a Bolsonaro. 

 

Eduardo Leite (PSDB-RS) e André Puccinelli (MDB), que lideram a disputa em seus respectivos estados, até o momento não sinalizaram apoio para nenhum candidato em um segundo turno presidencial. 

 

Se o favoritismo dos atuais líderes nas pesquisas se confirmar, Bolsonaro pode garantir no segundo turno o apoio de governadores eleitos em seis estados, incluindo Minas e Rio de Janeiro, contra apenas dois de Lula. Nos cenários mais competitivos, Lula poderá contar com aliados fortes no Nordeste, região na qual ele tem melhor desempenho nas pesquisas. 

 

Marta Mendes da Rocha é professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), onde coordena o Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local). É doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisadora do CNPq. Foi pesquisadora visitante na Universidade do Texas em Austin (EUA). Webpage: martamrocha.com

 

Luciana Santana é professora da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e da UFPI (Universidade Federal do Piauí). Mestre e doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha). Líder do grupo de pesquisa Instituições, Comportamento político e Democracia e diretora da regional Nordeste da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).

 

Gustavo Paravizo é jornalista, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisador do Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local).

 

O que está em jogo nas eleições 2022: as disputas nos estados

O que está em jogo nas eleições 2022: as disputas nos estados

Estamos diante de um cenário em que os partidos e forças derrotadas na competição nacional têm a possibilidade de encontrar espaço na política subnacional e manter sua relevância

Por Marta Mendes da Rocha*

Luciana Santana**

Publicado no NEXO

A estrutura federativa do país, com eleições diretas em todos os níveis, abre espaço para que candidatos e partidos se articulem para maximizar seu desempenho eleitoral nos diferentes níveis da política nacional. Isso significa a possibilidade de transferência de capital político entre lideranças e candidatos estaduais e nacionais. 

A importância das lideranças estaduais, por exemplo, fica evidente no esforço dos presidenciáveis em assegurar palanques nos estados como forma de ampliar sua visibilidade e mobilizar eleitores. Há expectativa de que, em 2022, a nacionalização das disputas estaduais seja mais intensa. Levantamentos recentes mostram que o ex-presidente Lula conseguiu articular palanques fortes em estados estratégicos. Bolsonaro também articulou palanques importantes, mas persistem dúvidas se seus aliados se engajarão na campanha de um presidente que amarga os piores índices de aprovação de um chefe de governo em primeiro mandato.

Para além dos efeitos na corrida presidencial, está em jogo na eleição estadual o comando político dos estados e o acesso a posições que permitam aos partidos e políticos intervirem sobre políticas públicas em áreas sensíveis para a população. Os governadores eleitos controlarão orçamentos bilionários, além do poder de nomear aliados para cargos na administração pública. Nas assembleias estaduais, a conquista de uma boa bancada é crucial para o governador eleito assegurar condições de governabilidade. Além disso, o pleito proporcional é importante para grupos minoritários que veem aí melhores possibilidades para a defesa de seus direitos.

Na política subnacional, além das peculiaridades da competição eleitoral, é importante levar em conta a diversidade inter e intrarregional. O Brasil é marcado por grande diversidade demográfica e disparidades socioeconômicas, o que faz com que algumas questões e atores adquiram maior saliência do que outros.

Não é possível, por exemplo, compreender a grande vantagem do PT nos estados do Nordeste sem considerarmos os efeitos das políticas de transferência de renda e outras políticas implementadas nos governos petistas na região voltadas para a população mais vulnerável. O predomínio do catolicismo também explica o menor apoio de Bolsonaro em seus estados.

Por outro lado, no Norte, segunda região mais pobre do país, Bolsonaro obteve vitórias importantes em 2018 e continua forte em 2022, apesar da avaliação negativa do governo entre os eleitores mais pobres. A força do bolsonarismo aqui se explica, em parte, pelos conflitos agrários e disputas envolvendo povos indígenas, ambientalistas, e grupos envolvidos com atividades predatórias (mineração, pesca ilegal e extração ilegal de madeira). A defesa da regularização de terras ocupadas ilegalmente e da expansão do agronegócio nessas regiões ajuda a explicar o apoio de certos grupos ao presidente. Além disso, sendo berço da Assembleia de Deus, conta com uma proporção significativa de evangélicos e estes foram em 2018 e ainda são, segundo as pesquisas, uma das mais importantes bases de sustentação de Bolsonaro.

No Sul e no Centro-Oeste não é de hoje que o PT encontra dificuldades na corrida presidencial e nas disputas estaduais. Na região Sul a centralidade do setor  agropecuário, especialmente no Rio Grande do Sul, e sua capacidade de fazer valer seus interesses na bancada ruralista do Congresso, ajudam a entender a força de Bolsonaro. O perfil da economia do Centro-Oeste também é relevante para entender o apoio consistente a Bolsonaro. Está concentrada aí boa parte da agropecuária, com destaque para a produção de soja, voltada para exportação. Mesmo que alguns setores do agro tenham iniciado um movimento de afastamento em relação ao presidente, ele ainda conta com apoio importante do setor. 

O Sudeste é um palco privilegiado da disputa presidencial pelo fato de concentrar 42% dos eleitores brasileiros. Além do processo de nacionalização das disputas, as questões da agenda estadual também devem ganhar centralidade, como o problema da segurança pública e da letalidade policial no Rio de Janeiro, além da situação fiscal já que o estado, assim como Goiás, encontra-se em RRF (Regime de Recuperação Fiscal (Minas Gerais e Rio Grande do Sul também devem aderir ao RRF).

Em todo o país, o desemprego, o aumento da insegurança alimentar e da fome, a precarização do trabalho, o aumento da população em situação de rua, e a baixa qualidade da educação, devem ocupar um espaço de destaque nos debates, nas eleições estaduais e nacionais. A saúde, que tradicionalmente figura entre as principais preocupações dos brasileiros, ganhou ainda mais relevo durante a pandemia e é provável que o desempenho dos governos estaduais no combate à crise sanitária ocupe um espaço importante na campanha. A questão ambiental, tradicionalmente ausente das campanhas eleitorais no país, deve ganhar mais espaço, devido ao expressivo aumento do desmatamento e outras atividades predatórias na região da Amazônia e do desmonte da política ambiental durante o governo Bolsonaro. É razoável que estes temas adquiram mais importância nos estados que fazem parte da Amazônia Legal, naqueles onde concentra-se a produção de grãos e de gado e nos estados com forte presença da mineração.

Estamos diante de um cenário em queos partidos e forças derrotadas na competição nacional têm a possibilidade de encontrar espaço na política subnacional e manter sua relevância. A pandemia ofereceu um exemplo desta dispersão resultante do federalismo ao opor os governadores e o presidente em relação à qual deveria ser a melhor abordagem diante da emergência sanitária. 

Se por um lado o federalismo aumenta os custos de construção de consensos, ao multiplicar os atores com poder de bloquear decisões, por outro, ele oferece algumas importantes defesas democráticas. Nas eleições deste ano, marcadas por sucessivos ataques de Bolsonaro e de seus aliados ao processo eleitoral brasileiro, a coincidência das eleições estaduais e nacionais pode ser crucial como um dique de contenção. Afinal, não interessa aos candidatos que lideram a disputa e menos ainda aos futuros governadores e governadoras eleitos o levantamento de suspeitas infundadas sobre a lisura das eleições. 

No que se refere às articulação entre candidatos e partidos nas arenas estadual e nacional, alguns elementos que a partir de agora prometem influenciar os rumos da eleição e aos quais devemos prestar atenção são: (1) os efeitos do início do pagamento dos auxílios da PEC 15/2022, apelidada de PEC dos Auxílios, principalmente nas regiões Norte e Nordeste que concentram a maior proporção de beneficiários; (2) a capacidade das candidaturas de Lula e Bolsonaro solucionarem impasses com aliados estaduais e evitarem rachas em suas bases; (3) o nível de engajamento dos aliados estaduais, principalmente os que estão à frente nas pesquisas, nas campanhas dos presidenciáveis, o que pode variar, em parte, em função do item 1; (4) a capacidade dos presidenciáveis transferirem seu capital político para os candidatos a governador. Isso pode ser fundamental para virar o jogo em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, por exemplo.

 

Marta Mendes da Rocha é professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), onde coordena o Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local). É doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisadora do CNPq. Foi pesquisadora visitante na Universidade do Texas em Austin (EUA). Webpage: martamrocha.com

Luciana Santana é professora da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e da UFPI (Universidade Federal do Piauí). Mestre e doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha). Líder do grupo de pesquisa Instituições, Comportamento político e Democracia e diretora da regional Nordeste da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).

A eleição presidencial de 2022 vista pela clivagem regional: continuidade ou mudança?

Marta Mendes

Luciana Santana

Nara Salles

O que pode ocorrer nas eleições presidenciais de 2022 por estado e região, considerando o padrão eleitoral dos últimos 20 anos? Na eleição de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu as eleições em todos os estados brasileiros, com exceção de Alagoas. A partir de 2006, contudo, as eleições para presidente passaram a ser marcadas por uma clara clivagem regional com o PT obtendo vantagem nas regiões Norte, Nordeste e nos estados de Minas Gerais e no Rio de Janeiro, e o PSDB no Centro-Oeste, Sul e estados como São Paulo e Espírito Santo. 

Em 2018, outras clivagens – de gênero, raça e renda – se sobrepuseram à regional tornando ainda mais complexo o quadro das eleições nacionais. No primeiro turno, Bolsonaro, então no PSL, venceu em 16 estados, no DF e em 23 capitais; Fernando Haddad venceu em oito dos noves estados do Nordeste e no Pará e apenas em três capitais (São Luís, Teresina e Salvador); e Ciro Gomes venceu no estado que é seu berço político, o Ceará, e na sua capital, Fortaleza. No segundo turno, Fernando Haddad venceu no Ceará e no estado de Tocantins que tinha dado a vitória a Bolsonaro no primeiro turno. Bolsonaro venceu nos outros 15 estados e no DF. Nas capitais, Haddad conseguiu vencer em mais três capitais do Nordeste, Aracaju, Recife e Fortaleza. 

O que esperar da corrida presidencial de 2022? Onde há perspectiva de mudança em relação ao observado na última eleição? Onde há tendência para continuidade?

A novidade pode vir do Sudeste

No Sudeste, região mais desenvolvida do país, o Partido dos Trabalhadores (PT) tem chances de recuperar a hegemonia em Minas Gerais e no Rio de Janeiro onde venceu todas as eleições presidenciais de 2002 a 2014. Em São Paulo, o PT saiu vencedor em 2002 com Lula e em 2014 com Dilma, mas perdeu quando concorreu com figuras importantes da política estadual, caso de Geraldo Alckmin em 2006 e José Serra em 2010, ambos filiados ao PSDB na ocasião. Este ano o PT tem chance de superar Bolsonaro (PL) na eleição presidencial e sair vitorioso na eleição para governador pela primeira vez no estado. No Espírito Santo, o PT não ganha a eleição desde 2006. Agora tem a chance de voltar a vencer já que Lula lidera as pesquisas e conta com o apoio do atual governador, Renato Casagrande (PSB), que também lidera na corrida pela reeleição. Mas, a eleição promete ser disputada. Na última pesquisa Quaest, no plano nacional, Lula liderava por 44% a 32%, mas no Sudeste Lula e Bolsonaro apareciam empatados com 37% das intenções de voto. Observou-se, também, uma redução da avaliação negativa do governo na região, de 49% para 41%, de janeiro a agosto de 2022.

2002 pode se repetir em 2018 na região Sul?

Nos três estados do Sul do país, a única e última vez em que o PT ganhou uma eleição presidencial foi em 2002, com Lula. Em 2018, Bolsonaro superou Haddad com 68,4% dos votos no Paraná, 63,2% no Rio Grande do Sul e incríveis 75,9% em Santa Catarina. Algumas pesquisas, este ano, sugerem mais equilíbrio. Na última pesquisa Quaest, no agregado da região, Lula superava Bolsonaro por 41% a 32%. Isso sinaliza a possibilidade de uma mudança significativa em relação às últimas eleições. Por outro lado, Bolsonaro tem a vantagem de contar com mais aliados e palanques nestes estados, além do apoio de lideranças do agronegócio.

O Norte: entre Lulistas e Bolsonaristas

Após a vitória de Bolsonaro nos dois turnos da eleição de 2018 em quase toda a região Norte – as exceções foram o Pará no primeiro turno e o Tocantins no segundo –observa-se uma tendência de aproximação do padrão de voto identificado entre 2006 e 2014. Nesse período, o PT venceu na maioria dos estados nas eleições presidenciais, no 1º e no 2º turno, mas foi sistematicamente derrotado em três localidades: Roraima, Acre e Rondônia. Esses estados são os locais onde Bolsonaro aparece na liderança das intenções de voto – excetuando o caso de Rondônia, que, como o Amapá e o Tocantins, não contou com a divulgação de pesquisas. No Amazonas e no Pará, territórios em que o PT venceu nos dois turnos entre 2002 e 2014, Lula lidera. 

O PT pode voltar a ter força no Centro-Oeste?

As eleições de 2022 podem representar uma oportunidade de recuperação do PT na região Centro-Oeste, onde Bolsonaro venceu o 1º e o 2º turnos nas últimas eleições presidenciais. O movimento de derrota petista na região se iniciou em 2006, com a vitória do PSDB em todos os estados e no Distrito Federal no 1º turno. Há exceções, mas, desde então, em todas as unidades territoriais da região, o PT foi derrotado pelo PSDB e, depois, pelo PSL. As projeções para 2022 ainda indicam a preferência por Jair Bolsonaro em todos os estados desta região e no Distrito Federal. No entanto, agora de modo mais competitivo com Lula, já que as pesquisas revelam diferenças mínimas, às vezes na casa dos três pontos percentuais, entre os dois candidatos. Isso acontece no Distrito Federal, no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. Goiás aparenta manter o seu vínculo bolsonarista, já que a vantagem nas intenções de voto sobre aquelas declaradas em Lula é mais ampla. O PT, por sua vez, tem se articulado para ampliar a sua base na região. 

Nordeste: a vantagem consolidada do PT se manterá?

 

O Nordeste é a segunda região mais populosa do país e concentra 27,11% do eleitorado, além de uma expressiva bancada no Congresso Federal. Se até o início dos anos 2000 era considerada uma região eleitoralmente conservadora devido ao passado de domínio dos “coronéis” e predomínio de lideranças tradicionais de direita, isso começou a mudar após a eleição de 2002 que deu a vitória a Lula (a única exceção foi o estado de Alagoas). Em 2018 foi a única região na qual Bolsonaro não conseguiu vencer em nenhum estado e que no segundo turno deu vitória a Fernando Haddad (PT) em sua totalidade (68% dos votos para Haddad contra 32% para Bolsonaro). A maior vitória proporcional na região veio do Piauí, onde o PT teve 77% dos votos válidos. A menor foi em Alagoas, com 59,9%.  Em 2022, a história deve se repetir, é o que apontam as pesquisas eleitorais que vêm sendo realizadas nos últimos meses. Embora a avaliação negativa do presidente tenha caído de 56% para 49%, Lula continua liderando com ampla margem, 61% contra 20% de Bolsonaro

O que ainda pode mudar

A este ponto da corrida eleitoral é arriscado analisar perspectivas de mudanças e continuidades. Os partidos têm até o dia 15 de agosto para registrar suas candidaturas, o que ainda deixa espaço para novos alinhamentos e reacomodações. Com o início oficial da campanha eleitoral, no dia 16 de agosto, os candidatos terão melhores condições de testarem sua força e a de seus cabos eleitorais nos estados. Com quase metade da população avaliando o governo como ruim ou péssimo, não se sabe se os aliados de Bolsonaro nos estados irão realmente se engajar em sua campanha. 

Por outro lado, especula-se se o início do pagamento dos benefícios oriundos da PEC 15/2022, apelidada de PEC dos Auxílios, terá o efeito de melhorar a avaliação do governo e tornar o cenário mais favorável para Bolsonaro, principalmente entre os mais pobres, grupo no qual ele encontra mais dificuldades. Espera-se este efeito principalmente no Nordeste, região com maior número de famílias beneficiadas pelo vale gás e pelo Auxílio Brasil. A questão em aberto é se ele será suficiente para apagar o legado dos governos petistas na região e para garantir superioridade no Sudeste, região que concentra 42% do eleitorado apto a votar este ano.

* Marta Mendes da Rocha É professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, onde coordena o Núcleo de Estudos sobre Política Local (NEPOL). Doutora em Ciência Política pela UFMG. Foi pesquisadora visitante na University of Texas at Austin. Webpage: martamrocha.com

* Luciana Santana é professora na Universidade Federal de Alagoas e do PPGCP da UFPI. Mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Universidade de Salamanca. Líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia e diretora da regional Nordeste da ABCP.

* Nara Salles é pesquisadora associada ao Doxa (IESP/UERJ). Doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ. Foi pesquisadora visitante no WZB Social Science Center. Idealizadora e coordenadora do VotaAí (http://www.votaai.com.br/).

As disputas estaduais no cenário da eleição de 2022 importam?

As disputas estaduais no cenário da eleição de 2022 importam?

As disputas estaduais no cenário da eleição de 2022 importam?

Por Luciana Santana e Marta Mendes da Rocha *

Publicado na Revista Nordeste

 

Este ano os eleitores brasileiros terão a oportunidade de dar cinco votos e escolher representantes para ocupar o cargo de presidente, governadores(as),  senadores(as), deputados e deputadas estaduais e federais. Com exceção da escolha do presidente que se dá em um único distrito eleitoral correspondente a todo o país, nos demais casos os distritos são os estados da federação. O fato de que as eleições brasileiras são casadas e que representantes do Executivo e do Legislativo em nível nacional e estadual são escolhidos ao mesmo tempo produz impactos sobre o processo eleitoral, as preferências dos eleitores e as estratégias das elites políticas nacionais, regionais e locais. Por isso é importante analisar o processo e seus resultados a partir das clivagens regionais.

 

As grandes heterogeneidades sociodemográficas, econômicas, culturais e políticas que marcam o país fazem com que a competição eleitoral assuma diferentes contornos em diferentes regiões. Por outro lado, as eleições estaduais, para governador e deputados estaduais, estão fortemente conectadas às nacionais. 

 

A “presidencialização” ou nacionalização das disputas estaduais

 

Desde 1994 as eleições passaram a ser casadas. Isso acabou fomentando um processo de “presidencialização” ou nacionalização da competição eleitoral em vários colégios eleitorais. Isso ocorre quando partidos e candidatos movimentam-se de modo a articular e coordenar suas estratégias nos dois níveis, de modo a otimizar os recursos de campanha e a assegurar o maior retorno eleitoral possível. 

Os presidenciáveis buscam assegurar palanques nos estados e garantir o apoio dos candidatos ao Governo e ao Legislativo como cabos eleitorais estratégicos para atingir êxito eleitoral. Desta forma, o que normalmente ocorre é que as candidaturas aos governos estaduais buscam associar a sua imagem aos candidatos que se apresentam como os mais competitivos à Presidência, como uma forma de fazer emplacar sua própria candidatura no estado. Em qualquer uma das direções, há evidências de que candidatos que contam com boa aprovação popular podem transferir parte de sua popularidade para seus aliados. A costura das alianças, contudo, é cercada de complexidades uma vez que candidatos e partidos se diferenciam em relação às suas preferências por priorizar a arena nacional ou a estadual, e também porque o histórico de competição no estado pode limitar as possibilidades de alianças. 

 

Embora possa ser desejável para uma candidatura a presidente que seu partido lance o máximo possível de candidaturas próprias para o pleito majoritário nos estados, nem sempre isso é possível. Em alguns casos, seu partido pode ser obrigado a abrir mão da cabeça-de-chapa da candidatura ou a apoiar algum candidato de outro partido ao governo estadual. Há, ainda, situações em que nenhum consenso é possível, resultando em um quadro de sobreposição de candidaturas em um mesmo campo ideológico e fragmentação de votos.

 

A competição política nacional e sua influência nos palanques estaduais

 

As eleições deste ano não serão diferentes e já estão sendo desenhadas dentro deste processo de nacionalização da competição política na maioria dos estados brasileiros. Desde que as pré-candidaturas foram divulgadas, é possível observar a movimentação de candidatos à Presidência da República na construção de palanques estaduais. O que mais tem chamado a atenção, no entanto, é que esse processo de nacionalização está centrado nas duas principais candidaturas, segundo as pesquisas de opinião, a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL).

 

À frente nas pesquisas, Lula tem a seu favor, como facilitador para atrair aliados e aliadas nos estados, a memória da população em relação à boa avaliação de seus governos (2003-2010), quando contou com altos índices de aprovação, e uma significativa e consolidada vantagem no Nordeste. Além disso, pode voltar a vencer a eleição em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, o que não ocorria desde 2014, e eleger, pela primeira vez, o governador do Estado.

 

Bolsonaro também tem se articulado e buscado atrair aliados, diferentemente do que fez em 2018 quando concorreu por um partido até então de pouca expressão, o Partido SociaL Liberal (PSL). A opção por disputar a eleição deste ano pelo Partido Liberal (PL), um partido consolidado, garante ao presidente a estrutura organizativa que ele não possuía na eleição anterior. Entre as dificuldades que Bolsonaro encontra na consolidação dos palanques estaduais está o histórico de confrontos com os governadores ao longo de todo o seu  mandato como presidente, com maior tensionamento no início da pandemia quando os chefes dos executivos estaduais adotaram medidas importantes no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Além disso, os conflitos com os demais poderes e os ataques a outras instituições, especialmente à Justiça Eleitoral, a rejeição do governo nas pesquisas eleitorais, o aumento da desigualdade no país e da concentração de renda, a alta inflação, dentre outros, são aspectos que dificultam a atração de aliados e aliadas nos estados.

 

As dinâmicas estaduais e a importância para a eleição deste ano. 

 

Os movimentos das elites políticas regionais e nacionais não ocorrem no vazio, e é importante considerar o contexto da competição política nos diversos estados e regiões do país. A extensão territorial do país ao lado das grandes disparidades inter e intrarregionais criam um quadro complexo no qual diferentes questões adquirem especial saliência dependendo da região. 

 

Fica claro que a dinâmica estadual e regional importa. Para além das articulações envolvendo diferentes atores nos vários níveis da política brasileira, há que se considerar a importância em si das eleições estaduais. Uma das características do federalismo é a dispersão de poder verticalmente. Ele favorece a tradução política e institucional da diversidade que marca a sociedade brasileira. Ainda que as eleições estaduais e nacionais tendam a se afetar mutuamente, não podemos desconsiderar que há espaço para que questões da agenda estadual ou regional – como a segurança pública no Rio de Janeiro, o desmatamento na Região Amazônica, a especulação imobiliária nas grandes metrópoles do Sul e do Sudeste, o desempenho dos atuais governadores no combate à pandemia – adquiram saliência na definição das preferências dos eleitores e das estratégias dos candidatos, candidatas e partidos.

 

Nos próximos dias teremos a definição e o registro das candidaturas para todos os cargos em disputa. Estaremos diante de um prato cheio de dados, informações e episódios para acompanhar. Nossas análises estão apenas começando. 

 

* Luciana Santana é professora na Universidade Federal de Alagoas e do PPGCP da UFPI. Mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Universidade de Salamanca. Líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia e diretora da regional Nordeste da ABCP..

* Marta Mendes da Rocha É professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, onde coordena o Núcleo de Estudos sobre Política Local (NEPOL). Doutora em Ciência Política pela UFMG. Foi pesquisadora visitante na University of Texas at Austin. Webpage: martamrocha.com